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Música

A Plastic People Deixa Saudade

DJs residentes e nomes à frente de importantes festas que rolavam no porão escuro do clube contam por que a Plastic People se tornou um espaço icônico em Londres.

No início de 2015, assistimos ao fim de uma era: a Plastic People fechou suas portas pela última vez. Por vinte anos, o clube foi um dos locais mais amados de Londres, atraindo um séquito dedicado de seguidores semanalmente. Através da festa FWD>>, tornou-se o lar espiritual de uma das últimas cenas locais da capital. Com a licença prestes a expirar, o clube tomou a decisão de se despedir com uma última festa. Nas palavras da gerente, Charlotte Kepel: "Seguir em frente parecia a coisa certa a se fazer". O fim planejado do clube foi uma raridade em uma época em que a maioria dos clubes diz pouco ou nada sobre o assunto. Mas também, a Plastic People sempre fez as coisas do seu jeito.

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Embora o lugar em si – um porão minúsculo, totalmente escuro, com um sistema de som incrível – seja altamente mitificado, foi a filosofia do clube que lhe rendeu sua (boa) reputação. Alentada pelo seu fundador e DJ residente, Ade Fakile, a Plastic abraçou um conceito de ecletismo irrestrito, que rejeitava o elitismo em prol de uma paixão genuína por compartilhar músicas diversas e raras.

Em vez de um obituário sombrio, achamos melhor fazer uma celebração ao clube, pedindo a alguns dos seus devotos que compartilhassem suas memórias. As pessoas a seguir moldaram o clube ao longo dos anos, cada uma à sua maneira, como DJs, promoters ou designers.

PLASTICIAN

Chris Reed era uma presença constante nas festas FWD>>.

Quando fui lá pela primeira vez, nunca tinha visto um sistema de som como aquele antes. Ele funcionava perfeitamente com aquele som dos primórdios do dubstep, foi a primeira vez em que realmente senti aquele tipo de música de forma apropriada. Antes de ir lá e ouvi-lo e senti-lo de forma apropriada, não focava no peso dos graves quando tocava.

As pessoas costumavam achar um lugar escuro na pista –  o que não era difícil, porque lá dentro era um breu – onde pudessem sentir a música e ficavam lá a noite inteira. Brincávamos que era um lugar cheio de pessoas de capuz e chapéu, só encarando o DJ e balançando a cabeça, e foi assim por um tempo. Mas com a força dos graves e aquela fumaça toda na pista era fácil se deixar hipnotizar.

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Havia uma descontração evidente nisso da qual eles foram pioneiros. Mesmo agora, com pessoas como o Skream e o Benga, que hoje fazem shows em estádios enormes, tudo remonta à Plastic People, porque foi o que experimentamos primeiro. Nada se compara a essas primeiras experiências. Conheci muitas pessoas através do clube, só de ver as mesmas caras toda semana e sentir que podia me aproximar das pessoas no fim da noite. Tinha uma verdadeira vibe de comunidade.

A noite de que vou me lembrar para sempre é a da festa de aniversário do JME. Foi um pandemônio, o clube estava tão cheio que tive que lutar pra voltar para a cabine. Comecei a tocar o meu set e o Skepta era o próximo, mas ele estava dando uma segurada porque sabia que o público estava prestes a explodir. Então o God's Gift apareceu na cabine, soltou uma faixa que deixou todo mundo louco e foi isso. Eles não estavam competindo, mas tentando impressionar um ao outro, eu acho. A coisa ficou tão doida que as pessoas estavam batendo com força na cabine, e o mixer – que era um troço gigante num móvel de madeira – caiu no chão junto com um dos decks. Me lembro de olhar para o Skepta tipo, 'Nossa'. Quando a música foi cortada, as pessoas só acharam que tínhamos colocado a mesma faixa de novo.

D Double E atrás do mixer na FWD>>

BENNY BLANCO

Benny comandava a festa Nonsense, em que também tocava. Foi ele quem capitaneou a campanha para salvar o clube em 2010, quando a licença foi submetida à reavaliação.

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É provavelmente o clube que mais frequentei no mundo inteiro. Era a minha igreja, minha escola.

Aderi de verdade à filosofia do Ade em relação à música, ao modo como ele tocava e às coisas que ele tocava. Ele é um purista, mas não de um jeito arrogante. O que importa para ele é a relação entre a música e como ela faz você se sentir.

O fundador do clube, Ade Fakile.

Foi o primeiro clube a ter caixas de som da Funktion-One. Tony Andrews [o cofundador] as instalou e configurou especificamente para aquele espaço. Tem uma faixa do Herbie Hancock que o Ade tocava sempre, e ela nunca soa do mesmo jeito quando você a ouve em casa. Aquele espaço era perfeito para aquela faixa, e isso se tornou verdadeiro para muitas faixas.

No último sábado, durante a festa de encerramento, Ade tirou um disco lacrado do Pharoah Sanders que vale milhares de libras da bolsa dele. O Sean McAuliffe estava tipo, 'Nunca vi você tocar isto' e Ade simplesmente o abriu. O Floating Points estava surtado, tipo, 'O que você está fazendo diminui o valor em centenas de libras'. Mas o Ade falou: 'O Sean quer ouvi-lo'. Eu o vi fazer coisas parecidas ao longo dos anos. Ele pode tocar discos muito raros e caros, mas não tem nada a ver com elitismo, é pura paixão pela música. É isso que a Plastic People representa.

