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Música

O Top 100 da 'DJ Mag' Não Vale Nada

Nós explicamos por que a lista com os melhores DJ do mundo é recebida com vaias por fãs e indústria que acusam a revista de tratamento injusto e manipulação de votos.

Todo sistema tem sua hierarquia de poder. Para o bem ou para o mal, já são quase duas décadas que a votação anual dos 100 Melhores DJs da DJ Mag segue como a lista mais respeitada quando o assunto são DJs. Publicada sempre no outono (do hemisfério norte), a lista permite a agentes negociarem valores maiores por seus artistas, com resultados que abespinham press releases ao longo de um ano, e a indústria do lado de fora do santuário da dance music é levada erroneamente a crer que o enorme e desajeitado público do gênero se pronunciou com uma única voz. Os resultados deste ano foram anunciados no último sábado, 18 de outubro, no Amsterdam Dance Event e os vencedores ganharam destaque no site da revista e também serão publicados com pompa e circunstância edição impressa de novembro.

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Sem sombra de dúvidas, as melhores posições fornecem uma impressão sólida dos grandes artistas atuais. Armin van Buuren, Tiësto, e David Guetta já são considerados pilares da lista, com turnês e vendas de ingresso o suficiente para apoiarem suas colocações. Adições mais recentes na lista, Nicky Romero ficou em 8º colocado e Steve Aoki chegou á 10º posição.

Hardwell foi eleito pelo segundo ano consecutivo o melhor DJ do mundo.

O nº 1 surpresa do ano passado, Hardwell, chegou à posição após uma série de singles bem-sucedidos e uma árdua turnê, apesar de que houve um amplo entendimento de que sua equipe havia montado uma campanha agressiva nas redes sociais para destronar da primeira posição seu colega, o DJ holandês van Buuren.

Ainda mais bem sucedidos nas redes sociais foram Dimitri Vegas & Like Mike, cujo salto das trigésimas posições para a ala dos dez melhores – ficando acima de Skrillex, Deadmau5, Nervo, e Calvin Harris — foi um pouco mais que suspeito no resultado da lista de 2013. Neste ano o duo abocanhou nada menos que a segunda posição no Top 100.

Mais abaixo na lista, os furos no sistema começam a aparecer de fato. DJs menores vão mais alto que veteranos. Artistas de tamanho médio com likes no Facebook desproporcionais ao público presente em seus shows ficam acima de verdadeiros ícones. Assim, a cada ano, os resultados da votação são recebidos com vaias ensurdecedoras já que tantos os fãs quanto a indústria acusam a DJ Mag de tratamento injusto e manipulação de votos. Independentemente disso, ano após ano, a votação volta à vida como uma fênix.

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Mas e aí?

É um esquema do tipo pague para tocar

Vencedores da votação de 2012.

Não há outra forma de compreender a situação: a votação da DJ Mag é uma máquina bem azeitada integrante do marketing da revista. Como ela é feita através de uma simples votação pública, à la American Idol, DJs gastam quantidades copiosas de dinheiro em campanhas de marketing desenvolvidas para que eles consigam posições mais altas, e boa parte desse dinheiro vai pra dentro da própria revista.

Como comprovado em e-mails obtidos pelo THUMP (e reproduzidos nesta lista de discussão pública), os vendedores da DJ Mag encorajam ativamente os DJs a comprarem uma vantagem competitiva por meio de banners estrategicamente colocados por toda a página de votação. "Os anúncios piscarão em frente dos eleitores enquanto eles vão marcando opções. Se isso não funcionar, nada mais irá funcionar", promete a DJ Mag. Os pacotes de propaganda também exigem anúncios de página inteira na revista impressa. Essencialmente, o campo (a revista e seu site) fica a favor daqueles que pagam por anúncios que custam entre 18.000 e 40.000 dólares.

Enquanto a propaganda é parte da operação de qualquer veículo, essa prática em especial não seria aceita em qualquer outro sistema de votação. Na política, tamanha proximidade a um local de votação é algo considerado ilegal.

A DJ Mag sempre está à caça de trapaceiros

The @DJmag poll is full of Lance Armstrongs. Who really gives a fuck?

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— Sasha (@sashaofficial)

19 outubro 2012

Desde a sua criação, a votação tem se esforçado para acompanhar o ritmo dos trapaceiros. Surgida em meados dos anos 90, tratava-se de um método divertido que a revista havia encontrado para organizar a (então relativamente pequena) cena de DJs para sua crescente base de leitores. Os primeiros 800 votos foram enviados pelo correio em cartões postais, então contados pela equipe da revista. A votação nem de longe servia de termômetro para a indústria, mas já era vulnerável a trapaças: alguém, teoricamente, poderia voltar diversas vezes. Tudo que essa pessoa teria que fazer é pagar por selos a mais.

Quando a votação migrou para o online, a revista ainda combatia a fraude a duras penas. De acordo com Terry Church, diretor de Ibiza Uncut e diretor da DJ Mag entre 2003 e 2007, não havia segurança, o que significa que as pessoas poderiam votar diversas ao apertar o botão "voltar" em seus navegadores e votando novamente. Subsequentemente, a revista aplicou cookies em seu site, mas usuários espertinhos simplesmente limpavam os caches de seus navegadores. Finalmente, foi exigido um cadastro por e-mail. Aqueles que sentiam ser trabalho demais criar diversas contas de e-mail, acabavam contratando hackers profissionais. Em 2011, a revista foi obrigada a estender o prazo da votação por conta de uma tentativa de invasão de última hora. No começo da semana passada, um site russo postou prematuramente os resultados deste ano, afirmando que haviam sido obtidos por um hacker.

