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Música

O hedonismo idílico e a celebração distópica dos club kids de Nova York

O produtor Shawn O'Sullivan fala de seu último disco com Ernie Glam, uma ode ao excesso dos club kids e Alexis Dibiaso, fotógrafo que documentou toda a baderna.

Entrevista originalmente publicada na i-D UK .

É no mínimo adequado que Shawn O'Sullivan tenha escolhido as fotos de club kids nova-iorquinos de Alexis Dibiaso para ilustrar seu novo disco, Fit for Purpose. O artista, também natural de Nova York, vem explorando as zonas periféricas do techno ao longo de sua carreira, de seus primeiros EPs lançados pela Shifted até seu mais novo lançamento, disco de estreia sob a alcunha 400PPM; despojado, motivado e trabalhando em cima de variações do que tipicamente rola na pista de dança. Tal exploração, acompanhada pelas imagens de Dibiaso, vira meditação sobre a relevância histórica do gênero; "a sensação de desconforto e histeria que motivava, e ainda motiva, os movimentos contraculturais que moldaram a cultura noturna". Juntamos Shawn e Ernie Glam — club kid nova-iorquino original e guardião das imagens do finado Dibiaso (bem como criador do brilhante livro Fabulosity ) — para falar sobre a escandalosa cena noturna e o hedonismo sem limites que lhe trouxe a fama. Ouça ainda uma faixa exclusiva do LP abaixo.

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Por que vocês acharam que as imagens cairiam tão bem com o LP?
Shawn: Logo de cara, trabalhar com esta continuidade da cultura marginal nova-iorquina era algo que fazia sentido pra mim. O que mais me atraiu visualmente foram as imagens que capturam o momento da balada em que as coisas começavam a dar errado, o momento em que a festa, a farra, virava pesadelo. Um momento multifacetado e complexo.

Ernie: Quis trabalhar com Shawn neste projeto após Avian ter entrado em contato comigo e pedido para que ouvisse sua música. Considerei seu trabalho bastante apropriado para as fotos — muitas tiradas entre 1989 e 1993, época em que as casas noturnas estavam na transição do acid e Chicago House rumo ao techno. Muito do que Shawn faz é techno, então pareceu bastante certo.

Você concorda com Shawn quando ele diz que estas fotos documentam o momento em que "a farra vira pesadelo"?
Ernie: Depende do que você chama de pesadelo, eu tenho uma tolerância bem alta pra isso. Concordo que as pessoas talvez estivessem meio aterrorizadas naquelas festas, especialmente no momento em que as fotos foram tiradas. Não era necessariamente o meu caso. Precisava de muito mais pra minha curtição virar terror. Como se pode ver nas fotos — coisa que Shawn fez, literalmente indo a minha casa e observando milhares delas — há vários níveis de gente curtindo, estando na merda, bêbadas, não-bêbadas, lindas, horríveis. As fotos captam aquele processo todo de chegar na boate lindo e maravilhoso, seguido da hora de ir embora, talvez já não tão bem assim.

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Você poderia nos falar mais sobre Alexis Dibiaso, autor das fotos?
Ernie: Éramos amigos. Tenho 54 anos e ele era provavelmente uns oito ou nove anos mais velho que eu e o vi pela noite. Notei que um homem mais velho estava por ali com uma câmera enorme, sempre nas nossas festas, tirando fotos nossas. Ele se destacava por ser mais velho que eu, que já era mais velho que muitos dos outros club kids, ele de cabelo grisalho e aparelho nos dentes, o que era incomum. Eventualmente fui conversar com ele e perguntei sobre as fotos e ele disse que gostava do nosso visual e que nos achava interessantes. A real é que gostávamos daquilo, posaríamos para qualquer um com uma câmera na mão, e assim ficamos amigos. Ao longo dos anos percebi que sua paixão era mesmo sair e bater fotos destas drags extravagantes e club kids, semanalmente, ao longo de anos. Ele tinha uma coleção gigantesca de fotos. Em algum momento, Alexis se mudou para Miami e me pediu para guardar muitas destas para evitar que a umidade as destruísse. E então as guardei. Ele faleceu pouco antes do lançamento de Fabulosity, então nunca pôde vê-lo. Sempre senti que suas fotos eram este imenso tesouro sociológico a ser compartilhado e o livro foi o primeiro passo nesse sentido.

