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Saúde

Como o trabalho de DJ pode ser péssimo para a saúde mental

Falta de sono, abuso de álcool e drogas, meses fora de casa, haters de internet, e um trabalho cheio de altos e baixos — tudo isso pode tornar muito ruim até a vida do artista de maior sucesso.
Image from Avicii's Facebook

A vida de um artista que sai em turnês parece coisa de sonho: você vai de avião para lugares novos e exóticos, é pago para apresentar no palco o trabalho ao qual dedica a sua vida e ser admirado, e todo mundo faz fila para te dizer que você é foda, e para trazer toda a bebida, a cocaína e o sexo que se pode desejar.

Mas há uma labuta diária que se esconde por trás daquelas fotos no Instagram que mostram jatinhos particulares e piscinas de hotéis de luxo. Isolamento, padrões de sono irregulares, longas semanas, até meses, longe dos amigos e das pessoas queridas, turbulentos altos e baixos na carreira, e uma cultura endêmica de consumo pesado de álcool e drogas.

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Tudo isso coloca pressão sobre a saúde mental dos artistas que saem em turnê. E, no decorrer do ano passado, um número cada vez maior deles começou a revelar como o emprego dos sonhos os levou a lugares bem escuros.

Cinco anos saindo em turnê e bebendo todas já haviam mandado [Avicii] para o hospital duas vezes.

Avicii se aposentou da dance music esse ano, aos 26 anos de idade, deixando para trás contratos de shows ridiculamente lucrativos, e também uma carreira que estava no auge. Cinco anos saindo em turnê e bebendo todas já haviam mandado o astro sueco duas vezes para o hospital.

O mito novaiorquino da house music, Erick Morillo, também revelou recentemente que a sua vida começou a ir ladeira abaixo depois que sua carreira perdeu o gás: o vício em ketamina injetável que veio em seguida quase lhe custou um braço.

O pioneiro do dubstep Benga acaba de retornar após um período sabático de dois anos, depois de receber o diagnóstico de esquizofrenia e transtorno bipolar, ambos causados, ou, pelo menos, ocultados, acredita ele, por anos inteiros de muito trabalho e uso pesado de drogas.

O incendiário produtor Deadmau5 também revelou sua própria luta com "problemas de depressão" no fim do ano passado. E até mesmo o imbatível mestre do techno Carl Cox contou à Mixmag que vai diminuir o ritmo das turnês no ano que vem, porque tem medo de "ficar esgotado". Cox parou de beber, de fumar e de usar drogas depois de um susto com a saúde 14 anos atrás, mas mesmo sóbrio e saudável ele não consegue aguentar a falta de sono e as mudanças constantes de fuso horário que vêm junto com as turnês internacionais.

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Ser um DJ e produtor de sucesso é, em tese, um dos melhores trampos do mundo… Então, por que tantos artistas de sucesso estão chegando a um esgotamento tão espetacular?

60% dos músicos pesquisados pela instituição beneficente inglesa Help Musicians afirmaram já ter sofrido de depressão.

Estudos acadêmicos mostram que trabalhar com as artes pode trazer problemas para a saúde mental de qualquer pessoa, quer você esteja sem dinheiro até para o aluguel ou recebendo cheques de milhões de dólares na sua mansão de Las Vegas. A Victoria University publicou um relatório no ano passado, ligando a prevalência de problemas de saúde mental entre os profissionais da arte a baixos salários, excesso de horas extras e problemas de segurança nas condições de trabalho. E 60% dos músicos pequisados pela instituição beneficente inglesa Help Musicians afirmaram já ter sofrido de depressão, horários antissociais de trabalho, problemas com dinheiro e inconstâncias na agenda de apresentações foram citados como os maiores problemas.

