Os bastidores do maior concurso de beleza trans nos EUA
Todas as fotos por Amos Mac.

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Os bastidores do maior concurso de beleza trans nos EUA

Com talentos de todo o país e juízas celebridades como Caitlyn Jenner e Kelly Osbourne, o miss trans Queen USA visa levantar fundos para a saúde das pessoas transgênero.

Esta matéria foi originalmente publicada no Broadly .

Em outubro passado, 36 mulheres trans de todo os EUA foram a Los Angeles competir pelo título Queen USA. Elas ficaram no Ace Hotel no centro de LA, onde se prepararam para o show. Mas mesmo que todas quisessem vencer, havia um ar de irmandade no evento — elas pareciam apoiar umas às outras.

Esse é o 15º ano do Queen USA, mas foi a primeira vez que o evento foi produzido em escala nacional e organizado para levantar fundos para a clínica de saúde trans St. John's Well Child & Family Center. (No passado, o concurso levantava dinheiro exclusivamente para a Bolsa Nicole Ramirez. Uma parte dos fundos deste ano ainda vai diretamente para a bolsa, mas agora o St. John's adquiriu os direitos do concurso e se tornou o principal beneficiário.) A clínica é um centro de saúde federal que cuida de populações "carentes". O programa trans deles tem uma equipe inteiramente formada por pessoas trans, que fornecem atendimento médico para mais de 1200 pessoas em Los Angeles e arredores, independente dos documentos, plano de saúde ou renda dos pacientes.

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Concursos de miss geralmente representam uma idealização das mulheres como objetos de beleza, as valorizando por quão atraente são. Apesar de as rainhas sempre se envolverem com questões sociais e trabalhos de caridade — e muitos vão concordar que as misses também têm cérebro — no fundo, concursos de beleza ainda relacionam o valor de uma mulher à sua aparência. Isso pode parecer datado em 2016, mas eventos assim podem carregar um significado especial para mulheres transgênero, que muitas vezes são punidas, tanto na discriminação institucional quanto com violência na sociedade, por ousarem ser belas, ou ainda por encorporar sua forma feminina.

"O concurso mostra a diversidade dentro da nossa comunidade, e que a beleza vem em muitas formas", explicou Diana Feliz Olivia, gerente do programa de saúde trans do St. John's.

Mais tarde durante o evento, uma das competidoras, a trans filipina Angel, representante de Nova Jersey, chegou à clínica St. John's. Ela explicou que a verdadeira beleza do Queen USA é o exemplo que as participantes dão para meninas trans e a sociedade em geral. "É uma boa representação da comunidade trans", disse Angel, acrescentando que cresceu sem modelos transgênero. "Eu não tive apoio na transição quando me assumi."

Angel ficou com os olhos marejados. "No final das contas, é a sua vida", ela disse. Angel percebeu que tinha que se salvar, e fez a transição apesar do medo de ser rejeitada. "Você pode tentar ganhar de novo o amor da sua família", ela acrescentou.

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A irmã de Angel, Allie, estava sentada ao lado dela; ela tinha vindo de Nova Jersey com o irmão delas para fazer uma surpresa para Angel. Como a irmã, Allie é transgênero e, enquanto eu e Angel conversávamos, Allie chorou. "Ela é a razão para eu ser a mulher que sou hoje", Allie disse, secando as lágrimas com um lenço de papel. "Quando fiz a transição, baseei tudo nela." Allie me disse que precisava de um modelo, e Angel se tornou exatamente isso. As duas viveram escondendo seu segredo por anos, compartilhando seu sonho mútuo de viver como uma mulher, mas foi Angel quem teve a coragem de dar o salto para um futuro incerto. "Ela disse: 'Nunca peça permissão a ninguém para ser quem você é'", disse Allie.

Angel, Miss Nova Jersey. Todas as fotos por Amos Mac.

No dia do concurso, todas as 36 competidoras desfilaram pelo teatro lotado em vestidos vermelhos, passando pela mesa das juízas na base do palco, onde Caitlyn Jenner estava ao lado de Kelly Osbourne, da modelo Geena Rocero, da atriz de Transparent Alexandra Billings e oito outros ícones trans e aliados locais encarregados por julgar as performances delas. No palco, elas eram recebidas por uma das apresentadoras da noite, a lenda trans Candis Cayne.

Uma a uma, as jovens mulheres resumiram suas vidas no microfone. "No meu tempo livre, gosto de frequentar a igreja com meu marido e inspirar outras pessoas através do meu canal no YouTube", disse uma das competidoras. "Estou estudando para ser dentista, e no meu tempo livre trabalho como modelo", outra anunciou. As competidoras vinham de vários estados norte-americanos, as idades variando dos 20 aos 30 anos, assim como as origens raciais e étnicas, incluindo mulheres latinas, afro-americanas, brancas e filipinas, além de duas participantes representando tribos nativas norte-americanas.

