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Música

A Cultura Queer Está Criando uma Nova Cena Underground na Dance Music

A dance music está voltando as suas raízes com o novo underground gay em ascensão.

Os que adoram zoar os amigos ravers provavelmente já estão familiarizados com os desastres de moda postados no grupo DEMF no Facebook, uma coleção de fotografias do festival anual techno de Detroit, Movement, A ideia do grupo é tirar uma onda daqueles que optam por usar meias arrastão bem apertadas e néon em público. No entanto, neste ano foram postadas várias imagens de homens fortões sem camisa, confortavelmente empacotados dentro de shorts de lantejoulas.

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Este grupo de gays, que no Movement formam apenas uma pequena minoria do contingente gay do festival mas que de longe tem a maior visibilidade, representam uma tendência emergente nas casas underground de house e techno. Nela, a comunidade gay dos EUA, ou pelo menos o núcleo duro desta cena, está à procura de algo mais sofisticado do que o universo médio de clubes tradicionais gays movido a pop. Festeiros que, como seus amigos heterossexuais de espírito independente, querem dançar ao som de um tipo mais sofisticado de batidas 4/4, algo que pode remontar às raízes disco do final dos anos 70 e início dos anos 80.

Um novo underground gay está em ascensão nos Estados Unidos, sem dúvida, impulsionado pela clara falta de estrelas homossexuais na cena mainstream de EDM, juntamente com a longa escassez de dance music de qualidade em bairros gays. Esta situação provou ser o clima perfeito para a criação de um circuito nacional de festas queer e artistas que estão atualizando o modelo de clubes gays lendários como o Paradise Garage e o The Warehouse, utilizando as décadas de inovação no deep house e techno, que evoluíram em grande parte fora do círculo gay, em baladas hipsters de Nova York e matinês em Berlim

Tanto nos centros gays tradicionais como Nova York e São Francisco como em algumas das cidades mais conservadoras dos Estados Unidos, essas festas tornaram-se predominantes em todo o país, oferecendo o tipo de liberdade desinibida dos clubs e cumprindo a promessa original da dance music, a inclusão. As noites também oferecem uma plataforma para uma nova geração de DJs gays que, depois de surgirem através do techno hétero e de cenas house, estão finalmente em condições de operar em um ambiente social que é tão convidativo para os seus pares homossexuais como para seus amigos reprodutores alpha.

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"Vindo de algo como nove anos de realização de festas techno hétero, as coisas foram ficando caducas", admite Aaron Clark, organizador da festa mensal Honcho, que rola em um porão de uma casa de banho em Pittsburgh, e é o epítome de um próspero underground gay encontrado em um local inesperado. "Acho que a galera hétero estavam ficando um pouco cansada com as músicas às vezes e as festas gays estão puxando as coisas de volta dessa borda. É uma muito necessária injeção de esquisitões frescos na cena dance e eu acho que as cabeças techno-hétero apreciam também."

Festa Honcho em Pittsburgh.

O melhor exemplo dessa valorização é a resposta das festas que o The Bunker, em Nova York, estão recebendo. O bem frequentado club techno começou a promover nos últimos anos noites exclusivas para DJs gays, juntamente com a oferta de outros ambientes héteros. Frequentadores passaram a chamar estas noites de "Gay Bunker", apesar do que diz o promotor Bryan Kasenic, que não faz distinção entre as duas: "O tipo de música que rola não varia tanto com base na orientação sexual do artista."

Um fator crucial na criação dessa nova vibe foi a contratação do DJ Mike Servito, nascido em Detroit e criado em Nova York, e que se tornou residente no The Bunker em 2012. Um veterano da cena warehouse de Detroit dos anos 90, com um gosto impecável para techno, house e disco, Servito está tendo um 2014 bom demais. Ele obviamente vê o gosto por eventos dance gay crescendo junto com a sua própria popularidade. No entanto, ele se apressa para pôr de lado a hipótese de que a aceitação recente é estritamente unilateral. Não é apenas uma questão de uma multidão de techno héteros finalmente terem decidido que "gay é ok".

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"Os dias de um gay musicalmente de mente fechada acabaram", afirma Servito, expressando o sentimento de frustração que muitos DJs e fãs do underground gay sentiram durante as últimas duas décadas, quando ouvir boa música e ir à uma festa gay eram conceitos que se excluíam mutuamente. Ryan Smith, DJ e agente que frequentemente aparece ao lado de Servito no The Bunker com o nome Wrecked partilha desse mesmo sentimento.

"Eu acho que esse movimento moderno é uma resposta ao circuito de cultura e às imagens que transmitem para as pessoas que não se identificam com os estereótipos gays, assim como a mainstreamzação da cultura gay", ele explica. "A cena realmente não muda muito há alguns anos, e uma nova safra de DJs – alguns que há bastante tempo têm tocado mais para o público hétero – sentiu que a influência gays estava se perdendo. Ao ligar os pontos entre os tempos modernos e a herança gay, há um underground crescente e esses caras estão criando festas fudidas, com alguns dos DJs mais talentosos que eu já ouvi."

A "estridência" desses eventos tem sido frequentemente mal representada por uma mídia ávida para ganhar dinheiro com cliques picantes como algo "impulsionado pelo sexo". Rumores de atos chocantes na pista de dança em festas underground gays são geralmente exagerados, a menos que ainda se considere um choque dois homens dançando juntos. Na verdade, uma grande parte do apelo à multidão hétero em participar desses eventos é a ausência desse comportamento sexual agressivo com as mulheres, o que rola muito em clubes héteros.

