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Música

O Oneohtrix Point Never Conta a História por Trás das Faixas de ‘Garden of Delete’

Daniel Lopatin fala sobre as metáforas da puberdade, seu processo criativo e a influência de filmes de terror presentes no seu sexto disco.

Até mesmo para os padrões do produtor Oneohtrix Point Never, o Garden of Delete é uma experiência musical bem peculiar. Gravado depois de turnês em que esteve abrindo shows do Nine Inch Nails e Soundgarden, o oitavo álbum de estúdio do OPN foi anunciado como a tentativa do produtor em fazer um "disco de rock", e o subproduto mutante de um pen drive misterioso repleto de arquivos MIDI de uma banda de metal fictícia dos anos 90 chamada Kaoss Edge. Em uma homenagem declarada ao rock mainstream e industrial que permeou a adolescência de Daniel Lopatin, há uma programação de beats que soam como um heavy metal bem louco, vozes elevadas a extremos demoníacos, licks de guitarra repletos de testosterona dignos do próprio Slash. Entretanto, segundo o próprio Daniel o Garden of Delete é, acima de tudo, um tour guiado à experiência psicológica e física do produtor à sua adolescência — filtrada através do prisma de seu estilo de produção solto e com uma pegada futurista.

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"Para mim, o Garden of Delete é uma forma de descrever a ideia de que uma experiência negativa pode gerar coisas boas", explicou o produtor ao THUMP no nosso programa de rádio na Beats1 na primeira metade de novembro. "Todas as experiências traumáticas que tive durante a puberdade, memórias ruins e pensamentos ruins em geral puderam render coisas boas, como um disco ou algo do tipo. Era apenas um lembrete a mim mesmo: não fuja das coisas que te enojam ou te deixam frustrado".

Leia: "Falando Sobre Billy Corgan, Björk e 'Bling Ring' com o Oneohtrix Point Never"

Ao longo da seção, o Lopatin se abriu sobre os alicerces conceituais e inspirações guardadas por trás de quatro faixas do disco. Adquira o álbum através da Warp, ouça o episódio na Rádio Noisey por streaming aqui, e continue lendo este artigo para ficar por dentro da visão do próprio Lopatin sobre as faixas.

1. Intro

A "Intro" tem algumas vozes de crianças, risadas e reações que elas têm quando assistem televisão naquele estado meio zumbi, totalmente sugadas por um programa. É apenas um exercício de transformar a voz, alternar entre tons altos e baixos… o que é o símbolo da puberdade. Tem também uma espécie de cacarejo demoníaco que para mim soa como uma conversa abstrata [entre crianças] e um demônio apático que não está presente ali naquele momento, porém está falando sobre elas.

2. Ezra

Não me lembro como exatamente, mas uma vez me deparei com um sample que soava como a palavra "Ezra", então resolvi usar como título da faixa. Serviu como desculpa para desenvolver esse universo incrível no qual essa faixa habita e o personagem Ezra, que é um blogueiro de música amador e fanático por uma banda fictícia chamada Kaoss Edge. Essa música acabou virando meio que o hino do disco, mas na época era apenas um sample e não tinha aquela aura erudita ao seu redor.

Garden of Delete é parecido com o Replica no sentido de que o esqueleto da faixa é o sample, e isso sugere outras abordagens interessantes. Para mim, "Ezra" é meio como uma faixa do Replica mais poderosa, mas tem um trecho bit-synth no meio que é algo que eu só utilizei como base no Replica. Dei o nome de "Contra" ao trecho do meio da música, porque tinha essa vibe videogame. Gosto daquele trecho porque tem um som de choro militarista russo esquisito seguido de um contrabaixo que é nada mais do que ridículo. E depois tem esse mid-tempo, com uma pegada meio Guns and Roses, elemento com o qual eu tentei [reproduzir] uma faixa "Slash" genérica.

