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Música

Até a Beyoncé Transa o Passinho

O “Batalha do Passinho”, documentário dirigido pelo Emilio Domingos, vai estrear no Reino Unido.
Todas as imagens cedidas por Batalha do Passinho.

Em março de 2013, MC Bin Laden lançou sua resposta a um dos maiores hits underground do ano ("Passinho do Romano"), uma faixa chamada "Lança de Coco". A original, do MC Bruno IP – com uma pegada do oriente médio, um ritmo funkeado matador e uma dança frenética e estranha – se tornou o "Harlem Shake" do mundo lusófono. Ela foi replicada em centenas de vídeos do YouTube e até o Neymar criou a sua própria versão depois de ter destroçado a África do Sul por 5 a 0 junto com a Seleção Brasileira recentemente no país africano.

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"Lança de Coco", uma referência ao aromatizador de ambiente com que os brasileiros vêm se divertindo desde 1905, certamente tem um dos clipes mais estranhos do momento. Em uma sequência onírica à la Harmony Korine, o rapper está cercado por sua turma, todos usando máscaras de Shrek e de Guy Fawkes, dançando ao ritmo da música. Quando o beat é interrompido e um apito agudo soa, eles cobrem suas orelhas com as mãos para simular o efeito do lança-perfume (o famigerado "tuin"). "Lança de Coco" é uma bomba em uma cena que estava prestes a explodir.

Nunca se duvidou de que os brasileiros são loucos por danças, mas a mania conhecida como passinho reacendeu a chama entre as legiões de funkeiros: a garotada de todo o país que, nas palavras imortais de Biggie Smalls, "live for the funk and die for the funk" (vivem pelo funk e morrem pelo funk). Diplo e M.I.A. utilizaram o som em 2004 em Piracy Funds Terrorism, sua mixtape conjunta, o que fez com que o som ganhasse uma breve sobrevida nas capitais do mundo todo; classificado erroneamente nas bibliotecas do iTunes sob a categoria baile funk.

O passinho é apenas o capítulo mais recente na história de quase 40 anos do funk brasileiro. Ela começou nos anos 1970, quando DJs brasileiros com cabelos black power apresentaram a música de James Brown e Lyn Collins aos morros do Rio, e nos anos 1990 já havia se tornado um filho mutante do Miami booty bass. Mas foi mais ou menos no ano 2000 que uma nova variação rítmica chamada tamborzão – repleto de batidas percussivas brasileiras incomuns – começou a causar estragos nos bailes do Rio de Janeiro.

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Julio Ludemir, autor do livro "101 funks que você tem que ouvir antes de morrer", explica que foi um bandido do Comando Vermelho da favela do Jacarezinho, onde ocorria um enorme baile a céu aberto, que deu início à tendência. "Aquele soldado raso estava criando uma cena de verdade. Ele estava bêbado, provavelmente doidão, e queria chamar atenção. Ele sabia como dançar e começou a brincar e testar um novo passo."

Quando um dançarino chamado Beiçola gravou imagens de si mesmo e de seus amigos apresentando a dança em um churrasco em 2008, o vídeo viralizou da noite para o dia. Procure "passinho" no YouTube e você vai encontrar dezenas de milhares de vídeos caseiros pixelados gravados em celulares Nokia e editados com programas shareware. Eles mostram um fluxo quase constante de movimento, à medida que os dançarinos quicam como Bambis anfetaminados: eles vão até o chão, acrescentam movimentos de capoeira, jogam um pouco de kuduro e dão um toque de samba. Se foi nos bailes que a dança começou, foi no YouTube que ela brilhou mais forte.

Canais de YouTube de passinho como Diguinho Video e Tico Maneirinho apresentam os últimos estilos e novos talentos. Todos os dançarinos têm apelidos, mas suas medalhas de honra são os nomes das equipes cujos nomes são acrescentados aos seus. A elite dos bondes como Os Fantásticos, Os Dancy, MisterPassista, Os Perfects e Bonde do Passinho lembram as casas Xtravaganza, Prada e Dior da cena de ballroom dancing de Nova York.