Mas mesmo aqueles que surfam a onda do sucesso correm risco de sofrer com a saúde mental. Sono defasado, isolamento na estrada e longos meses longe das redes de apoio proporcionadas por família e amigos, um círculo de colegas em que a competição é forte e as críticas comem soltas, haters de internet, e um trabalho caracterizado tanto por auges estonteantes quanto por pontos baixos devastadores: tudo isso pode trabalhar em conjunto para tornar muito ruim a vida até mesmo do artista de maior sucesso. Some-se a essa equação também um estilo de vida repetitivo, que muito provavelmente funciona na base de fast food, nenhum exercício físico e consumo exagerado de drogas e álcool, e não falta mais nenhum componente para o desespero.

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Vijaya Manicavasagar é a Diretora de Serviços Psicológicos do Black Dog Institute, uma instituição sem fins lucrativos criada para pesquisar e tratar doenças mentais. Manicavasagar contou ao THUMP que as turnês frenéticas impõem um risco de problemas de saúde mental, não só porque a privação de sono e o estilo de vida nada saudável dificultam manter "em equilíbrio as emoções e os estados de espírito", mas também porque as farras peso-pesado podem ocultar os problemas que jazem abaixo da superfície.

"Se eles estão se sentindo para baixo, ou ansiosos, podem atribuir isso erroneamente a algo do tipo 'ah, só peguei pesado demais na bebida, tô de ressaca, sem problema', então é possível que nem percebam que existe mesmo um problema subjacente acontecendo", disse Manicavasagar.

Da mesma forma, passar pelos altos e baixos da farra constante pode contribuir para ocultar os sintomas dos altos e baixos muito extremos do transtorno bipolar. E muitas vezes as pessoas que sofrem de ansiedade ou depressão pegam ainda mais pesado na esbórnia, num esforço de se sentirem mais sociáveis.

"Elas procuram por coisas que no passado já deram certo, já ajudaram a vencer o desânimo", disse Manicavasagar, "mas provavelmente não é uma ideia tão boa assim fazer isso só para ocultar ou compensar uma tristeza ou um problema de ansiedade, quando elas, na verdade, precisam de ajuda profissional."

"Mesmo que você não seja necessariamente um alcoólatra, pode sentir a tentação de se anestesiar, se soltar,ficar na mesma vibe mental que todo mundo." – Lousiahhh

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Louisahhh, estrela da gravadora Bromance, conhece muito bem o preço que as turnês e as farras podem cobrar. Ela está sóbria há mais de uma década, mas, mesmo mantendo uma vida saudável, ainda sente o peso das longas e solitárias semanas na estrada — especialmente quando está fazendo uma turnê solo, ou em países em que a língua é desconhecida e se virar é difícil.

"Tipo, eu sofro de ansiedade e depressão", contou Louisahhh ao THUMP. "Você fica sem uma defesa emocional que permita aguentar os desafios. Às vezes eu me sinto louca nessa posição de pessoa sóbria em turnê, tipo como se eu estivesse num plano totalmente diferente em relação a todo mundo com quem interajo. Não converso com ninguém até entrar na boate e todo mundo fica bêbado ou chapado, e numa vibe diferente da minha. Essa é uma sensação bem desconfortável. Eu entendo, o álcool é um lindo lubrificante das relações sociais. Mesmo que você não seja necessariamente um alcoólatra, pode sentir a tentação de se anestesiar, se soltar, ficar na mesma vibe mental que todo mundo."

O astro italiano do bass Crookers é outro que conhece muito bem a sedução de ir com tudo para a noite, só pela diversão, e depois continuar na esbórnia só para ficar junto da galera.

"Lembro de um dos meus melhores amigos me dizendo: 'Cara… Você tá péssimo!" – Crookers

"Quando comecei a sair muito em turnês eu adorava ficar bêbado e dormir meia hora por noite enquanto me divertia com minas aleatórias", contou ele ao THUMP. "Nunca experimentei drogas, mas a única coisa que eu lembro são dois anos em que me sentia mal o tempo inteiro. Acordar todos os dias de ressaca e ir para um novo aeroporto não era tão divertido e cool como as pessoas podem imaginar, e depois entrar naquele ciclo de 'beber para melhorar', que também não foi nada divertido. Lembro de um dos meus melhores amigos me dizendo: 'Cara… Você tá péssimo!'"

