Mesmo com razão você pode estar errado, ou por que foi legal ir numa balada matinal
Caio Porto

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Música

Mesmo com razão você pode estar errado, ou por que foi legal ir numa balada matinal

Acordar às 6h pra conhecer a Wake parecia um tormento. Mas, na real, a morning rave paulistana se mostrou uma opção para deixar a vida menos desgraçada.

Perturbação mental é um negócio típico de cidade grande. Em São Paulo, por exemplo, 30% da população sofre com algum transtorno. Pelo menos é o que diz a pesquisa São Paulo Megacity Mental Health Survey, publicada em 2013 e que aponta a capital paulista como a cidade no mundo que mais sofre com transtornos mentais. Mas, não, você não está no site errado. Só estou tentando contextualizar os motivos que levariam alguém ir à uma balada matinal. Porque, bom, parece óbvio o que nos leva à noite, digamos, convencional. É na pista, sob o estrobo, que dançamos, somos aceitos do jeito que somos, nos divertimos e reverenciamos a alguns dos nossos heróis.

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Velas, patchouli no ar e algum deus hindú. Foto por Caio Porto

Mas, de novo, o que levaria você à uma balada matinal?

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O que me levou até lá foi uma pauta, e o que ficou martelando na minha cabeça depois da experiência é que o mesmo que nos leva ao analista nos leva à uma sessão de yoga seguida de DJ set numa manhã fria em plena quarta-feira. Sim, porque ainda segundo a São Paulo Megacity Mental Health Survey, boa parte das pessoas que vivem na capital paulista sofrem de ansiedade. Então nada mais natural do que encarar um "evento alternativo" com "gastronomia saudável" como forma de tentar viver uma vida melhor.

Pode parecer que estão se espreguiçando, mas é uma saudação. Foto por Caio Porto

E lá fui eu. 7h30 da manhã da última quarta (18) chegava à Wake, a autoproclamada balada matinal. Depois de praguejar impropérios por levantar tão cedo da cama em nome do jornalismo (e do meu emprego), me surpreendi ao ver que muito mais gente do que eu esperava acabou colando no evento. Um evento, aliás, cujos ingressos vendidos a R$ 60 foram revertidos para ONGs. Foi ali que comecei a tentar entender a motivação de tanta gente com Japamala (o terço budista) no pescoço.

Você acha que não dá nada, até que você começa a se sentir bem. Foto por Caio Porto

Peguei emprestado um tapete para fazer yoga enquanto uma moça bonita, microfone em punho, nos convidava (com um sotaque que parecia de uma gringa naturalizada brasileira) a sentar em posição confortável. A yoga ia começar. Enquanto a instrutora nos mostrava o caminho pra um pouco de autoconhecimento via yoga, num expira, inspira, mantras e posições, ela nos explicava os preceitos da festa. A Wake, como o próprio nome diz, é sobre despertar. A balada matinal aconteceu numa quarta (e não num sábado) para treinar nossa capacidade de fazer do ordinário e habitual algo fora do comum, extraordinário. Estávamos ali, cedo, no frio, de baixo de garoa, para despertamos algo que gostaríamos dentro de nós mesmos.

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Mãos espalmadas no peito em sinal de oração, olhos fechados, tive o que você poderia chamar de iluminação, mas foi só um pensamento que eu julguei mais acertado mesmo.

Estava muito claro na minha cabeça de jornalista à procura de respostas para todas as coisas o que as pessoas faziam alí. Todos ansiosos, eles tinham yoga e comida orgânica enquanto eu tinha analista e continuava com um corpo sedentário. Começando a yoga, posição do cachorro, o cheiro do incenso de patchouli me iritava e eu só conseguia pensar que tudo se tratava de mais uma forma mirabolante do capitalismo se apropriar da cultura budista e transformar os preceitos hindús em um belo discurso motivacional para você conseguir vencer suas inseguranças e ir mais longe — na empresa onde trabalha, por exemplo.

Agradecendo ao universo, esquema #gratidão. Foto por Caio Porto

A instrutora nos falava para fazer outra posição, fechar os olhos, ter humildade, agradecer ao universo e pensar no que queríamos despertar dentro de nós. O papo do despertar — que gerou em mim uma desconfiança imediata — foi também o que me fez pensar, sinceramente, que eu me esforçava demais pra entender por que todos estavam errados — e eu não.