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Até mesmo para os padrões do produtor Oneohtrix Point Never, o Garden of Delete é uma experiência musical bem peculiar. Gravado depois de turnês em que esteve abrindo shows do Nine Inch Nails e Soundgarden, o oitavo álbum de estúdio do OPN foi anunciado como a tentativa do produtor em fazer um "disco de rock", e o subproduto mutante de um pen drive misterioso repleto de arquivos MIDI de uma banda de metal fictícia dos anos 90 chamada Kaoss Edge. Em uma homenagem declarada ao rock mainstream e industrial que permeou a adolescência de Daniel Lopatin, há uma programação de beats que soam como um heavy metal bem louco, vozes elevadas a extremos demoníacos, licks de guitarra repletos de testosterona dignos do próprio Slash. Entretanto, segundo o próprio Daniel o Garden of Delete é, acima de tudo, um tour guiado à experiência psicológica e física do produtor à sua adolescência — filtrada através do prisma de seu estilo de produção solto e com uma pegada futurista.

"Para mim, o Garden of Delete é uma forma de descrever a ideia de que uma experiência negativa pode gerar coisas boas", explicou o produtor ao THUMP no nosso programa de rádio na Beats1 na primeira metade de novembro. "Todas as experiências traumáticas que tive durante a puberdade, memórias ruins e pensamentos ruins em geral puderam render coisas boas, como um disco ou algo do tipo. Era apenas um lembrete a mim mesmo: não fuja das coisas que te enojam ou te deixam frustrado".

Leia: "Falando Sobre Billy Corgan, Björk e 'Bling Ring' com o Oneohtrix Point Never"

Ao longo da seção, o Lopatin se abriu sobre os alicerces conceituais e inspirações guardadas por trás de quatro faixas do disco. Adquira o álbum através da Warp, ouça o episódio na Rádio Noisey por streaming aqui, e continue lendo este artigo para ficar por dentro da visão do próprio Lopatin sobre as faixas.

1. Intro

A "Intro" tem algumas vozes de crianças, risadas e reações que elas têm quando assistem televisão naquele estado meio zumbi, totalmente sugadas por um programa. É apenas um exercício de transformar a voz, alternar entre tons altos e baixos... o que é o símbolo da puberdade. Tem também uma espécie de cacarejo demoníaco que para mim soa como uma conversa abstrata [entre crianças] e um demônio apático que não está presente ali naquele momento, porém está falando sobre elas.

2. Ezra

Não me lembro como exatamente, mas uma vez me deparei com um sample que soava como a palavra "Ezra", então resolvi usar como título da faixa. Serviu como desculpa para desenvolver esse universo incrível no qual essa faixa habita e o personagem Ezra, que é um blogueiro de música amador e fanático por uma banda fictícia chamada Kaoss Edge. Essa música acabou virando meio que o hino do disco, mas na época era apenas um sample e não tinha aquela aura erudita ao seu redor.

Garden of Delete é parecido com o Replica no sentido de que o esqueleto da faixa é o sample, e isso sugere outras abordagens interessantes. Para mim, "Ezra" é meio como uma faixa do Replica mais poderosa, mas tem um trecho bit-synth no meio que é algo que eu só utilizei como base no Replica. Dei o nome de "Contra" ao trecho do meio da música, porque tinha essa vibe videogame. Gosto daquele trecho porque tem um som de choro militarista russo esquisito seguido de um contrabaixo que é nada mais do que ridículo. E depois tem esse mid-tempo, com uma pegada meio Guns and Roses, elemento com o qual eu tentei [reproduzir] uma faixa "Slash" genérica.

3. ECCOJAMC1

'Eccojams' são exercícios bem simples com os quais escolho uma música de que gosto, coloco um trecho dela em loop, desacelero e encho de eco — apenas para matar a minha vontade de ouvir coisas que eu gosto misturadas com coisas que eu não gosto. Essa Eccojam é apenas um aceno aos meus fãs que amam a fita (aka Chuck Person's Eccojams Vol. 1). É um sample do John Martin do [seu disco de 1973] Solid Air. O John Martin era um cantor de folk incrível e complexo e ao decorrer do tempo a sua música foi ficando cada vez mais melancólica, por conta da separação da sua esposa. Nesta Eccojam, parece que ele está falando: "Eu não sei o que está rolando aqui dentro". E para mim isso soa como um ótimo slogan para puberdade.

4. Sticky Drama

"Sticky Dream" é uma série de coisas. Tenho certeza que outras pessoas seriam capazes de explicar muito melhor do que eu, mas 'Stickydrama' era uma espécie de site sobre fofoca com um chat — basicamente um lugar para zuar na internet. O site era associado a Jessi Slaughter, que vivenciou um dos primeiros exemplos de bullying de internet grotescos ao dizer que foi estuprada por um dos membros da banda Blood on the Dancefloor.

