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Música

Toronto Baniu Eventos de Música Eletrônica em Áreas Públicas

Um esquema bem bolado, recheado de táticas de intimidação, para transferir a grana pública do EDM da cidade para o setor privado.

É manhã de sexta-feira, 11 de abril, e Toronto (supostamente "a cidade mais jovem" do mundo) baniu as festas de música eletrônica dos edifícios da Direct Energy e da Better Living, que ficam no Exhibition Place. Conhecido como The Ex, o Exhibition Place é uma área pública na porção oeste da zona portuária, onde não há nenhum conjunto residencial, que abriga uma feira anual e frequentemente aluga seu espaço para shows de vários gêneros musicais. No passado, esses shows incluíram alguns dos grandes nomes que já chegaram a apertar um botão de sync: Tiësto, Avicii e Laidback Luke.

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A proibição veio a pedido de Zlatko Starkovski, o dono de um dos lugares aonde os caras do subúrbio vão para se embebedar, o Musik Nightclub. Em meados de janeiro, Zlatko começou a ficar preocupado com essa moçada, principalmente com aqueles que ficavam dançando do outro lado da rua, em frente ao seu clube. Afinal de contas, é um problema sério quando sua mega-boate para três mil pessoas, que tem um salão de beleza próprio e gratuito, fica praticamente vazia porque todo mundo vai para o outro lado da rua, num espaço para 10 mil pessoas, só para ver o Avicii tocar sem usar as mãos. Foi por isso que Zlatko decidiu escrever para a prefeitura e dedurar essa moçada. Quer dizer, claro que antes disso ele havia doado alguns milhares de dólares à campanha de 2010 do prefeito Rob Ford. E, além disso, ele também contratou uma poderosa empresa lobista de Sussex. Daí ele escreveu a carta maledeta.

A carta começa assumindo logo de cara que "festas concorrentes no Better Living Centre e no Direct Energy Centre… têm causado problemas para o Musik conseguir agendar seus próprios shows", depois disso, o tom muda e começam os argumentos morais contra essas "raves problemáticas", cheias de drogas e menores de idade enchendo a cara.

Enquanto essa reclamação seguia seu caminho rumo aos canais adequados, Zlatko, a quem Ford chama carinhosamente de "Z", convidou o prefeito a conhecer seu clube e o prefeito cumpriu seu dever. Enquanto isso, a carta chegou exatamente nas mãos do braço direito de Ford, o conselheiro Mammoliti, que sugeriu o banimento da música eletrônica naqueles espaços.

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Antes que a proposta fosse aprovada, por quatro votos contra três, Z e seu lobista usaram e abusaram das imagens batidas das gangues de bichos-papões das raves, que eu me lembro de ver nos programas diurnos da TV no fim dos anos 1990: filhos arrombando o armário de remédios dos pais para conseguir drogas para tomar nos shows, pedófilos à espreita, raveiros de oito para nove anos (como se Toronto fosse, na verdade, o cenário das raves infantis holandesas)! Mammo pediu ao conselho que pensasse nas crianças "tomando ecstasy em terras do governo mantidas pelo dinheiro dos contribuintes" e se mostrou preocupado com "essa mensagem errada sendo transmitida". (Só para lembrar: foi o moralista Mammo que propôs a criação de um bairro da Luz Vermelha na ilha de Toronto e foi ele o último homem a sair em defesa do prefeito no auge do escândalo de seu envolvimento com crack). Mas a grande ironia disso tudo é que o motivo que levou as festas de dance music para o Exhibition Place foi uma recomendação do departamento de saúde pública de Toronto, segundo a qual ali era o lugar mais seguro e apropriado para elas. (E, pelas nossas contas, mais pessoas morreram no Muzik do que em qualquer uma das raves do Exhibition Place). O conselheiro Gord Perks, que se opôs à proibição, enfatizou que a medida significava a perda de um "lugar seguro e monitorado de festas para jovens e pessoas de todas as idades, levando-os de volta a lugares clandestinos e realmente perigosos". A resposta de Mammo foi chamá-lo de "Conselheiro Perks-cetamol".

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Depois de toda essa confusão misturando drogas, mortes e dance music, Mammo finalmente chegou ao verdadeiro argumento: "Se o setor privado deseja fazer [festas de música eletrônica] em espaços privados, então que seja assim". E com isso ele arriscou alto, porque a grande sacada nessa história é que o Muzik toca (se bem que, no momento, para bem poucas pessoas) o mesmo tipo de música eletrônica comercial que vendeu para a comissão como uma grande ameaça. Ou seja, a prefeitura deu de mãos beijadas para o Musik todo o investimento que fez. Como a carta do próprio Z afirma:

"O Muzik possui atualmente uma licença para comercializar bebidas para 8.755 pessoas. Esse número se refere às 5.674 pessoas da área externa além das 3.081 da capacidade da área interna de nosso clube. Entretanto, nossa atual concessão tem uma cláusula de exclusividade para eventos com até 2.999 pessoas. Se esse número for aumentado para corresponder a nossa capacidade real, para a qual possuímos licença, ficaria garantida a segurança necessária para esse tipo de situação e os clubes Muzik teriam a proteção de que precisamos para garantir que nosso negócio continue próspero."

O que está escrito nas entrelinhas é que o Muzik deu início a uma onda de pânico moral contra a dance music para acabar com as festas no Exhibition Place e, assim, passar a fazer festas idênticas para nove mil pessoas. Isso significa que concorrentes do Muzik, como Live Nation ou INK, terão de se mudar para outros lugares, mas a questão principal nem é essa e sim o fato de que cerca de um milhão de dólares de receita por ano vão deixar de entrar nos cofres públicos e vão parar direto nas mãos da iniciativa privada, tudo isso ao custo de mais difamação contra a música eletrônica.

O conselheiro Perks disse ao THUMP que "o Muzik, que tem muitas relações políticas, simplesmente quer ter controle exclusivo dos eventos musicais na área do Exhibition Place. Então, eles fingiram agir pelo bem dos jovens, mas a única coisa em que estão interessados é o próprio lucro. Eles querem crescer para ter exclusividade". O conselheiro enfatizou que a bancada responsável pela decisão final "só existe porque a prefeitura a criou, então eu preciso descobrir que instrumentos o conselho municipal possui para trazer a bancada de volta a uma abordagem menos barulhenta… Muitos de nós, membros do conselho, não queremos que isso vá adiante. Vamos descobrir um jeito de fazer isso."

Como tudo isso vai afetar o The Ex em termos de programação musical é outro problema. Será que o pop influenciado pela música eletrônica, como Rihanna, ainda será permitido? Avicii só poderá tocar suas trilhas country? Quem vai monitorar as batidas por minuto nas festas? A medida pode provocar o êxodo dos jovens para paraísos de outros gêneros musicais, onde as drogas são liberadas? E o que os jovens com menos de 19 vão fazer agora que não podem mais dançar naquela área? Aposto que o presidente do Exhibition Place, Mark Grimes (que apoiou a proposta de Mammo) ficará feliz em recebê-los no evento que ele mesmo está promovendo, o MUSIC! Not Mischief, "um programa da polícia de Toronto para chegar aos jovens usando o rock 'n' roll como instrumento". O evento acontece no fim deste mês no Mod Club. E por falar nisso, vocês se lembram de quando todo mundo morria de medo dos adolescentes ouvindo rock e tomando bolinhas?