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Música

DJ Marfox, português chavoso tipo exportação

O produtor lisboeta de 27 anos continua levando a tarraxinha do subúrbio português para o mundo — agora com o seu novo EP, ‘Chapa Quente’.

Photography by Marta Pina.

Fotos: Marta Pina

Era agosto de 2014, e o DJ Marfox, cujo nome verdadeiro é Marlon Silva, estava a milhares de quilômetros de casa. O produtor português se apresentava no Queens, em Nova York, na série de shows de verão Warm Up, do MoMA PS1. Silva já tinha conquistado a fama na Europa, mas não sabia ao certo como a sua frenética batida — uma música eletrônica afro-portuguesa acelerada, surgida dos subúrbios repletos de imigrantes de Lisboa — seria recebida pelas plateias norte-americanas. Ele ficou surpreso em descobrir que a sua reputação o precedia.

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"As pessoas vinham até mim dizendo coisas como: 'Cara, conheço o seu som, tenho as suas MP3', ele me conta via uma ligação entrecortada no Skype, da sua casa em Quinto do Mocho, em Lisboa. Marlon, hoje com 27 anos, está falando em português — a nossa conversa é traduzida pelo seu empresário, André Ferreira — mas a personalidade exuberante do DJ brilha, transpondo a barreira da língua. Você pode ouvi-la no entusiasmo na sua voz quando ele descreve o momento em que sabe que acertou uma faixa: "Tenho uma noção quando uma música vai ser um sucesso imediato", ele diz, sorrindo de orelha a orelha. "É um sentimento lindo."

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No início dos anos 2000, Marlon, adolescente na época, viu o artista de tarraxinha DJ Nervoso tocando numa festa e decidiu tentar produzir faixas. "Experimentei pela primeira vez uma verdadeira sincronia entre a música e as pessoas na pista, em comunhão e integração total", ele diz, lembrando-se da habilidade de Nervoso com o gênero angolano de percussão acentuada. "Se não tivesse testemunhado isso, talvez não estivéssemos aqui hoje."

Silva cresceu em uma família de 12 irmãos, em Quinta da Vitória, um dos bairros mais pobres do subúrbio de Lisboa. A mãe era confeiteira, e o pai, apontador — como são chamados os pedreiros por lá. Os dois imigraram da Ilha do Príncipe, na costa leste da África. Embora a família tivesse uma vida humilde, o produtor diz que seus pais o encorajaram criativamente desde muito cedo. Quando era criança, via o pai e o primo mais velho organizarem festas na rua, nas quais mais tarde tocaria diante de uma plateia de vizinhos e amigos, misturando o semba e o kizomba luso-africanos com qualquer música ocidental que estivesse fazendo sucesso na época. Frequentemente, equipes competitivas de dança apareciam, então quanto mais alto o BPM, melhor.

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Marlon adotou o pseudônimo DJ Marfox (uma referência ao seu jogo de tiro preferido do Nintendo 64, Star Fox 64), aprendeu a mexer no FruityLoops e juntou forças com os colegas de de escola DJ Fofuxo e DJ Pausas, que na época faziam mixes para um grupo de dança local, o Máquinas do Kuduro. Unidos sob o nome DJs do Ghetto, o trio começou a organizar festas em lugares improvisados pela cidade, e depois lançou uma compilação autointitulada em 2006, com outros artistas da cidade. A maioria vinha da classe trabalhadora, usava software barato e acessível e fazia sua própria versão da batida afro-portuguesa, que embora seja homônima a "batida" que conhecemos, tem um significado mais de "a batida da minha crew". "Na mesma rua, você pode ter dois ou três produtores diferentes, e cada um deles tem sua própria identidade", explica Marlon. "Eles gostam de ser diferentes uns dos outros."

"Na mesma rua, você pode ter dois ou três produtoresdiferentes, e cada um deles tem sua própria identidade", explica Marlon."Eles gostam de ser diferentes uns dos outros." —DJ Marfox

Os beats intrincados de Marfox, produzidos de forma amadora e disponibilizados no YouTube e em programas de compartilhamento de arquivos hoje esquecidos, como o eMule, logo renderam a ele um culto de seguidores suficiente para levá-lo a tocar sem parar em shows e festivais ao redor do país e da Europa. O seu EP de estreia, Eu Sei Quem Sou, gravado pelo selo independente lisboeta Principe Discos, era um híbrido autoconfiante dos estilos anglo-portugueses com o house o techno; o título, portanto, parece mais do que apropriado. Uma série de outros lançamentos se seguiu, incluindo o explosivo EP Lucky Punch, de 2014, pelo selo nova-iorquino Lit City Trax, do J-Cush, e remixes para queridinhos do indie, como o Panda Bear, do Animal Collective, e a tUnE-yArDs (com o trio de rap brasileiro Pearls Negras).

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No seu último EP, Chapa Quente, lançado em abril deste ano, Marlon não só volta ao Principe Discos, mas à música que foi a trilha-sonora da sua juventude. Da melodia de flauta que permeia "2685" à bateria estridente de "Unsound", o EP se inspira nos polirrítmicos quizomba e kuduro africanos, na música folclórica indiana e na coleção do seu pai de jazz ocidental e pop brasileiro. É uma miríade de influências que evocam o caldeirão cultural onde ele cresceu, com a adição das explosões de metais e a dissonância sci-fi que são a cara dele — toques para mexer com a sua atenção que o produtor chama de "ganchos de esquerda".

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"Para mim, a qualidade mais importante desta música é que ela me permite beber de outras fontes sonoras e integrar o que quero a ela", ele diz. "Você pode ser influenciado e se basear em outros tipos de música e usar o que acha adequado. Acho que essa é a qualidade mais fantástica e admirável."

Nos últimos anos, Marlon emergiu como um embaixador não-oficial de uma cena que vem crescendo no underground português há quase uma década, mas apenas recentemente parece ter começado a fazer sucesso internacional. No ano passado, a Warp Records lançou a série Cargaa ("cargaa" é uma gíria para "pesadooooo"), um trio de compilações apresentando uma seleção diversa de produtores portugueses em ascensão, incluindo o pupilo de Marfox, DJ Nigga Fox, cuja adoção do sufixo "Fox" é uma referência clara e direta à influência de Marlon; o colega lisboeta DJ Firmeza, que recentemente apareceu em uma edição londrina do Boiler Room; e Nidia Minaj, nascida em Portugal, que hoje vive em Bordeaux, e cujo apelido é uma referência à sua estrela de hip-hop americana favorita.

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Embora esteja contente que a batida tenha achado público fora das fronteiras dos bairros, Marlon insiste que pouca coisa mudou em Quinto do Mocho, o bairro proeminentemente de classe trabalhadora e pobre, com aproximadamente cinco mil habitantes, que ele chama de lar. "As pessoas aqui parecem viver em seu próprio universo em termos de vida cotidiana", diz. O isolamento se estende aos artistas de Lisboa, o que talvez explique por que a música de Marfox e companhia tenha conservado uma abstração e aridez que a impede de ser replicada por gente de fora.

"Acho tem um lado político nisso, porque estamos falando de uma minoria de artistas que tem poucos recursos, mas por acaso tem alcance internacional, por causa da música fantástica que eles fazem", diz Marlon. "Este tipo de música só poderia acontecer aqui."

Max Mertens é editor do THUMP Canadá. Siga-o no Twitter.

Tradução: Fernanda Botta

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