Simplesmente amo a frase "sticky drama" porque ela também sugere uma espécie de sonho molhado. Eu estava lendo o Powers of Horror: An Essay on Abjection, da Julia Kristeva, e ela sugeria que apesar de tentarmos reprimir alguns sentimentos, ainda temos curiosidade sobre eles. Por exemplo, quando você espirra, você olha para o lenço rapidinho antes de jogá-lo fora. Este é um exemplo muito incrível de como nós não eliminamos totalmente essa fase primordial da evolução.

Essa faixa é muito louca: várias partes da letra surgiram depois de tanto escrever coisas esquisitas que combinavam com o ritmo que eu queria para a melodia vocal em um software de síntese de voz chamado Chipspeech. Com o Chipspeech, eu podia soletrar coisas e tocá-las cromaticamente no teclado. Assim eu costumava fazer várias composições sem nenhuma palavra e só depois adicionar a letra. Várias vezes tive que enfiar letras em lugares que não faziam o menor sentido; há algumas referências a obsessão pela fama e a estar disposto a fazer qualquer coisa para tirarem uma foto sua e você se tornar alguém na noite. Existem dois personagens cantores — um deles é uma vocalista no início da carreira e o outro é o diabinho em seu ombro, e os dois estão interagindo.

Para mim, este disco é sobre encontrar uma maneira de ser baterista sem precisar usar bateria ou qualquer som proveniente dela, apesar de eu usar alguns kicks por baixo de cada gemido, gerando um som característico de guitarra. Eu queria fazer uma composição musical diferente de tudo que já ouvi, algo que tivesse um contraste intenso de chiclete e uma versão superabstrata do metal.

5. SDFK

A "SDFK" é interessante porque consiste em dois samples. Um deles é da faixa "Dream in White on White", do John Adams. O outro é um sample muito longo de uma banda industrial chamada Grotus. Chamá-los de 'banda industrial' é meio que um insulto, porque eles são muito mais do que isso. Sua faixa se chamava "Brown", o que chega a ser meio nojento e provocativo. Minha impressão é que eles estão sempre lidando com esses cenários fecais. "SDFK" é apenas uma abreviação sem vogais de "sad fuck". Eu estava tentando descobrir o quanto de uma música criada por outro artista eu conseguiria introduzir em uma outra composição musical. Realmente amo esta faixa e ela serve de pivô para a que vem a seguir, a "Mutant Standard".

6. Mutant Standard

A princípio este disco ia se chamar Mutant Standard. Minha abordagem principal é sobre como lidar com a puberdade e como o seu corpo nessa fase é, essencialmente, a área intermediária para toda essa mutação — mas também é prejudicial, porque todos nós sabemos o que acontece na puberdade. Nutro um interesse por mutação e entropia, porque para mim parece uma análise muito sincera do universo em que vivemos. Gostamos de acreditar que as coisas são estáveis mas com o tempo qualquer ideia, objeto ou corpo inevitavelmente muda. Acho que num nível biológico, mutação é a coisa mais punk que tem — ela simplesmente embaralha a ordem como um todo.

A faixa "Mutant Standard" é o que acontece quando você toma 20 latinhas de refrigerante. Você bota uma casa abaixo e quando o açúcar sai do seu sangue você capota completamente. O trecho final de "Mutant Standard" tem essa cor cromática ácida e dissonante — uma espécie de purificante. Grande parte da música — até mesmo o penúltimo trecho — é muito linda, e logo depois você é jogado neste lamaçal. A segunda parte do disco, com exceção de "I Bite Through It", é bem deprimente.

7. Child of Rage

"Child of Rage" leva este nome por causa de dois filmes. Um deles é um documentário chamado A Ira de Um Anjo, que é sobre uma garotinha chamada Beth Thomas que tem Transtorno de Apego Reativo, uma doença que te faz surtar e ter pensamentos violentos e sentimentos negativos em relação as pessoas que te amam. Fizeram um TV movie sobre o Thomas também. O filme vilaniza muito a criança e realmente a faz parecer uma monstrinha graças à música, apesar de a intenção ser que o espectador se compadeça com a sua situação e a dor da menina. Assistir a este filme em 2015 fez eu me sentir estranho, mas lembro de ter me divertido quando assisti com 16 anos.

