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Música

Conheça a História da Jockey Slut, a Melhor Revista de Dance Music que Você (Provavelmente) Nunca Leu

A trajetória romântica e irreverente da publicação criada por dois amigos de faculdade que perceberam que era possível ganhar a vida fazendo algo de que se orgulhavam.

Eu me lembro de ser jovem, pretensioso, impopular e gastar todos os meus trocados em revistas de música. Quando chegava o fim de semana, pegava minhas moedas, ia até a lojinha da esquina e passava uma boa meia hora sofrendo para decidir o que ia levar para casa. Andava pela escola com a NME na mochila. Lia matérias de capa da Mojo sobre a Mama Cass na banheira. Usava uma lanterna para ler as últimas resenhas da Q de madrugada. Revistas surgiam e desapareciam — o que aconteceu com vocês, Bang e X-Ray? — e assinaturas acabavam e se transformavam em outras. No final, tudo que me restou foram pilhas e mais pilhas de papel se decompondo lentamente, mas as memórias gravadas a tinta permanecem. Tinha uma revista, no entanto, que eu nunca peguei nas mãos. Eu folheava a Terrorizer, olhava a Mixmag, ficava numa dúvida cruel se comprava ou não a última Uncut e cogitava levar a Kerrang, mas nunca sequer segurei a Jockey Slut nas mãos.

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Assim como outras coisas quando você está beirando a puberdade — momentaneamente preso entre o medo primitivo da infância, a ansiedade insuportável da adolescência e os terrores adultos que o espreitam —, a Jockey Slut parecia quase de outro mundo na sua ilicitude implícita. Era uma revista que eu espiava de longe, com medo até de segurá-la. Quero dizer, já tinha ganhado o pior esporro da minha vida depois que uma amiga da minha mãe folheou uma edição da Kerrang que deixei pela casa e viu uma sessão de fotos particularmente repugnante do American Head Charge, então as chances de eu conseguir guardar impunemente uma revista chamada Jockey Slut debaixo do colchão eram poucas, na melhor das hipóteses.

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A Jockey Slut, descobri mais tarde, era uma publicação maravilhosamente irreverente que se orgulhava de tirar sarro da pomposidade da indústria da cultura de clubes, mas naquela época era um símbolo de um mundo que eu ainda não entendia. Avance quinze anos e estou sentado na Rough Trade, uma loja de discos independente em Londres, com Johnno Burgess, um dos fundadores da revista. Eu tinha encontrado uma pilha da revista no trabalho e, para um viciado em revistas como eu, isso foi como um presente de natal adiantado. Decidi procurar Johnno e descobrir como se faz uma revista tão boa que fez tudo que veio depois parecer uma cópia mal-feita.

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Criada em Manchester, no início dos anos 90 — pós-Madchester e pós-Boys Own — por Johnno Burgess e Paul Benney, a Jockey Slut emergiu de um período de idealismo em que, como explica Johnno, "as pessoas começaram a se dar conta de que podiam ganhar a vida fazendo o que amavam". Foi um momento em que uma geração percebeu que não precisava trabalhar no funcionalismo ou em bancos, e que aquelas conversas quimicamente aditivadas que rolavam nos lounges depois dos clubes fecharem as portas, em todo o país, podiam levar a uma mudança real.

Benney e Burgess se conheceram na universidade. Durante os seus estudos, Burgess editava a revista do centro acadêmico. Benney foi embora de Manchester depois de se formar, mas voltou à cidade por não achar trabalho na sua cidade natal, Milton Keynes. Na sua volta, Burgess sugeriu que eles criassem juntos uma revista, uma mistura da Boys Own com a Smash Hits. "Gastamos cerca de 400 euros na primeira impressão", lembra Burgess. O projeto da Jockey Slut, inicialmente materializado em um zine preto e branco, "aconteceu acidentalmente, mesmo. Achamos que só seria divertido para as pessoas de Manchester. Mas na terceira ou quarta edição, já tinha lojas de discos de Glasgow nos pedindo para vendê-las".

