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Música

​Há Dez Anos a Man Recordings Espalha o Funk Carioca pelo Mundo

Aproveitamos o aniversário do selo para conversar com Daniel Haaksman, o italiano/alemão que há 11 anos mora e sente as vibrações do bass carioca.

O global bass não é exatamente novidade. Há uma década o gênero é uma realidade — não necessariamente das pistas, mas do tracklist de muito maluco mundo afora. Hoje, todo mundo (menos o Bin Laden) sabe que um desses reverberadores do funk é o Diplo, mas tem mais gente pra botar nessa prateleira de embaixador do tamborzão carioca. Há 11 anos o produtor italiano, que viveu em Berlim, Daniel Haaksman baixou no Rio e levou uma porrada de CDs de funk pra gringa. Esses piratinhas ajudaram a mudar o caminho do gênero e também a sua própria história com a criação da Man Recordings, o selo criado por Daniel que comemora sua primeira década na ativa.

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Trocamos um ideião com o gringo que mora no Rio de Janeiro sobre os dez anos da label. Ouça The Best Of Man Recordings - Celebrating 10 Years, 2005-2015, a coletânea de aniversário do selo enquanto lê a entrevista:

THUMP: E aí, Daniel? Conta para a gente no que você está trampando agora.

Daniel Haaksman: Atualmente estou trabalhando na produção do meu novo álbum, o African Fabrics, que será lançado em janeiro de 2016.

Primeiro, gostaria de saber como e por que você começou a Man Recordings. Também gostaria de saber como você veio para o Brasil.

Então, em 2003, eu estava meio decepcionado com a cena eletrônica europeia, especialmente com a club music, techno e house. Eu não era bem um fã de música eletrônica, mas quando um amigo meu me trouxe alguns CDs do Rio de Janeiro com algumas faixas de baile funk, eu me surpreendi muito com a força daquela música, principalmente com o sample frenético e com os beats loucos daquele som. Em 2003, o Brasil não estava totalmente online, era impossível para a Europa ficar ligada na produção do funk, então decidi viajar para o Rio para entender melhor a cena e comprar mais CDs.

Isso rolou quando?

Na minha primeira visita, em 2004, eu trouxe duzentos CDs para Berlim e fiz uma compilação chamada Rio Baile Funk Favela Booty Beats, assinada pela minha antiga label Essay Recordings. A coletânea fez um sucesso estrondoso na gringa, com mais de 30 mil cópias vendidas em todo o mundo, além de ter sido muito bem divulgada pela imprensa internacional. Dificilmente alguém de fora do Brasil sabia sobre esse fenômeno musical local, depois disso, as pessoas começaram a curtir e se surpreender com o poder do funk. Ao mesmo tempo, o Diplo estava lançando a mixtape Favela On Blast, e um ano depois, em 2004, ele produziu "Bucky Done Gun", da M.I.A. (com sample de "Injeção" da Deize Tigrona), que acabou se tornando um hit nos clubes europeus. Então, a mix do Diplo, a faixa "Bucky Done Gun" e a minha compilação criaram um movimento que liderou uma cena internacional que envolveu o baile funk entre 2004 e 2005.

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Leia: "Eu Não Sei se o Bin Laden Sabe quem Eu Sou", Diz Diplo

Uma vez você disse que você, o Diplo e a M.I.A. eram embaixadores estrangeiros do funk brasileiro, certo? Por quê?

Diplo e eu fomos em 2004, ainda que em épocas diferentes ao Rio em busca do funk — nessa época ainda não nos conhecíamos. O Diplo encontrou no funk um legado tropical do Miami Bass (um estilo que cresceu na Flórida e se expandiu em Miami), para mim o funk é um novo estilo de música completamente revolucionário, somando-se a isso, o electrofunk reverberou na Europa, afirmando um estilo tropical com o legado deixado pelo Kraftwerk. Eu nos auto-denominei como embaixadores pelo efeito do sucesso das nossas compilações, a galera pode nos perguntar sobre e tocar funk nos clubes europeus e ingleses. De novo em 2004, 2005, era impossível encontrar qualquer coisa em inglês sobre o funk, era um fenômeno fechado, um nicho musical. O único texto que encontrei em inglês foi uma entrevista feita por um brasileiro, professor de inglês, chamado Andy Cumming, com o DJ Malboro. Havia uma neblina misteriosa sobre esse estilo musical. Para os muitos fenômenos culturais, há sempre tradutores ou embaixadores que encontram esses nichos musicais e os trazem para um contexto global, e foi isso que nós fizemos. Selecionamos faixas que caberiam nos nossos sets e apresentamos para a galera que nos ouve. Nem eu, nem o Diplo entendemos português, então ouvimos as rimas dos MCs como sons, não como uma letra de música, assim como a maioria dos estrangeiros que ouvem funk também.

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Sobre o global sounds, algumas pessoas pensam que é algo novo, mas este gênero já existia há anos e o Man Recordings é um exemplo disso. O que particularmente te atraiu neste som? E qual é a sua missão à frente da Man Recordings?