Depois que me dei conta que não era legal achar graça do filme, resolvi pesquisar sobre a Beth Thomas e descobri que ela é uma pessoa totalmente sadia que mora em Phoenix e se tornou uma defensora deste transtorno. Se eu nunca tivesse feito essa busca, na minha cabeça [o documentário] ainda seria essa coisa esquisita e tão divertida quanto assistir ao Chucky ou algo do gênero, situação na qual um ser humano é reduzido a esta criatura psicótica. Eu queria fazer uma música não apenas sobre a Beth Thomas ou o documentário, mas sobre a minha jornada desde que tive contato com este filme em diferentes momentos da minha vida e o que ele significa para mim. É um pouco triste, mas também há uma certa esperança na música, e essa é uma pequena homenagem à Beth.

8. Animals

Mais ou menos na primavera [do Hemisfério Norte] de 2015, achei que o disco finalmente estava pronto. Pedi para um amigo ouvi-lo do início ao fim e ele disse: "Curti, menos essa faixa aqui, porque ela é entediante". Tirei a tal faixa do disco, porém eu não tinha mais músicas suficientes para um disco inteiro, então fiquei tipo, "Porra, preciso compôr mais uma música!". Sempre quis compor uma canção de amor e "Child of Birth" meio que é uma [canção de amor], mas ainda possui essa característica mid-tempo. Queria fazer algo ainda mais desacelerado, então pensei, "Ok, vou me aventurar no piano, criar uma bela progressão e depois adicionar essa melodia vocal com uma vibe de mantra".

Estava lendo uns artigos do [professor da Universidade de Oxford e filósofo] Nick Bostrom sobre inteligência artificial, e enquanto eu lia aquilo, alguém — o próprio Nick ou algum outro pensador — mencionou um cenário no qual seres muito mais evoluídos do que nós simplesmente nos ignoravam, da mesma forma que ignoramos animais e insetos. Não representaríamos, para eles, um risco grande o suficiente para merecermos a erradicação. Esse pensamento me assustou demais — o de imaginar um ciborgue ignorando você completamente. Ele não vai nem se dar ao trabalho de te matar. Gostei dessa ideia e utilizei a metáfora de um casal sentado em um banco na frente de um zoológico, rindo ao se dar conta que é o tipo situação na qual seres humanos estão constantemente inseridos.

Esta faixa como um todo é extremamente niilista. Ela acontece em dois períodos de tempo diferentes: o primeiro ciclo se passa num dia contemporâneo, aqui no zoológico, e o segundo ciclo acontece em uma corte medieval com um rei e uma rainha à beira da morte. O personagem do rei percebe que, apesar de estar completamente devastado, ele precisa seguir em frente com as suas tarefas de rei.

A observação final que tento fazer nesta letra é basicamente sobre algo que me dei conta que eu e minha parceira fazemos, que é acordar de amanhã e imediatamente começar a mexer em nossos celulares, nos distanciando um do outro. Se você fotografasse esta cena de cima, veria que ela é muito triste.

9. I Bite Through It

"I Bite Through It" é uma boa música para ser analisada junto com a "Freaky Eyes", porque ambas falam sobre o amor pela forma. Inspirado por vários livros de terror trash, decidi fazer algumas músicas em homenagem a artifícios formais específicos do gênero de terror — o prazer que você sente ao morder uma comida, por exemplo, versus o que você sente ao assistir uma criatura ou força demoníaca perfurando a pele de alguém. Dá para fazer uma montagem juntando todas as cenas de pessoas berrando que você já viu em um filme de terror; minha intenção era colocar em destaque este tipo de clichê do terror, então essa é minha pequena homenagem.

O momento mais apropriado para esse tipo de conteúdo na vida de alguém é durante a puberdade, porque o seu corpo é um portal para todas essas coisas tenebrosas, e eu acho que as crianças curtem assistir filmes de terror porque elas se sentem daquela forma — elas são pequenos aliens, então se identificam. Também acho que um dos aspectos mais gratificantes e encantadores da humanidade é que exploramos formas físicas que não combinam com as nossas. Ficção científica, para mim, é a forma artística mais espetacular, porque ela explora corpos e mundos que não existem. [Mundos fantásticos] me encantam profundamente, porque sem eles jamais seríamos capazes de imaginar algo diferente de nós mesmos.