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Mãos espalmadas no peito em sinal de oração, olhos fechados, tive o que você poderia chamar de iluminação, mas foi só um pensamento que eu julguei mais acertado mesmo. Acordei pro fato de que (pelo menos) naquele dia eu queria deixar toda a ironia e o cinismo do sabe-de-tudo de lado, e tentar embarcar numa coisa que claramente não iria me fazer mal. E foi ali, naquela hora, que entendi aquele mantra de sabedoria de que mesmo com razão você pode estar errado.

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Comece a dançar, dançando. Foto Caio Porto

As pessoas vão continuar sendo ansiosas por mil motivos. Alguns, como eu, continuarão indo à análise, outros irão usar drogas, outros, sei lá, vão fazer yoga e dançar uma hora de música eletrônica antes de ir trabalhar — e continuar ansiosos ad infinitum.

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Então tentei fazer o resto dos movimentos da yoga — embora não tenha conseguido o movimento do avião (justamente o que traz confiança e criatividade, vai vendo) — e me senti bem. Eram 8h da manhã, eu já não tinha mais sono, o frio tinha passado e eu parecia bem mais disposta que todos os outros dias do ano em que acordar costuma ser uma atividade difícil.

Suco orgânico e uma dancinha. Foto por Caio Porto

Peguei um suco orgânico, enquanto Junior C — DJ que faz parte do casting do D.O.C do Gui Boratto — se juntou ao Lourenço Bustani, um dos nomes à frente da festa, e fizeram um set a quatro mãos que, pra ser absolutamente sincera, foi astral. Cheio de remixes de sons hindus, baladinhas motivacionais e até um Tropkillaz perdido no meio, o setlist da dupla AINY foi agradável (e eu tô falando sério e sem ironia porque eu pensei que uma balada matinal podia ser qualquer coisa, menos boa).

Importaram umas moças do Tomorrowland. Brinks. Foto por Caio Porto

Entre garrafinhas de suco e sneaks de quinua, trombamos garotas fantasiadas de personagens místicos e foi bem fácil começar a dançar. Não importava que alí estavam vários representantes da classe mais rica/Jardins de São Paulo gastando tempo e um pouco de dinheiro em busca de palavras motivacionais e fazendo sua boa ação do dia. Sem carão, todo mundo vestido com pijama de yoga — fora a turma que tem look do dia até pra se esticar no tapetinho — eu peguei um bambolê e fiquei bem de boa dançando junto com uma menininha que logo aprendeu a rodar o arco na cintura.

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Junto do set do AINY, dois instrumentistas se revesavam em instrumentos de percussão indianos. Em volta, as garotas fantasiadas tiravam sons de uma concha e de um berrante. Tudo meio hippie, meio bem produzido demais, com aquele insistente cheiro de patchouli que me irritava (devia ser um dos sinais do cinismo relutando em ir embora), mas ainda na esteira do meu momento de iluminação, percebi que aquilo era bom e eu devia andar mesmo muito sedentária que uma hora de atenção dedicada ao meu flácido corpinho foi suficiente pra me deixar uns 200% mais disposta e feliz.

GRATIDÃO. Foto por Caio Porto

Mais cedo, no momento em que vislumbrei meu despertar do dia contra o cinismo, fiquei pensando que a balada matinal não era diferente de outras terapias, divãs e demais saídas a que nos submetemos em busca de desafogar a cabeça dos problemas, melhorar a autoestima e se lembrar que as coisas boas e ruins estão dentro de nós mesmos. Muita gente faz o mesmo suando na pista, enchendo a cara do que quiser, naquele dia deu pra resolver boa parte das angústias se esticando no tapetinho e deixando a vida seguir.

A WAKE foi astral total:

Junior C. Foto por Caio Porto

Tinha todo um misticismo. Foto por Caio Porto

Never stop the gratidão. Foto por Caio Porto

Bamboleia. Foto por Caio Porto

Sincronizado. Foto por Caio Porto

Balada inclusiva. Foto por Caio Porto

Tá poko de bambolê, manda mais. Foto por Caio Porto

"Maim, eu só queria dormir". Foto por Caio Porto

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