Para Caribou, a música é um playground de ideias
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Música

Para Caribou, a música é um playground de ideias

O canadense Dan Snaith conta como lidou com o sucesso inesperado de 'Our Love' antes do show da banda em São Paulo, na quarta (22).

O canadense Daniel Snaith era mestrando em matemática quando seu primeiro álbum, Start Breaking My Heart, foi lançado em 2001: uma série de faixas ambient/pop de instrumentação simples, "música eletrônica de quarto", como definido por ele. A imagem do artista que, à epoca, respondia por Manitoba (Snaith mudou o nome da banda após ser processado pelo ex-The Dictators Richard Manitoba, o que ele descreveu como "se o The Smiths estivessem processando John Smith") compondo calculada e solitariamente se opõe diretamente à do Caribou tocando "Can't Do Without You" para milhares no palco do O2 Academy Brixton em Londres, em 2015.

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O caminho pavimentado desde Swim (2010) foi percorrido pelo Caribou depois do lançamento de Our Love, em 2014, álbum dedicado à família de Snaith. A turnê extensa para divulgar o álbum chegou à Eslovênia, Taiwan e Grécia e acabou ano passado; o quarteto formado por Dan para acompanhá-lo ao vivo faz apenas três shows esse ano, no Brasil e Colômbia. Pelo telefone, o produtor me contou como reagiu ao sucesso repentino do Caribou e como é levar faixas produzidas em momentos íntimos ao palco.

Como foi o show de vocês aqui em 2010?
Nos divertimos muito. Eu nunca tinha ido ao Brasil e só ficamos um ou dois dias no país, mas o show foi ótimo, nos divertimos muito enquanto estivemos aí.

Então você está ansioso para voltar?
Sim, muito. Na verdade, nós não tocaremos em nenhum outro lugar esse ano além de São Paulo e mais dois shows na Colômbia. Não vamos fazer shows em nenhum outro lugar no mundo, e a única razão pela qual faremos esses shows é porque não tivemos a chance de ir à América do Sul com esse último álbum. E pensamos, bom, temos que fazer isso antes que eu volte a ser um ermitão para trabalhar no disco novo.

Our Love foi muito bem recebido, pelos fãs e pela crítica. Ele abriu novas portas pro Caribou?
Com certeza! O álbum antes dele, Swim, também fez isso até um certo ponto – e um ponto que eu nunca esperava. Depois, o Our Love mudou as coisas dramaticamente de novo. Até os lugares em que tocávamos mudou, começamos a tocar em palcos de grandes festivais. Já estávamos viajando para países de todo o mundo, mas o álbum mudou visivelmente o público com quem nos conectamos. Estávamos tocando para uma plateia grande e, quando começávamos a tocar "Can't Do Without You", todo mundo comemorava. É algo que eu nunca esperei que acontecesse. Eu nunca achei que minha música fosse ficar popular como Our Love ficou.

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Por que não?
Bom, primeiro porque eu comecei a fazer música sem vocais. Quando eu comecei, eu fazia só música instrumental, e foi só muito gradualmente que eu me acostumei com a ideia de que eu queria cantar nos meus discos. E segundo porque boa parte da música que eu amo – não dizendo que eu não gosto de música pop, mas eu gosto de muitos discos que são esquecidos, ou "clássicos cult". E eu também nunca me comprometi ou fiz alguma decisão com a intenção de tornar minha música mais acessível a um público mais amplo. Meu primeiro álbum [Start Breaking My Heart] foi lançado em 2001, e desde então eu tenho feito música do jeito que eu quero fazer. Então, foi um sentimento maravilhoso perceber que eu podia continuar fazendo isso, e as coisas se desdobrariam de um jeito maraviloso.

Você acha que seu som mudou muito ao longo dos anos?
Com certeza. Bom, ele mudou e não mudou. Ouvindo hoje – na verdade, eu não ouço essas músicas hoje [risos], mas se um dia eu escutasse os meus primeiros discos, eles com certeza soariam muito diferente. Eles não são no formato canção, não têm vocais, são influenciados por coisas diferentes. É uma coisa mais "música eletrônica feita no meu quarto". Mas se eu prestar atenção na instrumentação, nas harpas e flautas, eu ainda trabalho com elas. A faixa "Mars", do Our Love, por exemplo, podia estar no meu primeiro álbum e não estaria deslocada. Mas algumas das outras músicas, como "Can't Do Without You", não caberiam nele. É interessante como algumas coisas mudaram, mas outras não mudaram nada.