Essa música também teve um quê de sorte porque para mim, já que de alguma forma, vários samples um atrás do outro soaram parecido com "I Bite Through It", e isso não foi intencional. Esta faixa é focada apenas na síncope e em fazer com que as coisas se envolvam ritmicamente umas com as outras através dos contrastes.

10. Freaky Eyes

Uma maneira de descobrir se uma pessoa está possuída é olhando fixamente em seus olhos: o corpo parece ok, o rosto também, mas seus olhos estão verdes. "Freaky Eyes" tem um sample do Roger Rodier no meio e essa música tem vários componentes de trilhas sonoras de filmes de terror italianos. Depois dessa intensificação do som produzido pelo órgão, eu solto o freio nesse beep com uma pegada tecnológica, e então entra o sample do Roger Rodier, o que para mim é um clichê dos filmes de terror, quando um casal está transando no carro e as janelas estão embaçadas e você sabe que aquela cena de sexo significa que alguém vai morrer.

Quando estou no estúdio geralmente estou trabalhando, mas também deixo o meu e-mail e o Hangouts aberto. Quero estar conectado. Caso contrário, estou apenas enfurnado sem nenhuma luz ou ar de verdade. [O Matt Mondanile do] Ducktails me mandou aquela música [do Rodier] enquanto eu estava trabalhando na "Freaky Eyes". Foi assim que o Ducktails deixou seu rastro no Garden of Delete.

11. Lift

"Lift" é uma baladinha em mid-tempo que sempre comparo a "Janie's Got a Gun", do Aerosmith. Seus vocais são comprimidos e processados, tipo aqueles pré-configurados de EDM que eu encontro nesse software VST para ROMpler chamado reFX Nexus, que se resume a comprar músicas finalizadas para você mesmo poder tocar. Muitas das coisas que encontrei no reFX Nexus eram bem sem graça, mas eu gostei muito desse vocal EDM fake e com uma pegada meio Skrillex.

Quando compus todas as músicas, esta se tornou aquela baladinha romântica com um quê depressivo sobre codependência. Me remete a uma série de mensagens de texto que eu mandaria para alguém que sinto falta. Aquele momento em que você está numa festa esperando o seu/sua namorado aparecer e fica mandando mensagens para ele/ela em vez de se divertir — para mim, isso é codependência. E essa codependência é algo mal visto, o que eu acho bobagem, porque acho fofo que as pessoas não conseguem viver umas sem as outras.

12. No Good

"No Good" é a última faixa do disco, e foi criada a partir do sample de uma música do Hans Reichel, um guitarrista alemão e inventor do daxophone. Usei este sample, escrevi a melodia vocal ao seu redor e adicionei um riff de metal na segunda metade da faixa. Para mim, é uma canção country com o tema, "Eu sei que estraguei nossa relação e um de nós terá que sair de casa". Estive nessa situação de não querer estar naquele lugar que presenciou tanta agonia algumas vezes, então geralmente sou eu quem sai de casa e vai morar em outro lugar. A primeira metade da música é tipo, "Ei, eu sei que estraguei tudo, então vou arrumar minhas coisas e dar o fora".

Na segunda metade, a letra fica um pouco mais ampla — basicamente superateísta. O ponto de vista geral representado nesta música é o de concordar em não acreditar em nada. Eu sou uma pessoa bastante feliz, mas a minha filosofia é mais niilista do que qualquer outra coisa. O lado poético de encarar as coisas daquele jeito sempre me interessou, e acho que isso é mais sedutor do que apenas ser feliz. É o mesmo motivo pelo qual nunca gostei muito de Mozart, mas amei este Réquiem.

Todos os comerciais de sabão em pó que vi na minha infância eram tipo, "Você quer ter roupas mais brancas?". E então você tem toda essa evidência de caos ao seu redor... e joelhos ralados são apenas o começo. Há um contraste tão grande entre o mundo que tentam te vender e o que você de fato vive. Mas então você percebe que o caos na verdade é um pouco divertido, atraente, produtivo e sedutor, e não algo que você precisa esconder ou tentar fugir. E é sobre isso que se trata este disco.

