Marc Houle Não Vai Tirar uma Selfie com Você
Yonathan Baraki

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Música

Marc Houle Não Vai Tirar uma Selfie com Você

O produtor canadense lembra dos dez anos do seu disco ‘Restored’ e diz que não vai fazer média em busca de sucesso.

Marc Houle não é DJ.

Ele nunca tentou combinar beats, nunca foi fisgado pelos discos de vinil e não fica parado no palco com as mãos para cima. Nascido no Canadá e vivendo em Berlim, Houle se dedica a fazer um techno autoral e variado ao vivo. Mas mesmo um artista como Houle se vê cercado pelos bonecões de posto que a América do Norte seguidamente confunde com DJs.

"É divertido ver DJs no palco agindo como se tivessem feito a música que estão tocando. Como se ali mesmo, naquele exato momento, estivessem criando a música no palco. Mas o cara só está parado atrás de um CD player", diz Houle por telefone. "As pessoas sabem disso? Quero perguntar às pessoas se elas sabem mesmo disso."

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Marc Houle remixou "Zipp" do Krankbrother

Intencionalmente ou não, Houle combate essa fraude da dance music tocando apenas suas próprias músicas. Armado com um controlador Livid feito sob medida, um sofisticado live setup da Ableton e uma sequência mutante de novos equipamentos, as suas performances ao vivo são uma espécie de caos controlado. "O problema é que às vezes as pessoas dizem 'você fica tão sério lá em cima', e enquanto isso eu estou contando até 16, tocando as coisas, surtando, entrando em pânico", ele diz. "É um desafio aprender alguma coisa no palco e divertir as pessoas ao mesmo tempo."

Houle nasceu e foi criado em Windsor, a pequena cidade canadense que faz fronteira – e divide sua poluição atmosférica – com a Cidade do Motor, Detroit. Poucas coisas em Windsor inspiram qualquer tipo de empolgação, mas Richie Hawtin é uma delas. Nos anos 90, Hawtin era o dono de um clube de Windsor chamado 13 Below, e foi lá que Houle e Hawtin se conheceram.

"Era um lugar onde a gente podia se divertir como gente normal. Se 'normal' faz algum sentido… Aqueles que não eram do mainstream", diz Houle. Nas quartas-feiras, Houle controlava videogames enquanto Hawtin incendiava o clube, parecido com uma caverna, com techno. Eles apelidaram a festa de "Atari Adventures". "Era ótimo porque as pessoas vinham até você e, em vez de pedir músicas, pediam games."

Em Detroit, a amizade deles floresceu. Houle estava imerso na energia crua da cena techno de Detroit dos anos 90, aprimorando suas habilidades no caminho. Em 2004, ele lançou o seu EP de estreia, Restored, pela Minus. "Um dia, Rich me convidou para tocar ao vivo em Berlim, mas eu não sabia como. Ele me deu um velho teclado Korg, me disse para praticar e que me veria dentro de um mês. Eu converti minhas músicas em clipes no Ableton e, 10 anos depois, aqui estou eu."

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Sob o comando de Hawtin, a Minus se transformou em uma marca consolidada de nível mundial e referência do techno minimalista. Mas em 2011, Houle, junto com Magda e Troy Pierce, companheiros de gravadora, decidiram se separar amigavelmente da Minus para criar o seu próprio selo, o Items & Things. "Por anos eu fui um passageiro no trem da Minus, olhando pelas janelas sem me preocupar para onde estávamos indo. Foi uma viagem incrível, mas você precisa fazer as coisas sozinho para pavimentar a estrada do seu futuro." Ele faz uma pausa para rir.

Com o Items & Things, Houle segue seu próprio caminho sem se limitar ou preocupar se a sua música está dentro dos padrões da gravadora. Embora não renegue o som que fez na Minus – o seu último lançamento, Restored (Remix Album), foi por ela – a gravadora não é mais o seu único destino. Mas, recentemente, o trem da Items & Things também andou atrasando. "Está meio caótico agora. Antes éramos só três pessoas trabalhando em Berlim, mas, como a nossa carreira decolou, a ligação já não é tão forte quanto costumava ser, então a visão do selo foi afetada", admite Houle.

A dura realidade é que o cenário da dance music está mudando, e tudo está sujeito a esse estímulo. "Cinco anos atrás, tínhamos que nos preocupar se íamos conseguir chegar no próximo show sem perder nossos voos", ele diz. "Você não pode mais só se preocupar com a música, tem que bombardear as pessoas constantemente, mandar releases para a imprensa sobre qualquer coisa que você faça, tirar fotos para se manter em evidência."

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A ideia das redes sociais serem tão importantes quanto a música é um caminho pouco trilhado por Houle e seus camaradas. "Rich empurra uma caixa de som e acerta alguém – ah, olha só, um milhão de tweets. Mas, um mês antes, Rich lançou um disco do Plastikman e ele não chegou nem perto de ser tão comentado", lamenta Houle.

"Ser músico, hoje em dia, é 10% fazer música e 90% fazer essas babaquices de divulgação. Eu costumava falar com todo mundo no aeroporto, mas agora você tem que posar para uma selfie para que possam te marcar nela. Tipo, quê? Não é o que eu me acostumei a fazer nos últimos 10 anos."

A cruzada de Houle contra as babaquices convencionais é amplificada pela turnê CNTRL: Beyond EDM, de Hawtin. A turnê passa por vários campus universitários da América do Norte e "explora o lado mais profundo da música eletrônica" através de palestras, workshops e exposições com os especialistas do underground. Embora não faça o tipo palestrante, Houle solta um longo e exagerado suspiro quando perguntamos por que a CNTRL é importante para ele.

"Era uma vez…", ele diz de modo arrastado, como um velho. Para Houle, a interação direta com as pessoas é o que lhe dá esperança no futuro da dance music. "Para quem está começando a fazer música são dadas poucas opções. Tem o EDM, e se você não gosta de EDM, tem o rap. Rich está tentando mostrar às pessoas que elas têm uma terceira opção. Espero que todos que venham ao CNTRL sejam inspirados a fazer boa música para combater toda a música idiota que está rolando na América do Norte."

Houle mantém em segredo os seus planos para o futuro próximo. Tem uma afterparty do Movement Detroit no horizonte, mas não espere uma sequência de malabarismos. Por ora, ele está celebrando o aniversário de 10 anos de Restored com Restored (Remix Album), um lançamento que ele espera que vá expor uma geração aos sons que ela possa ter perdido.

As suas palavras finais: "Canadá!!!"

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Tradução: Fernanda Botta