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E as suas técnicas de produção/composição, como mudaram?
Uma coisa que não mudou nada é que eu não consigo – eu queria poder, tipo, só sair com os meus amigos, ou ir ao parque, ou fazer qualquer coisa que eu quisesse e, de repente, ter uma ideia, gravar a melodia no meu celular, voltar ao estúdio para gravar a música e o resultado ser fantástico. Isso é algo que eu não consigo fazer de jeito nenhum. A única coisa que funciona pra mim é compôr o tempo todo. E grande parte do que eu componho não tem a menor graça pra mim, não é muito bom. Daí, de repente, sai alguma coisa. Parece quase que foi sem querer quando eu faço algo que gosto muito. A coisa é que, uma vez que eu tenho uma ideia básica de como eu quero uma faixa, eu melhorei em pegar aquilo, desenvolver, saber que instrumentos eu quero usar, que som eu quero tirar daqueles instrumentos, e fazê-los soar bem, de um ponto de vista da engenharia sonora. Eu melhorei nessas coisas. Mas, de alguma maneira, às vezes eu sento pra fazer música e penso, "voltei à estaca zero".

Como é pegar faixas que você produziu sozinho, num momento íntimo, e levá-las ao palco, com uma banda?
Nas primeiras vezes que fizemos, dez anos atrás, foi bem estranho. Mas acho que isso é mais comum hoje em dia. Começar com uma coisa solo, de estúdio e levar isso a um palco exige muita interação com as pessoas com quem você está tocando. Isso é crucial. Nós não estamos apenas recriando exatamente o que está no disco. Eu acho que o que ajuda é que nós já fizemos isso muitas vezes. A outra coisa importante é que não sou só eu e um bando de músicos contratados que podiam ser músicos diferentes toda semana, é uma banda que não mudou na última década. Nós nos conhecemos muito bem, e conhecemos o jeito de tocar um do outro muito bem, e sabemos um o que o outro gosta muito bem. E nós dependemos muito disso e usamos muito isso quando tocamos juntos – assim como qualquer outra banda. Essa é a ideia. Conhecermos uns aos outros musicalmente, e saber como essas pessoas pensam e interpretam a música. Outra coisa que eu preciso dizer é que, quando eu estava gravando "Can't Do Without You", por exemplo, eu pensei imediatamente "essa é uma música tão festival de verão com o sol se pondo. Vai ser tão divertido tocá-la ao vivo!" Então eu acho que tem momentos no estúdio em que eu penso em como aquelas faixas vão funcionar quando eu tocá-las ao vivo, especialmente após a turnê do álbum anterior, em que percebemos como as músicas se desenvolvem e ficam mais e mais longas. E tem algumas músicas que nunca vão funcionar [ao vivo], e eu não preciso que elas funcionem.

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Você é PhD em matemática, certo? Isso afeta sua relação com a música?
Eu parei de estudar matemática há 10 anos, então as pessoas devem achar que eu fico calculando coisas e tenho fórmulas para fazer músicas, mas esse não é mais o caso. Eu mal me lembro dessa parte matemática da minha vida, o que é engraçado, porque foi uma grande fase. O que não mudou são as partes fundamentais da minha personalidade, e foi isso que me atraiu para a matemática e para a música quando eu era criança. Eu sempre amei as duas. O que eu amo na matemática – e às vezes isso é difícil de explicar pras pessoas, porque todo mundo que aprendeu matemática na escola achou muito chato memorizar tabuadas ou qualquer coisa assim, e isso é engraçado, porque é o oposto do que a matemática realmente é. Matemática se torna uma coisa criativa e maravilhosa, e é puramente abstrata – é isso que eu sempre gostei nela. Eu gosto mais do que de outras ciências porque elas encaixam ideias no mundo real, e a matemática é apenas um playground de ideais puramente mentais. É muito elegante. E eu acho que isso também é parte do que eu amo sobre música. Música tem um efeito tangível nas pessoas – e essa é a coisa mais maravilhosa sobre ela, obviamente, como ela nos faz sentir. Mas ela também é um espaço estranho, meio etéreo. Principalmente fazer música, quando situando partes de uma faixa num espaço imaginário que você está criando. Pra mim, isso dá a mesma sensação de um playground, algo para brincar com ideias e desfrutar. Eu acho que é por isso que eu sempre amei essas duas coisas.

Você está trabalhando em novas músicas, ou pretende lançar algo num futuro próximo?
Eu estou trabalhando numas coisas do Daphni [projeto paralelo de Snaith], que é mais dance music, e eu acho que essas faixas serão lançadas num futuro próximo. Estão quase prontas. Daí assim que eu voltar da turnê na América do Sul, devo começar um processo bem gradual de começar a fazer um novo disco do Caribou. Eu gravei algumas pequenas ideias de faixas, e não sei se vou usá-las ou descartá-las e começar algo novo. Então, eu vou voltar a trabalhar nesses pedaços, ver se eu consigo desenvolvê-los e começar seriamente no disco do Caribou. Ele deve sair em um ou dois anos, eu acho.

Popload Gig com Caribou
22/03, às 21h, no Cine Joia
Ingressos: R$120 a R$350