Tradução: Stefania Cannone

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3. ECCOJAMC1

'Eccojams' são exercícios bem simples com os quais escolho uma música de que gosto, coloco um trecho dela em loop, desacelero e encho de eco — apenas para matar a minha vontade de ouvir coisas que eu gosto misturadas com coisas que eu não gosto. Essa Eccojam é apenas um aceno aos meus fãs que amam a fita (aka Chuck Person's Eccojams Vol. 1). É um sample do John Martin do [seu disco de 1973] Solid Air. O John Martin era um cantor de folk incrível e complexo e ao decorrer do tempo a sua música foi ficando cada vez mais melancólica, por conta da separação da sua esposa. Nesta Eccojam, parece que ele está falando: "Eu não sei o que está rolando aqui dentro". E para mim isso soa como um ótimo slogan para puberdade.

4. Sticky Drama

"Sticky Dream" é uma série de coisas. Tenho certeza que outras pessoas seriam capazes de explicar muito melhor do que eu, mas 'Stickydrama' era uma espécie de site sobre fofoca com um chat — basicamente um lugar para zuar na internet. O site era associado a Jessi Slaughter, que vivenciou um dos primeiros exemplos de bullying de internet grotescos ao dizer que foi estuprada por um dos membros da banda Blood on the Dancefloor.

Simplesmente amo a frase "sticky drama" porque ela também sugere uma espécie de sonho molhado. Eu estava lendo o Powers of Horror: An Essay on Abjection, da Julia Kristeva, e ela sugeria que apesar de tentarmos reprimir alguns sentimentos, ainda temos curiosidade sobre eles. Por exemplo, quando você espirra, você olha para o lenço rapidinho antes de jogá-lo fora. Este é um exemplo muito incrível de como nós não eliminamos totalmente essa fase primordial da evolução.

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Essa faixa é muito louca: várias partes da letra surgiram depois de tanto escrever coisas esquisitas que combinavam com o ritmo que eu queria para a melodia vocal em um software de síntese de voz chamado Chipspeech. Com o Chipspeech, eu podia soletrar coisas e tocá-las cromaticamente no teclado. Assim eu costumava fazer várias composições sem nenhuma palavra e só depois adicionar a letra. Várias vezes tive que enfiar letras em lugares que não faziam o menor sentido; há algumas referências a obsessão pela fama e a estar disposto a fazer qualquer coisa para tirarem uma foto sua e você se tornar alguém na noite. Existem dois personagens cantores — um deles é uma vocalista no início da carreira e o outro é o diabinho em seu ombro, e os dois estão interagindo.

Para mim, este disco é sobre encontrar uma maneira de ser baterista sem precisar usar bateria ou qualquer som proveniente dela, apesar de eu usar alguns kicks por baixo de cada gemido, gerando um som característico de guitarra. Eu queria fazer uma composição musical diferente de tudo que já ouvi, algo que tivesse um contraste intenso de chiclete e uma versão superabstrata do metal.

5. SDFK

A "SDFK" é interessante porque consiste em dois samples. Um deles é da faixa "Dream in White on White", do John Adams. O outro é um sample muito longo de uma banda industrial chamada Grotus. Chamá-los de 'banda industrial' é meio que um insulto, porque eles são muito mais do que isso. Sua faixa se chamava "Brown", o que chega a ser meio nojento e provocativo. Minha impressão é que eles estão sempre lidando com esses cenários fecais. "SDFK" é apenas uma abreviação sem vogais de "sad fuck". Eu estava tentando descobrir o quanto de uma música criada por outro artista eu conseguiria introduzir em uma outra composição musical. Realmente amo esta faixa e ela serve de pivô para a que vem a seguir, a "Mutant Standard".

6. Mutant Standard

A princípio este disco ia se chamar Mutant Standard. Minha abordagem principal é sobre como lidar com a puberdade e como o seu corpo nessa fase é, essencialmente, a área intermediária para toda essa mutação — mas também é prejudicial, porque todos nós sabemos o que acontece na puberdade. Nutro um interesse por mutação e entropia, porque para mim parece uma análise muito sincera do universo em que vivemos. Gostamos de acreditar que as coisas são estáveis mas com o tempo qualquer ideia, objeto ou corpo inevitavelmente muda. Acho que num nível biológico, mutação é a coisa mais punk que tem — ela simplesmente embaralha a ordem como um todo.