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Crookers, por fim, teve que largar a bebida e começar a fazer exercícios, se adaptando a um novo estilo de vida de turnê que é "mais próximo das viagens de trabalho de um atleta do que as de um DJ de boate".

"[Eu sabia] que se continuasse naquela vida louca, ia me perder muito rápido, e depois seria mais difícil consertar a situação", disse ele. "Já percebi que, no geral, depois que passei a me cuidar melhor, sair em turnê começou a ficar muito mais fácil, e muito mais sustentável, mentalmente, do que era antes."

"Eu nunca teria conseguido viver essa parte da minha carreira se não tivesse ficado sóbria", acrescenta Louisahhh. "Meus problemas [com álcool e drogas] me levaram muito rápido a uma posição muito sufocante. Minha vida ficou reduzida a um raio de cinco quarteirões entre o meu apartamento e o apartamento do cara que me vendia drogas."

Existem sinais de alerta simples, disse Manicavasagar, que podem indicar se uma pessoa está sofrendo de algo além de ressaca constante: uma incapacidade persistente de dormir; exaustão e irritabilidade; sentimentos de ansiedade ou pavor; ou "fixação por coisas, substâncias, atividades ou comportamentos" — todos esses são sinais de que a pessoa poderia se beneficiar de uma ajuda profissional (que poderia vir em qualquer forma, desde testes de autoconhecimento na internet, como os disponíveis no Black Dog Institute, até uma visita a um clínico geral, que poderá fazer uma avaliação e, se for o caso, indicar um especialista).

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… é sempre bom ter consciência dos rigores do estilo de vida típico das turnês (mesmo que seja só para você ficar mais de boacom o seu emprego merda no escritório).

"[Se] a pessoa deixou de fazer as coisas que costumava fazer, ou de gostar das coisas que costumava fazer, ou se acha que não consegue mais alcançar um equilíbrio, e não consegue mais retornar ao que ela considera um estilo de vida normal, então, sim, acho que ela deve procurar ajuda", disse Manicavasagar.

Isso não quer dizer que seja impossível viver como um Rolling Stone e continuar saindo em turnês como um Rolling Stone — há um monte de grandes artistas por aí, alguns quase chegando aos 50 anos, que ainda se apresentam dia sim, dia não, e começam e terminam cada show com grandes quantidades de doses de álcool. Mas é sempre bom ter consciência dos rigores do estilo de vida típico das turnês (mesmo que seja só para você ficar mais de boa com o seu emprego merda no escritório).

"Para as pessoas que não conhecem os estresses desse estilo de vida, parece que o outro está vivendo a vida dos sonhos", disse Louisahhh. "Você não tem um emprego normal, é um DJ, pode ver o mundo. A realidade da situação é que, não, os seus horários são todos errados, você fica muito longe de casa, ninguém entende de verdade como é a coisa, exceto quem vive, entende?"

"Já vi gente — não sei como elas conseguem, porque isso é muito pesado para o corpo — não dormir por, tipo, cinco dias, porque elas fazem show, vão para o aeroporto, ficam de ressaca e destruídas num quarto de hotel, fazem show de novo, vão pro aeroporto… Fazer o seu corpo passar por isso é uma coisa insana."

"É uma vida maluca desde o início, e acho que não é pra todo mundo. Entendo total o motivo das pessoas largarem tudo ou desenvolverem transtornos mentais", disse Crookers. "Conheço uma porrada de DJs que estão deprimidíssimos num dia e se divertindo pra caralho no dia seguinte. Esses caras sofrem da essência louca da 'vida de turnê', mas continuam nela, porque precisam, porque adoram a vida, porque é necessário para eles."

Nick Jarvis está no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler

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