Como o Veredito de “Blurred Lines” Pode Afetar a Questão dos Direitos Autorais na Dance Music
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Música

Como o Veredito de “Blurred Lines” Pode Afetar a Questão dos Direitos Autorais na Dance Music

A decisão judicial que fez Pharell pagar mais de sete milhões de dólares à família de Marvin Gaye pode abrir precedentes para casos de copyright que levam em consideração a estrutura musical de uma canção e não apenas a sua composição.

Em março de 2015, a família de Marvin Gaye ganhou uma causa de U$7.4 milhões contra Pharell Williams e Robin Thicke por violação de direitos autorais. O processo alegava que o sucesso do jurado do The Voice, "Blurred Lines", que passou doze semanas como número um na Billboard nos EUA, era uma cópia barata da faixa de 1977 de Gaye "Got To Give It Up".

O caso deveria focar na composição, como apresentada em partitura, de "Got To Give It Up", mas como alguns comentaristas contestaram, o veredito parecia, no entanto, baseado em como as músicas soavam lado a lado. Diversos elementos, da linha de baixo à percussão, ou até a "vibe de festa", como a Slate colocou, contribuíram para a similaridade entre as duas faixas.

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O veredito foi responsável, talvez não intencionalmente, por mudar a interpretação do direito autoral da música para além da sua composição — o direito autoral foi estabelecido a partir de como o som das duas canções pareciam entre si. A decisão, portanto, coloca um problema interessante para produtores de música eletrônica cujas intenções são costumeiramente a de criar características sônicas intencionais entre sons diferentes.

Com as linhas de baixo modulado do Tchami tornando o produtor francês o verdadeiro criador do #future house, ou Skrillex definindo-se musicalmente a partir de suas oscilações únicas e brutais em Scary Monsters and Nice Sprites, o quanto esses artistas podem legalmente estar seguros a ponto de ter seus sons protegidos de um dilúvio de imitadores?

Leia: O Tchami Não Teme a Diluição do Future House.

O THUMP falou com o advogado especializado em direitos autorais Ben Challis, que já escreveu anteriormente sobre o caso e atualmente serve como produtor executivo para televisão e conselheiro do Glastonbury Music Festival, para discutir sobre futuras implicações do caso "Blurred Lines" na música eletrônica.

THUMP: Sucintamente, você poderia nos dar sua opinião sobre o veredito de "Blurred Lines"?

Ben Challis: Minha opinião pessoal é que o jurí entendeu errado. É uma área bem nebulosa e todos fizeram aquelas piadas ruins sobre "Blurred Lines" [linhas borradas em inglês], mas é uma área bem cinza e os juízes sempre tiveram problema em definir o que é inspiração e o que é apropriação. Sim, as duas gravações soam bem parecidas, mas o caso todo é sobre a canção, e na minha opinião pessoal as canções não são similares. Se o caso tivesse sido levantado pela companhia detentora da gravação da música, eu poderia ter apoiado a decisão.

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Ainda sobre o caso, você escreveu: "No pré-julgamento o juíz de distrito Americano impediu que o advogado de Gaye tocasse as duas gravações lado a lado, notando que era a composição representada pela partitura — não a gravação de audio — que estava no centro do caso". O que você tem a dizer sobre isso?

Cabe ao juri, não ao juíz, decidir qual prova eles preferem apresentar — e claro que os advogados escolherão as provas que apresentam maior eficácia de cada um dos lados. Minha suspeita pessoal é que, no fundo da mente do juri, o tempo todo estava o som da gravação, quando o caso foi julgado levando-se em consideração a canção.

O caso "Blurred Lines" abre precedente para uma ação legal que leva em conta algo diferente da composição?

Bem, não deveria porque não deveria ser [um julgamento] sobre estilo — deveria ser sobre composição, mas imagino que na verdade isso é exatamente o que aconteceu. O caso abriu os olhos dos músicos para o conceito que enquanto alguém pode não ter copiado toda a sua canção, ainda que outra faixa soe muito similar e você pode provar que um terceiro tenha usado elementos o bastante similares à sua canção.