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7. Child of Rage

"Child of Rage" leva este nome por causa de dois filmes. Um deles é um documentário chamado A Ira de Um Anjo, que é sobre uma garotinha chamada Beth Thomas que tem Transtorno de Apego Reativo, uma doença que te faz surtar e ter pensamentos violentos e sentimentos negativos em relação as pessoas que te amam. Fizeram um TV movie sobre o Thomas também. O filme vilaniza muito a criança e realmente a faz parecer uma monstrinha graças à música, apesar de a intenção ser que o espectador se compadeça com a sua situação e a dor da menina. Assistir a este filme em 2015 fez eu me sentir estranho, mas lembro de ter me divertido quando assisti com 16 anos.

Depois que me dei conta que não era legal achar graça do filme, resolvi pesquisar sobre a Beth Thomas e descobri que ela é uma pessoa totalmente sadia que mora em Phoenix e se tornou uma defensora deste transtorno. Se eu nunca tivesse feito essa busca, na minha cabeça [o documentário] ainda seria essa coisa esquisita e tão divertida quanto assistir ao Chucky ou algo do gênero, situação na qual um ser humano é reduzido a esta criatura psicótica. Eu queria fazer uma música não apenas sobre a Beth Thomas ou o documentário, mas sobre a minha jornada desde que tive contato com este filme em diferentes momentos da minha vida e o que ele significa para mim. É um pouco triste, mas também há uma certa esperança na música, e essa é uma pequena homenagem à Beth.

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Mais ou menos na primavera [do Hemisfério Norte] de 2015, achei que o disco finalmente estava pronto. Pedi para um amigo ouvi-lo do início ao fim e ele disse: "Curti, menos essa faixa aqui, porque ela é entediante". Tirei a tal faixa do disco, porém eu não tinha mais músicas suficientes para um disco inteiro, então fiquei tipo, "Porra, preciso compôr mais uma música!". Sempre quis compor uma canção de amor e "Child of Birth" meio que é uma [canção de amor], mas ainda possui essa característica mid-tempo. Queria fazer algo ainda mais desacelerado, então pensei, "Ok, vou me aventurar no piano, criar uma bela progressão e depois adicionar essa melodia vocal com uma vibe de mantra".

Estava lendo uns artigos do [professor da Universidade de Oxford e filósofo] Nick Bostrom sobre inteligência artificial, e enquanto eu lia aquilo, alguém — o próprio Nick ou algum outro pensador — mencionou um cenário no qual seres muito mais evoluídos do que nós simplesmente nos ignoravam, da mesma forma que ignoramos animais e insetos. Não representaríamos, para eles, um risco grande o suficiente para merecermos a erradicação. Esse pensamento me assustou demais — o de imaginar um ciborgue ignorando você completamente. Ele não vai nem se dar ao trabalho de te matar. Gostei dessa ideia e utilizei a metáfora de um casal sentado em um banco na frente de um zoológico, rindo ao se dar conta que é o tipo situação na qual seres humanos estão constantemente inseridos.

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A observação final que tento fazer nesta letra é basicamente sobre algo que me dei conta que eu e minha parceira fazemos, que é acordar de amanhã e imediatamente começar a mexer em nossos celulares, nos distanciando um do outro. Se você fotografasse esta cena de cima, veria que ela é muito triste.

9. I Bite Through It

"I Bite Through It" é uma boa música para ser analisada junto com a "Freaky Eyes", porque ambas falam sobre o amor pela forma. Inspirado por vários livros de terror trash, decidi fazer algumas músicas em homenagem a artifícios formais específicos do gênero de terror — o prazer que você sente ao morder uma comida, por exemplo, versus o que você sente ao assistir uma criatura ou força demoníaca perfurando a pele de alguém. Dá para fazer uma montagem juntando todas as cenas de pessoas berrando que você já viu em um filme de terror; minha intenção era colocar em destaque este tipo de clichê do terror, então essa é minha pequena homenagem.