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No decorrer da noite, as participantes voltaram ao palco com figurinos diferentes, primeiro roupas de banho e mais tarde trajes de gala. Cayne incentivava o público a apoiar o St. John's fazendo doações, e o teatro foi cativado por apresentações de estrelas como a artista e roteirista de Transparent Our Lady J, além de Betty Cantrell, Miss América 2016, uma diva country.

Um prêmio foi concedido ao criador de Transparent Jill Soloway. No final da noite, Jim Mangia, CEO do St. John's, subiu ao palco. "Estamos aqui hoje para celebrar, juntos, a beleza, a resistência, a perseverança e a cultura das pessoas trans", ele disse.

"Acreditamos que saúde é um direito humano fundamental", continuou Mangia. "A comunidade trans, como vocês sabem, enfrenta violência, discriminação, brutalidade, perseguição e tem oportunidades econômicas e de moradia negadas. Todo ano, pelo menos três mulheres trans de cor são assassinadas todo mês neste país."

Depois o discurso de Mangia se tornou pessoal. Ele contou como foi crescer pobre em Nova York. Quando seus pais o deserdaram, uma ativista trans o salvou. "O nome dela era Marsha P. Johnson", Mangia disse, explicando como a líder de direitos trans o apoiou durante os anos difíceis de sua juventude. "Marsha me recebeu. Marsha me ensinou como ser gay e Marsha era minha amiga. Marsha foi assassinada em Nova York."

"Tornem-se defensores e aliados da comunidade trans. Aprendam o significado da beleza."

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"Então eu digo para nossos irmãos e irmãs cis: Nos apoiem. Tornem-se defensores e aliados da comunidade trans. Aprendam o significado da beleza. Aprendam o que significa celebrar a diversidade."

Quando abriu em 2014, o St. John's tinha menos de dez pacientes; agora são mais de mil. Diana Feliz Olivia disse que espera dobrar sua equipe para atender a necessidade da população, e espera que os fundos levantados com o Queen USA e evento que o acompanha, o festival de cinema Transnation, ajudem o St. John's a continuar crescendo. Segundo ela, o concurso e o festival de cinema vão "celebrar nossa experiência, herança, história, perseverança, beleza, força e equilíbrio".

Depois de horas de apresentações e desfiles, era hora de anunciar as vencedoras. As participantes retornaram ao palco e o público foi à loucura. Cayne emergiu em ser terceiro vestido da noite com os resultados na mão. Enquanto ela abria cada envelope, as pessoas gritavam o nome do estado para que estavam torcendo. O título de melhor vestido de gala foi para a Miss Pensilvânia, e uma série de outros títulos menores também foram distribuídos. Quando chegou a hora da Miss Simpatia, o salão ficou em silêncio.

"Miss Nova Jersey!", anunciou Cayne.

"Vai, Angel!", alguém gritou no meio da multidão. Enquanto ela andava graciosamente para receber seu prêmio, lembrei de algo que Angel me disse dois dias antes. "Um dia desse eu estava me imaginando no palco", ela disse. "Isso é algo que eu nem sonhava antes, porque não achava que fosse possível. Meu sonho antes era apenas ser mulher. Eu não conseguia sonhar além disso. Agora é hora de sonhar."

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"Meu sonho antes era apenas ser mulher. Eu não conseguia sonhar além disso. Agora é hora de sonhar."

Depois que os títulos menores foram entregues, dez finalistas foram anunciadas. Elas deram um passo a frente e as outras participantes saíram do palco. Cada candidata tinha 90 segundos para responder uma pergunta.

A Miss Pensilvânia foi a primeira: "Se você pudesse viver em qualquer lugar dos EUA, onde seria e por quê?", perguntaram.

"Obrigada pela maravilhosa pergunta", ela disse, sua voz tão suave que parecia etérea. "Eu gostaria de viver num lugar onde os transgêneros são aceitos e tolerados", ela continuou com um gesto dramático, abrindo os braços para o salão. "Em alguns países e estados, os trans são perseguidos por serem quem são e o que são. E isso precisa mudar agora."

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"Senhoras e senhores", continuou a Miss Pensilvânia. "Somos todos filhos de Deus, filhos do universo! Devemos aceitar o amor, o apoio e abraçar a todos, porque juntos somos mais fortes. Juntos vamos mostrar ao mundo que podemos vencer o ódio. O amor sempre vence."

As outras candidatas responderam suas perguntas. Minutos depois, a Miss Califórnia foi coroada e se tornou a nova Miss Queen USA. Quando perguntada sobre qual era a grande contribuição da comunidade trans para o mundo, a Miss Califórnia respondeu "A imagem do amor-próprio".

Tradução: Marina Schnoor

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