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Burgess acha que a revista, mesmo no começo, se destacava das outras publicações de música eletrônica porque, como ele diz, "A Mixmag e a DJ Mag não escreviam sobre os personagens por trás dos discos e dos clubes", focando-se, em vez disso, em resenhas mecânicas de discos mais voltadas para aspectos técnicos do que para sentimentos. Benney e ele sonhavam com uma revista que fosse uma mistura da Boys Own com a Smash Hits. "Foi isso que nos diferenciou na época", ele diz. "Nos definíamos pelo que não colocávamos na revista. Só escrevíamos sobre as coisas que adorávamos. Deixávamos de fora quem não gostávamos". Como motivo para isso, ele cita a sua localização, mais ao norte. "Estar em Manchester significava que os relações-públicas não conseguiam chegar até nós! Não tinha essa de "ei, vamos sair para tomar uma taça de vinho e depois você vai escrever sobre a minha banda de merda!". Sem mencionar nomes, Burgess conta que sim, uma vez um relações-públicas chegou a mandar um cheque de mil libras para a equipe da revista para conseguir uma matéria de capa. Eles educamente recusaram. Essa filosofia de trabalhar fora dos padrões continuou até a última edição da revista, em 2004. "Até o final, nos recusamos a dar uma linha sequer para artistas grandes se não gostávamos deles. O que irritava muito os relações-públicas."

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Ler a Jockey Slut em 2015 é um lembrete doloroso de como a cobertura da dance music se tornou entediante. A natureza imediata do conteúdo online e a maneira como as matérias produzidas para gerar comoção parecem fazer mais sucesso do que matérIas críticas tiveram como resultado a relegação do conteúdo (e das piadas) de verdade para segundo plano, e o favorecimento de matérias rápidas e superficiais e de entrevistas comedidas, moderadas e oferecidas pelos relações-públicas dos DJs e produtores. A imprensa de dance music — reduzida agora, em termos reais, a duas revistas (Mixmag e DJ Mag) — parece anacrônica, pitoresca, incapaz de acompanhar a rapidez da cultura de clubes e dos seus artefatos (sabe, os discos em si). O que coloca todo mundo em uma posição estranha. Por um lado, você pode argumentar que, de certa forma, a linguagem não poderia jamais sonhar em tranformar o caos da vida noturna em algo permanente, não poderia nunca aspirar traduzir a vivência em palavras. Por outro lado, você pode folhear algumas edições antigas da Jockey Slut e perceber que, porra, sim, isso é possível.

Sim, você pode retratar essa coisa toda — os clubes, os DJs, os produtores, os promoters, o público, os flyers, as artes, as pessoas no queijinho, as hostess, os seguranças, o pessoal da chapelaria e os traficantes — tão absurda, esquisita e engraçada quanto ela é na realidade. Sim, você pode dar algum significado às noites inacabáveis em porões escuros — ou ao menos, sob uma perspectiva Beckettiana, lançar luzes sobre a sua inerente falta de sentido. Sim, você pode tornar a experiência de ler sobre isso tão interessante quanto vivenciá-la. Mas como você faz isso? Ou, mais especificamente, como a Jockey Slut fazia isso?

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Usando o humor. A revista dava liberdade a jornalistas talentosos — gente como Emma Warren e Chantelle Fiddy — para escrever de maneira inteligente e incisiva. Entendia que, no fundo, discos são só discos, DJs são só DJs, festas são só festas e que todas as noites eventualmente se tornam manhãs. Mais importante, também tinha bom olho para perceber novos talentos antes das outras publicações. Artistas como Daft Punk, Boards of Canada e Avalanches fizeram suas primeiras aparições na imprensa inglesa via Jockey Slut. Não só de legendas engraçadas e mordazes vivia a revista, afinal de contas. "Fizemos a primeira entrevista com os Chemical Brothers também", conta Burgess. "Eles eram nossos amigos de faculdade, então não foi muito difícil." Foi essa intimidade, essa conexão, esse espírito meio "nós contra o mundo" que fez a Jockey Slut ser o que era. Embora a revista tenha se despedido há mais de uma década, o seu espírito ainda vive, de certa maneira, através da plataforma Bugged Out, de Burgess e Benney, criado paralelamente à publicação.

A Jockey Slut era uma revista que provava que o jornalismo musical não precisa ser sinônimo de pagação de pau inexpressiva. Fique de olho nesta seção, mais notícias relacionadas à revista virão em breve. Talvez seja hora de se preparar para o futuro…

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Tradução: Fernanda Botta

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