O gênero que chamamos hoje de tropical ou global bass já existe há mais de uma década. A primeira coisa que me atraiu no funk foi que me pareceu uma ótima alternativa à chatice da club music que estava sendo lançada na Europa de 2003 a 2005, e depois do sucesso da minha coletânea Rio Baile Funk Favela Booty Beats, ficou claro que havia um público internacional para o baile funk, mas nenhuma label brasileira estava interessada em trazer esta música para um público de fora. Então eu comecei a Man Recordings como uma plataforma para lançar o som do Rio, primeiro ao lado do Edu K, depois com as séries do Baile Funk Masters, que contaram com a participação de DJs e produtores como o SanyPitbull, DJ Sandrinho, DJ Edgar, e mais tarde com o Amazing Clay — artistas que não tinham visibilidade e que não tinham quem assinasse seus lançamentos, mas que eram figuras-chave no movimento do funk carioca nos anos 2000. Eu também dei uma puta força para os caras com a gravação do Funk Mundial, que foi gravada sem o acompanhamento instrumental, à capela, no Rio.com Deize Tigrona, Mr. Catra e o MC Dolores. A partir daí, alguns produtores como o Crookers, Sinden, Seiji, Feadz e vários outros criaram um híbrido entre a bass music europeia e o batidão do baile funk para acompanhar os vocais. Assim foram feitas as pontes entre os sets tocados pelos DJs ao redor do mundo, o baile funk original, (que ficou muito melhor com um bass pesadão), e a club music da Europa. Mais tarde, eu lancei um funk com uma pegada alemã com o MC Gringo, o João Brasil e mais alguns artistas europeus e brasileiros.

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Nem eu, nem o Diplo entendemos português, então ouvimos as rimas dos MCs como sons, não como uma letra de música.

Nesses dez anos, qual foi a maior dificuldade enfrentada pela label?

Nós continuamos na dinâmica nesses dez anos, em cada ano havia novos desafios em termos de como lançar e vender música. Quando nós começamos, as vendas de CD e vinil eram muito fortes, então, de repente, houve uma estancada no mercado de CDs e, devagar, as vendas de vinis também começaram a diminuir — e diminuíram tanto que nós tivemos que mudar para a distribuição digital de música. Paralelamente, a social mídia emergiu, primeiro com o MySpace, depois com o Facebook e então com o SoundCloud, todos desafiando e dando uma abertura para que o selo se solidificasse institucionalmente. Esta abertura fez com que a label mudasse completamente neste intervalo de dez anos.

O mercado da música mudou, né?

Hoje, as gravadoras continuam agindo, procurando por novos talentos e dando aos artistas acesso às lojas de música online, ao passo em que respeitam os direitos autorais. Mas hoje os artistas podem traçar carreiras globais sem um contrato com uma gravadora apenas por terem suas músicas no SoundCloud e por serem reconhecidos nas redes sociais como o Facebook, Instagram e Twitter. A exclusividade de lançar um artista é algo que os selos perderam, porque antes as gravadoras que tinham essa exclusividade tinham toda uma aura de status. Por um lado, isso é bom para os músicos porque eles não precisam estar de acordo com datas de lançamento, a distribuição musical se tornou apenas uma questão a mais, mas é uma época muito delicada para a indústria da música. O serviço de streaming está ganhando muita grana, mas ainda não há nada como ter materializado um som em um CD ou em um vinil.

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Qual foi a pior e a melhor coisa que aconteceu na história do selo?

Ah, o melhor certamente é continuar gostando de lançar música depois desses dez anos e ter alcançado um público mundial com os lançamentos da label. A pior talvez seja ter que lidar diariamente com um mercado em recessão.

Quais são seus planos para o futuro? Você pode adiantar algumas novidades?

Nós acabamos de lançar o primeiro debut do produtor paulista Viní, o Coringa, que é sensacional, de outro nível. No geral, eu acredito que há uma geração muito boa de novos produtores no Brasil que são capazes de apresentar novas possibilidades para a tecnologia de apresentar novidades no ramo da música. O mesmo também acontece com os produtores de países africanos. Musicalmente falando, são tempos muito bons. Eu tenho um programa de rádio semanal na estação pública de rádio alemã "Funkhaus Europa" chamado "Luso FM", em que eu falo dos sons dos países que tem o português como língua pátria. E toda semana eu solto inéditas de países como Angola, Moçambique, Portugal, Cabo Verde e é claro que do Brasil também. São mixes exclusivos. Eu estou geograficamente fora de onde eu vivo, e isso me dá mais objetividade na hora de escolher, como se eu tivesse uma perspectiva neutra por não viver em nenhum desses países. No meu programa eu também apresento várias relações, musicais e culturais, dos países que falam português. Também está perto do lançamento do meu novo álbum, com mais alguns outros artistas que, por enquanto, não posso divulgar os nomes.

*Colaborou Peu Araújo

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