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"As meninas se sentem confortáveis porque elas não são necessariamente objetificadas. Elas podem ficar na pista de dança e não se preocuparem com alguém tentando dar em cima delas", explica Jason Kendig, outro veterano de Detroit que compõe um quarto da crew Honey Soundsystem de São Francisco. Kendig é um aficionado por dance music de nível mundial que, além de discotecar e promover festa desde os anos 90, também se envolveu em projetos como o lançamento da versão 2013 da trilha sonora do filme pornô gay School Daze (1981) de Patrick Cowley, um lembrete das profundas raízes gays da dance music e também da trágica epidemia de AIDS que devastou a comunidade há três décadas.

Kendig pode falar muito sobre a reedição de álbuns obscuros de disco e house, "Essa tem sido uma questão de polarização", diz ele. Mas ele também pensa muito sobre a dinâmica de dar uma boa festa, incluindo também todos os fatores não-musicais.

"Na maioria das vezes sair a noite é uma combinação de dançar e esperar ficar com alguém", explica ele. "Não é só a música, é se envolver com outras pessoas."

Honey Soundsystem.

A festa semanal que já dura mais de oito anos Honey Soundsystem é certamente a mais antiga da atual safra de queer techno e eventos de house atraentes para todos os fãs da música. E não é nenhuma surpresa, já que São Francisco é uma das cidades mais gay-friendly do mundo. Mas Kendig admite que, mesmo na Bay Area, tentar promover uma noite techno até meados da década de 2000 na cena gay era uma tarefa difícil. As maiorias dos clubes gays não estavam convencidos de que havia um apetite para a música underground entre sua clientela amante da música pop.

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A resistência nos negócios gays era tal que a primeira festa semanal do Honey Soundsystem ocorreu em um local hétero, anteriormente conhecido por uma vibe meio Show Bar, de acordo com Kendig. Ele explica que, como qualquer movimento não-mainstream – homo ou hétero – a atual onda de festas queer cresceu a partir de uma atitude do it yourself. "Foi tipo, crie a sua própria música e dê suas próprias festas". Claro, São Francisco sendo São Francisco, a história das festas escuras e sensuais gays nunca esteve longe da superfície, não importa quantas camadas de tinta arco-íris fossem aplicadas.

"Esse lugar era o Phoebe, que foi o primeiro leather bar [bar gay com inclinações S&M] de SF", Kendig explica. "Então ele tinha essa história gay meio enterrada. Era um local que 95% do nosso público gay nunca tinha colocado os pés, até porque nunca teve uma razão para isso. Mas ele costumava ser o local onde o Stud original tinha começado antes que eles encontrassem outro lugar. O Sylvester tinha se apresentado lá! Parecia que os "Gayngels" estavam olhando para nós."

Kendig apresentou recentemente seu primeiro show no Panorama Bar, a pista superior house do templo-techn-gay-sex-club do notório club Berghain, em Berlim. O Berghain é sem dúvida o espaço mais famoso do mundo hoje, por isso é difícil não suspeitar que o interesse renovado em DJs do underground gay é em parte resultado de um interesse mais amplo e estável sobre os residentes do Berghain, que têm afetado positivamente a notoriedade do club (e um grau considerável de talento) para shows ao redor do mundo. Um frequentador assíduo do Bunker cita um set do ex-residente do Panorama Bar, o Prosumer, como a reviravolta final no interesse em DJs do underground gay dessa cena. E Kendig também menciona o barbudão como um exemplo de um DJ gay que fãs héteros não perdem de jeito nenhum.

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Héteros viriam, e talvez eles gostassem dessa atenção que eles têm tipo "este cara quer me pegar", mas não se sentir ameaçado por isso. Além de tudo, "o Prosumer está tocando um set aniquilador e eu não me importo onde ele está tocando, eu estou indo para ir dançar com ele."

Esse sentimento é, em uma última análise, o que realmente importa para todos com quem falei para esta matéria. A ideia é que vale a pena falar do novo underground gay, mas é a música o que importa. Talvez por isso uma matéria recente na Resident Advisor sobre o Servito e sua nova popularidade falhou em não conseguir sequer falar sobre sua sexualidade. Isso prova que, independentemente da orientação sexual, um DJ tem que fazer você dançar.

"Eu não acho que o artigo do Resident Advisor era sobre a minha sexualidade", explica Servito. "Eu sou uma pessoa reservada, mas também não fico fazendo média sobre homossexualidade e temas queer. Eu posso ter tido dúvidas sobre não salientar mais o assunto, mas é o que é. Acho que todo mundo pode me ler um pouco, mas eu não estou aí para me escancarar. Eu também não acho que tudo precisa ser definido de forma tão clara".

Como acontece frequentemente com uma cultura discrepante, os melhores momentos acontecem nas entrelinhas, sejam eles homos ou héteros, negros ou brancos, ou qualquer outra definição arbitrária usada para separar os que compartilham de um pensamento parecido. De qualquer forma, ainda não sabemos se a atual onda de eventos de dance gay continuará a prosperar. O que provavelmente pode acabar acontecendo é essa cena se tornar outro segmento permanente da diversificada cultura mundial de clubes. É como Smith ressalta prazerosamente, enquanto desfila pela Movement usando uma camiseta cor de rosa apertada com o logotipo da extinta revista de cultura gay Butt: "Quando uma festa gay começa, não há realmente nada igual."

Escrito por Joshua Glazer

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