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A votação é um prato cheio para práticas de marketing suspeitas 

Surgiu uma espécie de indústria doméstica formada por empresas que oferecem auxílio a DJs que pretendem conseguir melhores colocações. No ano passado, Gareth Emery recebeu uma ligação de uma dessas empresas o avisando que se não abrisse sua carteira, ele encontraria "dificuldades em competir". "Eu quase vomitei", escreveu Emery em seu perfil do Facebook. Em seguida, doou o dinheiro que gastaria com a campanha para caridade. Ainda assim, ele ficou em 51º lugar na votação de 2013.

Outros são menos generosos. Mais cedo neste ano, um indivíduo conhecido como DJ Style lançou esta foto na rede:

Como um rosto pintado de preto deveria inspirar as pessoas a votar vai além da compreensão (bem como o conceito de ser "um escravo da música"), mas o racismo descarado causou ondas de revolta na blogosfera - e o cara nem apareceu na lista deste ano. Menos mal.

Lembra da escalada de 32 posições de Dimitri Vegas & Like Mike em 2013, chegando à sexta posição? Não querendo deixar nas mãos da sorte em 2014, eles supostamente espalharam representantes (mulheres, exclusivamente) armadas com iPads, circulando pelo Tomorrowland este ano. As moças perguntavam aos frequentadores do festival se eles gostariam de participar da votação, então clicavam no iPad que exigia que os votos fossem para Dimitri Vegas & Like Mike, que por acaso são agenciados pelos promotores do Tomorrowland, ID&T. A tática parece ter dado certo. Na lista deste ano, a dupla aparece em segundo lugar.

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Um raver 24 anos e nativos do Texas relatou sua experiência com esta bizarra estratégia. "De primeira achei que era piada e ri", declarou. "Ela respondeu dizendo, você tem que [votar neles] ou não pode votar. Eu disse 'Isto é loucura. Eles não estão na minha lista de dez melhores quanto mais ocupam o primeiro lugar'. Então ela tirou o iPad das minhas mãos e foi embora".

E então há o caso de Ricky Stone, o DJ e produtor de Hong Kong que armou um esquema com os cybercafés locais para que mostrassem a página de votação no começo das sessões dos clientes, com "Ricky Stone" já preenchido no formulário. Stone conseguiu a 48ª posição na votação de 2005.

Por mais dúbias que estas estratégias pareçam, elas supostamente estão dentro das regras da revista.

Alguns poucos ganham e a votação deixa todo o resto com um gosto amargo na boca.

A DJ Mag por direito desqualifica DJs quando métodos ilegais são detectados, mas práticas nada éticas assolam a votação. Os poucos que não conseguem cobrir seus rastros tornam-se os bodes-expiatórios azarados de um sistema inerentemente defeituoso. Em 2007, Christopher Lawrence e DJ Dan demitiram seu agente que foi pego fazendo lobby ilegal em troca de votos. Os nomes dos DJs foram limpos pela revista, mas o incidente deixou uma cicatriz feia em suas carreiras.

Mesmo assim, a comunidade de DJs em si fica cada vez mais apática. "A tendência é tudo ficar mais irrelevante para muitos DJs", disse-nos Paul Oakenfold. "Infelizmente foi comprovado que você pode manipular o quadro… Alguns DJs até te mostram como fazê-lo".

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O resultado da votação do Bottom100Djs.com, a eleição dos piores DJs do mundo.

Este ano, Diplo que ficou na 32º posição declarou em seu Reddit "Ask Me Anything" que irá fugir da votação usando um ainda não revelado "truque especial de desqualificação". Dada Life lançou um site satírico chamado Bottom100DJs.com [Os 100 Piores DJs], onde pede-se que os usuários votem nos DJs em que menos gostam. Por mais que tenham ficado em 35º lugar em 2013, Olle Cornér e Stefan Engblom, do Dada Life, são ambivalentes quanto à votação. "Provavelmente é importante para certos tipos de DJs, mas não pra gente", disseram. "Não levamos isso à sério. Ou na verdade levamos a sério o bastante para começarmos nosso próprio prêmio!"

No final das contas, estamos todos presos em um sistema defeituoso

Dito tudo isso se você ainda acha que a votação é "irrelevante", é importante destacar que sua popularidade e influência não deve ser subestimada. Já são mais de 23 mil comentários no Facebook sobre a votação deste ano. Promotores de shows em mercados emergentes da Ásia e África do Sul têm menos métricas ainda para avaliar a popularidade de artistas e dependem então da credibilidade dúbia da votação para determinarem cachês. Os artistas gastam milhares de dólares em campanhas publicitárias. Da mesma forma que artistas utilizam termos como "vencedor do Grammy" ou "indicado ao Mercury Prize" antes de seus nomes em uma biografia, as posições nesta votação ainda transmitem um quê de legitimidade. "DJ nº 1 do mundo" é um título que soa bem.

Infelizmente, a votação deixou de ser um exercício divertido para transformar-se em uma mina de ouro para pilantras de RP e para a própria revista. Fãs desiludidos estão enchendo fóruns com tópicos dedicados a contestar os rankings. Mas DJs, agentes, e assessores de imprensa veem tudo como um investimento necessário para colher benefícios substanciais em termos financeiros e de carreira.

Com edições abrangentes ao redor do mundo, a DJ Mag em si é uma excelente publicação e um veículo importante para a evolução da dance music ao longo dos últimos 20 anos. Mas no papel de árbitra da sorte dos DJs, sua votação anual é um legado que deve ser ignorado.

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Tradução: Thiago "Índio" Silva