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Música

Ruído, Interferência e a Morte do "Artista" na Exposição Visual-Sonora 'Vapor'

Neste domingo (17), rola no Espaço S/A, em São Paulo, a primeira edição da festa-expo, com curadoria do Aural Ars e trilha sonora do Akin.
Andy Warhol Museum

Em julho de 1985, quase trinta anos atrás, Andy Warhol participou do lançamento do então revolucionário microcomputador Amiga 1000 no Lincoln Center em Nova York, fazendo um retrato digital de Debbie Harry, mais conhecida como "A Blondie" da banda de punk rock, new wave, reggae, hip hop, etc. Blondie. Embora tivesse toda a cara de mero jogo publicitário, e era, a relação de Warhol com seu computer Amiga não parou por aí. Foram reveladas, no ano passado, algumas imagens digitais feitas por Warhol em seu computador pessoal, resgatadas de velhos disquetes do acervo do artista no museu que leva seu nome. Tipo isso:

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Foto: Andy Warhol Museum

O que podemos ver nessa figura digital, além da composição baseada no retrato de Warhol e os padrões coloridos que provavelmente vinham com o software desse histórico artefato da multimídia? O que mais me chamou atenção não foi seu estilo, bem reconhecível dentro do trabalho de Warhol, mas abaixo, na esquerda, tomando grande parte da figura, a própria assinatura de Andy Warhol.

O homem se tornou mais do que um artista de sua época, ele virou uma marca. Para fazer a lista de supermercado eu uso um bloquinho de notas que tem seu rosto, parte de uma série de auto-retratos, com frases de efeito proferidas pelo artista. Grande parte do legado de Warhol é sua auto-imagem, o culto e mito da figura do artista, geralmente acima da própria obra. Não é o que vamos ver na exposição curada por Aural Ars, que compõe a festa VAPOR, organizada pelo Akin, que também é o responsável pela parte musical da empreitada. Apesar de se basear em imagens produzidas em computadores, como nos experimentos de Warhol na década de 80, diferentemente do que a imagem do vovô do Pop Art sugere, a exposição não é voltada ao culto do artista.

Quando conheci o Aural eu trabalhava na galeria de arte que o representava. Ele era então Emerson Pingarilho, um artista plástico. Em suas grandes pinturas de acrílica sobre tela ele mostrava estranhas construções geométricas — como grandes fortalezas black metal sobrevoando campos áridos. Seu trabalho me remetia ao mesmo tempo à atmosfera misteriosa e rarefeita de Giorgio de Chirico e a geometria das vanguardas russas da década de 1920, como o construtivismo de Vladimir Tatlin e o suprematismo de Kazimir Malevich. Pingarilho era um artista que estava dentro da história da arte, como quase todos hoje em dia, tanto que eu acabei de usar um recurso muito comum, e bem cretino, de tentar descrever a obra de alguém por meio da comparação dela com artistas consagrados, que podem ou não ter alguma coisa a ver com elas. Geralmente não tem.

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Por Eduardo Taborda.

Como um jovem artista em criação, Pingarilho tinha um crescente corpo de obra, onde se podia mais ou menos saber o que esperar. Hoje em dia atendendo por Aural, ele deixou isso para trás. "Hoje, 100% das relações que tenho com arte são pela web", explicita. E foi pela internet que ele conheceu o trabalho dos artistas que convidou para o evento desse fim de semana. "Eu primeiro observei alguns artistas, vi como eles se comportavam e o que saía do trabalho deles. Vi que se encaixavam com minha pesquisa curatorial, e como eram próximos, era fácil dialogar com eles. Também por serem artistas ainda sem galeria, a.k.a. ainda sem a interferência do status 'galeria' e 'feira'". Sobre a própria produção de Aural? "Meu trabalho mesmo virou isso, por um momento era fácil identificar o que eu fazia, gerava expectativa, mas eu sempre detestei isso. Não me agrada o fato de ter que fazer algo igual porque 'criei uma linha', tipo fordismo."

Aural Ars.