Leia: Finalmente o "Happy Birthday To You" se Livrou das Garras do Copyright.

Na música eletrônica, nós temos artistas cujas composições não são exatamente originais mas, por meio do design sonoro, fazem do som algo único. O Skrillex, por exemplo, apareceu com o seu pitch guinchado que virou sua assinatura e então todo mundo começou a usá-lo. Nós podemos dar um salto lógico que um som específico poderia virar parte de um estilo individual, tornando-o um direito autoral?

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Faz total sentido, e é uma pergunta extremamente boa. Não existe proteção na lei de direitos autorais britânica que proteja sons dessa forma até que ela se torne uma gravação sonora. Então, atualmente, o som de um guinhcado não é, digamos, protegível dentro da lei de direitos autorais britânica, isso porque não existe definição para protegê-lo. Embora a lei de direitos autorais evolua com o tempo, tanto pelo processo dos juízes ou no caso da Câmara dos Deputados ou parlamento mudando a lei. No momento, você teria dificuldades [em pedir direitos autorais de um som como esse]. A não ser que outro artista tenha sampleado o que você criou, não há muito a fazer a respeito. O que costumamos dizer é da melodia protegida ou, é claro, as letras. O som em si, um som único, não cairia dentro dessa definição de uma melodia musical. Mas, quando as coisas evoluírem, isso vai mudar.

Qual a diferença entre um músico da eletrônica ouvir outra faixa e dizer "eu quero fazer esse som", e Pharell Williams dizendo "eu realmente gosto dessa qualidade sônica, esse som que o Marvin Gaye tinha". Em ambos os casos você está tentando replicar uma qualidade específica, um som específico, correto?

Correto. Eu não acho que tenha alguma diferença entre o que você está dizendo ou na pergunta que você está fazendo. É a mesma questão e é claro, de novo, que você pode ser influenciado por alguém, você pode ser inspirado por alguém, isso é ok em termos legais. O que você não pode fazer é se apropriar do trabalho de alguém e copiar aquele trabalho, ou pelo menos copiar uma parte substancial daquele trabalho.

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Para mim, essa questão passa pelo sample. Nos anos oitenta e noventa, isso foi quando o problema realmente apareceu e agora parece que todo mundo está assustado de fazer algo ou preparado para pagar por isso.

Sim, exatamente — ou ainda disposto a correr o risco e não ser pego.

Leia: 2014 Foi um Ano Bosta para as Leis de Direitos Autorais, a Privacidade e a Neutralidade na Rede.

O que você acha dos direitos autorais de música hoje em dia — especificamente em relação à música eletrônica? Com a habilidade de alguns produtores em criar um som específico , um estilo próprio, você acredita que isso possa virar direito autoral no futuro?

Com alguma dificuldade. Eu acho que o argumento contra é que a lei que tange o sample é muito restrita e, na verdade, deve ter uma evolução cultural porque as pessoas que estão produzindo rap e hip-hop não acham que estão copiando. Eles acham que estão usando gravações de sons pré existentes como elementos e estão usando suas próprias habilidades como uma ferramenta para criar música nova.

Eu sou um advogado de direitos autorais, sou um advogado de propriedade intelectual… mas eu entendo. Muitos dos meus alunos dizem "a lei está errada. Eu não estou roubando isso. Estou pegando clips bem curtos e criando algo completamente novo". Agora se o direito autoral irá se expandir para incorporar sons e sentimentos, eu duvido muito. Eu posso ver que alguém que cria algo original pode achar ser um trabalho, não está coberto como trabalho nos sistemas de direitos autorais no momento. Vai mudar? Eu duvido. Eu não vejo ninguém tentando implementar essa mudança.

Você pode ler mais do que Ben tem a dizer em seu blog sobre direito.

Tradução: Pedro Moreira