O legal é que por mais que as imagens pareçam nostálgicas, não se trata de um disco nostálgico.
Shawn: Sinto que as fotos são bastante atemporais, é difícil determinar uma data para elas. Você olha para uma que parece ser de 82, outra de 93 e então mais uma que parece ter saído de 2047. Talvez "atemporal" não seja a palavra correta, mas é bem complicado dar uma data para elas. Elas são acronológicas.

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Muitas parecem do pessoal nas boates de Londres hoje, na verdade.
Ernie: Concordo. Não creio que "atemporal" seja a palavra errada. Caso você fosse nas boates de Nova York agora, veria gente assim. Há um quê de atemporal. E ao ouvir boa parte do material de Shawn no Soundcloud, podemos ver que há algo de alienante no techno, por ser tão mecânico e sintético. É um som que pode fazer você se sentir isolado, já que numa boate ouvindo aquilo você se fecha no seu mundo. Acredito que muitos dos retratados em Fabulosity são produto de isolação e alienação, só que pegaram isso e transformaram numa expressão extrema de si. Shawn: É. O papel das boates, sociologicamente falando, do Paradise Garage em diante, do Music Box, não é criar um espaço a partir dos marginais? Em que as pessoas que não são bem-vindas na vida normal são aceitas? Ernie: Com certeza é isso. O Paradise Garage certamente estava cheio de outsiders e gente que não se encaixava.

Qual a sua opinião sobre o conceito de casas noturnas enquanto espaços utópicos?
Ernie: Creio que sejam espaços utópicos e distópicos ao mesmo tempo. Todos temos uma certa bagagem ao entrar numa boate e grande parte dela se deve à distopia do exterior. Nunca as encarei como espaços utópicos ou em que todos são iguais, porque desde comecei a sair sempre vi uma espécie de hierarquia, como na sociedade comum. Sim, você é livre pra fazer o que bem entender, mas nunca vi aqueles lugares como paraísos igualitários. Apesar de que agora, em Nova York, há uma ênfase maior em igualdade e inclusão. Estamos mais próximos disso hoje do que no passado.

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Como você acha que será o futuro do club kid? Parece que as pessoas estão ficando cada vez menos tribais, o conceito perdurará?
Shawn: Com certeza as coisas estão menos tribais que antes. A música não parece estar ligada a pontos geográficos específicos como há cinco ou dez anos. Quanto mais há 20 anos ou mais. Isso dificulta na obtenção daquela sensação compartilhada de propósito e comunidade que motiva a criação destes mundos únicos, é mais complicado que estes se formem hoje. Mas sim, há elementos decadentes e hedonistas da vida noturna que seguem fundamentais para o ser humano, na minha opinião. Há aspectos disso que nunca morrerão.

Ernie: Concordo com Shawn. Algumas pessoas tem essa necessidade de extravagância que nunca sumirá. Por isso que em Londres, Nova York ou qualquer outra grande cidade do mundo, você acaba encontrando gente vestida de forma muito louca ou extravagante, porque existe essa necessidade básica em muitos. Não sei se somos menos tribais agora — acho que o conceito de tribalismo mudou. No passado era algo mais geográfico, hoje é mais estético, de certa forma. Você pode ser membro de uma tribo do outro lado do mundo por causa da internet. Você pode muito bem escolher só ouvir um tipo de música e viver apenas em torno de elementos de determinada cena, se assim quiser. Já na era pré-internet, não tinha como. Acho que as pessoas são bastante tribais ainda, talvez até mais que antes.

Fit for Purpose sai no dia 15 de maio via Avian Records.

Tradução: Thiago "Índio" Silva