Vendo o nome do evento é fácil ligar de pronto a produção visual que será exposta com o movimento vaporwave, criado aqui mesmo na internet no começo dessa década, mas Aural chama atenção para a demarcação entre as coisas. Ao ser questionado se era uma exposição de vaporwave, Aural definiu: "O vaporwave em si é musical. As obras tem a ver com o que está rolando em New Media. O fato delas se parecerem e estarem juntas é justamente por serem 'contemporâneas' mesmo". E segue: "as obras em New Media são muito vastas e diferenciadas em algumas instâncias, de certo se parecem em alguns detalhes: nostalgia, arqueologia digital, anos 90". O nome New Media pode remeter a duas coisas que não são o que esse estilo pretende, embora participe desses dois processos, as mídias sociais e novas técnicas de produção visual. Pense nas ondas visuais que surgiram do caldo primordial da internet desde o final da década passada, campos visuais de aproximação que por algum motivo obscuro funcionam para ativar a nostalgia de fitas de VHS, televisores de tubo, internet discada e globos 3D espelhados sobre ladrilhos pretos e brancos.

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O ambiente da internet ajuda a ir contra algumas convenções artísticas que herdamos do romantismo, especialmente a questão da originalidade. "O digital oferece duas coisas que eu acho importantes na arte desse momento: ignorar totalmente a questão da originalidade, não é sobre isso, aliás acho que originalidade hoje é mais uma perversão do marketing para vender produtos, para tentar seduzir o público. A expo não quer seduzir, quer partilhar. A outra questão é que pela web, a arte digital se torna mais pensamento que manufatura. Estratégias e mecanismos de pensamento pela manipulação digital."

Nicholas Zilz.

E como se dá a transposição de uma exposição e internet em espaço físico? Aural explica: "Vai ser bem raw, cruzão mesmo, impressão A3 e A4, QR codes para celulares. Muitas obras serão virtuais, via celular do espectador. Terá uma projeção site specific e impressões", tirando um pouco do foco nas obras enquanto objeto sacralizado e a exposição como melhor ambiente para a apresentação dele. "O que a exposição quer mesmo é apenas ativar a relação das pessoas em um lugar físico, projetando um imaginário via web. A nossa timeline do evento já é metade da exposição."

A Vapor começou como uma oportunidade de o Akin mostrar seu trabalho musical, e a exposição veio para complementar visualmente esta experiência. "Tiramos a formalidade de uma expo, fazendo a coisa virar mais real-life. Como faz parte de uma produção web mesmo, não precisa ter essa coisa meio sacralizada de 'a obra', 'o artista' etc… A questão toda gira mais em cima das pessoas, elas estarem lá curtindo o evento que o Akin criou para tocar as experiencias musicais que ele anda fazendo com o ToDestroySomethingBeautiful".

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Inclusive o Akin liberou pra gente um set live de TRÊS HORAS, gravado na edição piloto da Vapor que rolou em 18 de Março, também no S/A:

Nicholas Zilz.മേറ്റ് റ്റ്മേ.

Já que a ideia do artista enquanto mito e celebração do artista enquanto celebridade, como vemos em Warhol até em seus desenhos digitais, não é tão importante para esta exposição, questionei Aural se a noção de um "coletivo" — tão celebrada no começo do seculo 21 — não funcionaria melhor para tirar o foco do artista individualmente. "Coletivo também é muito celebritismo, aí vira 'o coletivo', então toda vez que tal 'coletivo' se apresentar vai gerar uma expectativa que eu não me interesso mais, porque os artistas que eu estou apresentando vão mudar a maneira de fazer. Hoje a identidade visual é flexivel, recombinante, essa geração tem muito disso". Sobre sua própria recusa de seu trabalho, em falta de termo melhor, mais original, mais reconhecível, Aural acha que o trabalho que ele faz hoje é mais vida real. "É ruido interferência, conflito de signos. É como pegar um busão em hora de rush, correria, gritaria. Meu trabalho ter perdido identidade me traz a liberdade de reinventar as coisas, sem estar preso a uma tradição."

O evento VAPOR 1.0 ⫸ V Σ C T R 4 ⫸ ΣXPØ terá sua primeira edição no próximo domingo (17), no Espaço S/A (Rua Cardeal Arcoverde, 2096), em São Paulo, das 17h às 22h. Entrada gratuita.

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Todas as imagens, fora a de Andy Warhol, foram tiradas do evento no Facebook.