O meu momento favorito foi quando o Ade comprou uns toca-discos da EMT (Elektro-Mess-Technik), toca-discos enormes usados para transmissões de rádio que ele guardava nesses hard cases pesadíssimos. Eram necessárias três pessoas para erguê-los e carregá-los de um lado a outro na pista, e a música parava por 15 minutos enquanto ele trocava de toca-discos. Você pode ouvir os mesmos discos neles e eles vão soar totalmente diferentes. Ele tocava alguma coisa e eu perguntava 'o que é isso?', então via o disco e percebia que já o tinha escutado antes. Esse era o tanto que ele se dedicava ao som do clube.

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Os decks EMT, de aparência pesada e som sublime.

ALI AUGUR

Augur desenhou o logo e os flyers da Plastic People ao longo dos anos.

Conheci o Ade em 1998, quando a Plastic People ainda era na Oxford Street, e naquela época o clube nem ao menos tinha uma logo. Ade estava no clube o tempo todo, ele até construía coisas. Às vezes eu aparecia e lá estava ele com as suas ferramentas. Ele fez todo o piso e o encanamento, além de trabalhar no bar e tocar.

De modo geral, o clube em si já era a sua própria propaganda, era tudo boca a boca, então eu queria fazer flyers bons o suficiente para que as pessoas quisessem guardá-los, mais como itens colecionáveis do que qualquer outra coisa. Baseamos o design do logo numa fonte antiga, usando Letraset. Tem muitos gráficos em estilo clipart de pessoas dançando, reunidas, combinava com a imagem do clube.

Também fizemos muitos desenhos de Londres nos flyers, em parte como uma celebração da cidade. Naquela época, em meados dos anos 90, não tinha muita gente que ainda usasse ilustrações em flyers de clubes. Os poucos que usavam eram casas de shows, e é interessante, olhando em retrospectiva, como muitas dessas cenas não existem mais – o Astoria já era, o Velvet Rooms também. Na época eu não pensava muito nisso, mas os flyers encapsularam uma certa época e um certo sentimento em Londres.

ALI TILLET

Tillet comandava as festas Warm e Intervisions, nas quais também tocava.

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Comecei a frequentar a Plastic People quando ela se mudou para a Curtain Road lá por 2000. A simplicidade e a pureza do lugar eram o que lhe dava poder. Parecia original e realmente me educou em termos do que é possível quando você é apaixonado pelo que faz.

Lembro da espera na entrada até que aqueles portões se abrissem, do ambiente do disco-surpresa, dos toca-discos EMT, da lâmpada vermelha, da cortina preta, das manhãs de domingo que iam longe depois de as luzes se acenderem.

Acima de tudo, a educação musical que recebi ao longo dos anos, indo aos sábados à noite, quando o Ade fazia as festas Balance, foi como nenhuma outra. Ele tocava músicas de todo o tipo, faixas que você conhecia e faixas que você não conhecia, mas faziam todo o sentido quando eram tocadas naquele sistema. Isso acendeu um verdadeiro desejo em mim de realmente pesquisar músicas de todos os gêneros, do passado, do presente e do futuro, e levou à minha paixão contínua por música ao longo dos anos.

Nunca esperei comandar uma festa ou mesmo tocar lá. Sempre sonhei com isso, e depois de pedirmos inúmeras vezes, o Ade finalmente nos deixou fazer uma série de festas Innervisions lá, nas noites de quinta. Essas festas foram muito especiais. Depois delas, a Plastic People se tornou o lar da nossa festa Warm, em que convidávamos os nossos artistas favoritos de todo o mundo para tocar.

Agradecimentos especiais a Ade, Charlotte, Bernard, Winston e Barry e quem mais eu tiver esquecido, e àqueles que vieram ao longo dos anos, acharam seu lugar especial naquela pista e formaram uma comunidade tão incrível de amigos e companheiros de dança.

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JOSEY REBELLE

Josey era DJ residente das festas Nonsense. Você pode ouvi-la todas as noites de domingo na Rinse FM.

Estou muito triste que a Plastic People tenha fechado, era sem sombra de dúvida o meu lugar favorito para dançar e tocar. Tinha aquela combinação mágica que não pode ser encontrada em nenhum outro lugar: DJs incríveis tocando músicas alucinantes, um sistema de som maravilhoso, um público alegre de mente aberta, uma equipe ótima, da gerência à segurança, e algo a que as pessoas seguidamente não dão o devido valor num clube: escuridão.

Adorava o fato de que o clube era tão escuro a ponto de você podia simplesmente ir sozinho até lá, ser totalmente envolvido pela música e não ligar para mais nada no mundo. E, como DJ, tocar as minhas músicas favoritas na casa, em meio à escuridão, para uma casa cheia sem ninguém poder ao menos ver o meu rosto, foi sinceramente a coisa mais parecida com a felicidade que eu já experimentei. Mas mesmo aquecer uma pista vazia – o que eu fiz várias vezes quando comecei a tocar lá, em 2009 – era um prazer.

Ir à uma última festa antes do clube ser fechado foi emocionante, até porque apareceu muita gente com quem eu subitamente percebi que talvez nunca mais fosse dançar junto. Mas não houve lágrimas, eu só me senti muito grata que a Plastic People tenha feito parte da minha vida e que eu tenha tido a chance de dançar lá uma última vez.

Tradução: Fernanda Botta