O momento mais apropriado para esse tipo de conteúdo na vida de alguém é durante a puberdade, porque o seu corpo é um portal para todas essas coisas tenebrosas, e eu acho que as crianças curtem assistir filmes de terror porque elas se sentem daquela forma — elas são pequenos aliens, então se identificam. Também acho que um dos aspectos mais gratificantes e encantadores da humanidade é que exploramos formas físicas que não combinam com as nossas. Ficção científica, para mim, é a forma artística mais espetacular, porque ela explora corpos e mundos que não existem. [Mundos fantásticos] me encantam profundamente, porque sem eles jamais seríamos capazes de imaginar algo diferente de nós mesmos.

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10. Freaky Eyes

Uma maneira de descobrir se uma pessoa está possuída é olhando fixamente em seus olhos: o corpo parece ok, o rosto também, mas seus olhos estão verdes. "Freaky Eyes" tem um sample do Roger Rodier no meio e essa música tem vários componentes de trilhas sonoras de filmes de terror italianos. Depois dessa intensificação do som produzido pelo órgão, eu solto o freio nesse beep com uma pegada tecnológica, e então entra o sample do Roger Rodier, o que para mim é um clichê dos filmes de terror, quando um casal está transando no carro e as janelas estão embaçadas e você sabe que aquela cena de sexo significa que alguém vai morrer.

Quando estou no estúdio geralmente estou trabalhando, mas também deixo o meu e-mail e o Hangouts aberto. Quero estar conectado. Caso contrário, estou apenas enfurnado sem nenhuma luz ou ar de verdade. [O Matt Mondanile do] Ducktails me mandou aquela música [do Rodier] enquanto eu estava trabalhando na "Freaky Eyes". Foi assim que o Ducktails deixou seu rastro no Garden of Delete.

11. Lift

"Lift" é uma baladinha em mid-tempo que sempre comparo a "Janie's Got a Gun", do Aerosmith. Seus vocais são comprimidos e processados, tipo aqueles pré-configurados de EDM que eu encontro nesse software VST para ROMpler chamado reFX Nexus, que se resume a comprar músicas finalizadas para você mesmo poder tocar. Muitas das coisas que encontrei no reFX Nexus eram bem sem graça, mas eu gostei muito desse vocal EDM fake e com uma pegada meio Skrillex.

Quando compus todas as músicas, esta se tornou aquela baladinha romântica com um quê depressivo sobre codependência. Me remete a uma série de mensagens de texto que eu mandaria para alguém que sinto falta. Aquele momento em que você está numa festa esperando o seu/sua namorado aparecer e fica mandando mensagens para ele/ela em vez de se divertir — para mim, isso é codependência. E essa codependência é algo mal visto, o que eu acho bobagem, porque acho fofo que as pessoas não conseguem viver umas sem as outras.

12. No Good

"No Good" é a última faixa do disco, e foi criada a partir do sample de uma música do Hans Reichel, um guitarrista alemão e inventor do daxophone. Usei este sample, escrevi a melodia vocal ao seu redor e adicionei um riff de metal na segunda metade da faixa. Para mim, é uma canção country com o tema, "Eu sei que estraguei nossa relação e um de nós terá que sair de casa". Estive nessa situação de não querer estar naquele lugar que presenciou tanta agonia algumas vezes, então geralmente sou eu quem sai de casa e vai morar em outro lugar. A primeira metade da música é tipo, "Ei, eu sei que estraguei tudo, então vou arrumar minhas coisas e dar o fora".

Na segunda metade, a letra fica um pouco mais ampla — basicamente superateísta. O ponto de vista geral representado nesta música é o de concordar em não acreditar em nada. Eu sou uma pessoa bastante feliz, mas a minha filosofia é mais niilista do que qualquer outra coisa. O lado poético de encarar as coisas daquele jeito sempre me interessou, e acho que isso é mais sedutor do que apenas ser feliz. É o mesmo motivo pelo qual nunca gostei muito de Mozart, mas amei este Réquiem.

Todos os comerciais de sabão em pó que vi na minha infância eram tipo, "Você quer ter roupas mais brancas?". E então você tem toda essa evidência de caos ao seu redor… e joelhos ralados são apenas o começo. Há um contraste tão grande entre o mundo que tentam te vender e o que você de fato vive. Mas então você percebe que o caos na verdade é um pouco divertido, atraente, produtivo e sedutor, e não algo que você precisa esconder ou tentar fugir. E é sobre isso que se trata este disco.

Tradução: Stefania Cannone

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