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A cena finalmente saiu do movimento underground e se tornou um fenômeno nacional de verdade com as competições em formato de batalha para descobrir o melhor dançarino do Rio, chamada de "A Batalha do Passinho". Emilio Domingos, um dos juízes, começou a filmar os eventos, e isso rapidamente cresceu e se tornou um documentário em longa-metragem. Com a cara crua de Wild Style, o filme segue alguns dos melhores dançarinos da cena enquanto eles batalham pelo título de rei do passinho.

Alguns meses após o lançamento do filme, conheci muitos dos dançarinos em uma pequena batalha na comunidade do Chapéu Mangueira, onde foi filmado Orfeu Negro em 1959. Os dançarinos estavam todos lá: Cebolinha, um dos técnicos mais inovadores do circuito, Bolinho, com seu estilo sincopado, e Pablinho, usando uma camisa azul de um time de futebol e com o cabelo descolorido, como um Wesley Snipes brasileiro à época de Demolition Man. Jackson, o mais relaxado do grupo, estava rodeado por garotas na galeria. "O lance do passinho não é ser uma grande estrela, mas sim dançar, se curtir – e ter certeza de que as outras pessoas também estão se divertindo", ele me disse.

Apenas alguns meses depois, foi lançada a faixa que realmente fez a cena explodir: "Passinho do Volante", do MC Federado e Os Leleks. Esse grupo de Niterói, do outro lado da baía, que usava óculos sem lentes e camisetas Katharine Hamnett de fabricação própria, havia criado o hino mais marcante do ano com um refrão totalmente viciante. O vídeo bateu a marca das 40 milhões de views no YouTube e sua dança do volante conquistou o país. Neymar fez o passo em um treino. Beyoncé também o fez no Rock in Rio. Até mesmo Cara Delavigne fez a dancinha para a Vogue Brasil durante o carnaval deste ano.

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"Desde então o passinho não parou de crescer. A garotada aparece na TV toda hora, nos programas mais famosos do Brasil", explica Emilio Domingos. Quando a segunda "Batalha do Passinho" aconteceu em 2013, ela foi transmitida no Caldeirão do Huck e alguns dos melhores dançarinos acabaram integrando um grupo de música pop fabricado chamado The Dream Team, que desde então estrelou até um comercial da Coca-Cola. Foram curiosamente deixados de fora do dream team Michael Mister Passista, que ficou em segundo lugar apesar de ter dois braços deficientes, e Camilla Perfects, a lésbica não tão magra que chegou às semifinais. Mas eles não estão choramingando. Michael já foi convidado para aparecer no clip do superstar Menor da Chapa.

Depois, do nada, em 2013, após deter o controle do passinho por uma década, o Rio foi ofuscado por São Paulo com "Passinho do Romano". O criador do estilo, um dançarino chamado Magrão, que o trouxe para festas de funk na zona leste, morreu antes do fim do ano em um acidente de moto. Mas o vídeo logo começou a circular no YouTube com o nome "Passinho do Romano".

Ele se tornou uma febre nos bailes e gerou uma série de gravações com o ritmo de Romano, como "Não Quero Flash, Tô Com Vergonha" e "Lança de Coco", do MC Bin Laden, todas as danças dignas de Bogle, da Jamaica, também conhecido como Mr Wacky (RIP). O mais recente é o "Passinho do Faraó", outro lançamento definitivamente psicótico do MC Bin Laden. "O faraó saiu da tumba", então o refrão tem um tom mórbido, canalizando certamente o espírito de Ramsés III. Ao seu redor, um trio de moleques zumbificados faz um beatbox, acrescentando barulhos de macacos como efeitos sonoros. (Aliás, na semana passada lançamos o incrível remix que o Omulu e o DJ Comrade fizeram para a faixa).

O passinho certamente evoluiu bastante desde aquele primeiro vídeo ("Passinho Foda", de 2008) e os puristas cariocas como Cebolinha reclamam que São Paulo roubou o estilo de sua terra. Mas isso faz parte do jogo no Brasil: um país que transformou o Creative Commons de Lawrence Lessig em política pública desde 2004. Você pode ter certeza de que esse pequeno movimento – assim como o funk, seu irmão mais velho – vai continuar a se modificar e manter seus fãs em estado de alerta total.

Esta matéria foi publicada originalmente no THUMP do Reino Unido, onde o filme "Batalha do Passinho" estreia no dia 27 de maio. Assista ao trailer a seguir:

Tradução: Eduardo Sá