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Salvando o Sudão do Sul

Petróleo e Guerra

Toneladas de petróleo bruto e séculos de sangue marcam o nascimento do Sudão do Sul, o país mais jovem da África.

A VICE foi ao Sudão ver como uma das civilizações mais ricas e avançadas durante os séculos de colonialismo na África transformou-se num país castigado por golpes de Estado, ditaduras e desmandos, mergulhado numa série de conflitos intermináveis após a independência, em 1956. Nesta série de 22 capítulos, Robert Young Pelton e o fotógrafo Tim Freccia mostram de perto o que acontece num dos maiores países do continente africano, rico em petróleo e guerras, rachado ao meio em 2011, e com um futuro incerto pela frente.

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John Garang, ex-líder do Exército e Movimento Popular de Libertação do Sudão em abril de 1986. Foto: STR/AFP/Getty Images

A história moderna do Sudão poderia ser descrita como uma guerra perpétua com feriados esporádicos. A primeira grande revolta do século passado ocorreu em 1955, quando sulistas pertencentes às forças de defesa do país se reuniram na cidade de Torit, no estado de Equatória, e protagonizaram um motim. Esse foi o resultado de uma série de eventos provocados pelo governo, então comandando pelos árabes, na esteira de falsas promessas de que norte e sul seriam representados de forma igualitária no sistema federativo. A rebelião inicial não foi particularmente organizada ou efetiva, mas a ineficácia do governo em contê-la permitiu que a dissidência atingisse áreas rurais do sul do Sudão, onde guerrilhas plantaram as sementes de um movimento separatista de contornos mais definidos.

Uma década depois, uma guerrilha ao mesmo tempo discreta e persistente, com insistentes emboscadas das tribos Acholi, Bari, Dinka, Madi, Nuer e Lotuko contra unidades militares sudanesas, conseguiu encurralar as tropas do governo central de Cartum (compostas por mercenários e conscritos agoniados) em quartéis sitiados.

Em 1963, Joseph Lagu, oficial do exército sudanês e membro da tribo Madi, desertou em favor da causa sulista. Introduziu uma estrutura militar profissional nas rebeliões locais, que até então eram pouco relacionadas. Garantiu também apoio em forma de treinamento e armas de Israel e de outros países. O resultado foi uma força militar rebelde batizada de Anyanya (Veneno de Cobra).

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Em 1959, diversas companhias europeias e americanas começaram a buscar petróleo no norte do Sudão. Apesar da revolta, o país estava ansioso para começar as explorações. Sem sucesso no norte, as buscas continuaram rumo ao sul, transformando uma guerra por territórios num conflito por recursos.

Em 25 de maio de 1969, o coronel Gaafar Muhammad al Nimeiry e outros três de mesma patente deram um golpe de estado e derrubaram o governo. Nimeiry havia servido em Juba e conhecia bem os problemas regionais. Suas políticas de nacionalização e compaixão pelos sulistas lhe renderam certa estabilidade, uma vez que reconhecia a necessidade de solucionar os problemas do sul e sabia que a maioria deles poderia ser atenuada com o estabelecimento de uma região semiautônoma. Apesar de suas tendências socialistas, o coronel ainda não estava preparado para abalar radicalmente os alicerces coloniais.

Nessa época, o grupo Anyaya era apoiado pelo comandante do exército ugandês Idi Amin, kakwa do extremo norte de Uganda, região próxima à fronteira do atual Sudão do Sul. Rolf Steiner, veterano da guerra nigeriana e mercenário alemão, foi contratado por Amin para treinar rebeldes. Não tardou até que Lagu e Steiner se desentendessem; por isso, o ex-oficial do exército sudanês ordenou que o mercenário deixasse o Sudão. Um dos oficiais subalternos de Lagu era um jovem capitão dinka chamado John Garang, que entrou de vez no conflito em outubro de 1970.

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Frente à perda do controle de quase metade de seu território, o governo sudanês começou a organizar discussões com o objetivo de acabar com a “Guerra dos 17 anos”. Em 27 de fevereiro de 1972, o Sudão havia negociado um acordo de paz em Adis Abeba, capital da Etiópia, que unificou o país, mas também pavimentou a estrada para a próxima guerra. O acordo não fazia menção à questão do petróleo. A ideia desastrada de integrar rebeldes Anyanya a tropas sudanesas estava destinada a um fracasso sangrento.

Em 1974, a Chevron começou sua busca por petróleo nas regiões recém-pacificadas do sul e do centro do Sudão. O primeiro poço foi descoberto quatro anos depois em Bentiu, cidade situada no centro do que hoje é o norte do Sudão do Sul e lugar tradicional das tribos dinka e nuer. Com a descoberta de petróleo, o governo sudanês redesenhou seus limites internos, criando, em 1980, o estado de Unidade, na região do Grande Alto Nilo, alterando os limites das áreas vizinhas a Buntiu de modo que a cidade e seu poço de petróleo ficassem sob controle do norte.

Como resultado, o sul estava agora dividido em três regiões separadas em vez de uma. Com a ajuda da Chevron, Nimeiry buscou apoio americano ao mesmo tempo que se vinculava aos muçulmanos liderados por Hassan al Turabi. Durante a crise do petróleo em 1973, George H. W. Bush, então embaixador americano da ONU, alertou o coronel de que satélites espiões americanos haviam detectado possíveis reservas de petróleo sob o Sudd, em uma área entre Bentiu, Malakal e Nasir. Bush então apresentou Nimeiry a algumas companhias petroleiras americanas ávidas por explorá-los. A Chevron finalmente investiria US$ 880 milhões e perfuraria mais de 80 poços, encontrando petróleo de Cordofão a Melut e iniciando uma nova rodada de conflitos que durariam pelas três décadas seguintes.

Em setembro de 1983, o governo sudanês extinguiu partidos políticos e se converteu à rígida lei islâmica, da Shariah, incorporando uma abordagem dura em relação ao sul cristão e animista. O governo também extinguiu a Região Autônoma do Sul, criada com o acordo de Adis Abeba em 1972.

Logo depois, Garang anunciou a criação do Exército e Movimento Popular de Libertação do Sudão. E assim começou a segunda guerra civil sudanesa.

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Tradução: Flavio Taam