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Música

As garotas do Krewella falam sobre o rompimento com Kris “Rainman” Trindl: “a verdade é muito feia”

Numa longa entrevista com as irmãs Yousaf, elas contam como o antigo produtor da banda teve problemas com álcool, as processou e agora, finalmente, elas estão prontas para continuar.​
Photos by Erez Avissar

Fotos: Erez Avissar

É uma daquelas tardes pitorescamente bonitas de maio, em que as calçadas de Manhattan estão cobertas de dourado e de alguma forma não fedem a mijo. Até os dois homens na porta de uma mercearia no East Village, perpetuamente mal-humorados, descruzaram os braços e estão sorrindo para o fluxo de pedestres embriagados de sol que passam por ali — incluindo as irmãs Jahan e Yasmine Yousaf, do Krewella, vestidas com roupas inteiramente pretas e justas. Com 26 e 24 anos de idade, respectivamente, elas há pouco saíram das sombras de um restaurante próximo e estão andando pela Avenida A, procurando um espaço cênico onde nosso fotógrafo possa tirar algumas fotos para esta entrevista. Subitamente, os olhos de Yasmine se iluminam.

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"Tompkins Square Park! É como na música do Mumford and Sons!", ela diz, apontando para uma placa de metal com a mão coberta de tatuagens serpenteantes, seus olhos castanhos arregalados numa alegria infantil. Sem um pingo de inibição, ela começa a cantar docemente: "Oh babe, meet me in Tompkins Square Park…" Jahan, cujo maxilar anguloso contrasta com as feições juvenis de Yasmine, junta-se à ela com um sorriso sardônico: "I wanna hold you in the dark…" De braços dados, as irmãs se dobram numa gargalhada contagiante.

Rir de si mesmas nem sempre foi fácil para Jahan e Yasmine, que nos últimos dois anos estiveram sujeitas a um intenso escrutínio na internet devido a uma batalha legal amplamente noticiada — e bastante feia — com seu ex-colega de banda Kris "Rainman" Trindl, que deixou o grupo em 2014. (Trindl e Jahan também namoraram entre 2006 e 2011.)

Em 2012, Jahan, Yasmine e Kris eram as novas caras do florescente movimento EDM — ícones carismáticos da fritação ao som de drops sujos de dubstep, batendo seu cabelo molhado em milhares de estranhos suados e cedendo ao seu menor impulso. As irmãs eram as vocalistas e compositoras do grupo, enquanto Trindl produzia as batidas. Juntos, eles criaram um som inconfundível que toma de assalto cada nervo do seu corpo e te joga num canhão de confete de euforia irracional; doces ganchos pop e sintéticos flutuando sobre linhas de baixo destruidoras. O clipe de um dos seus primeiros hits, "Alive" — que atualmente tem 53 milhões de visualizações no YouTube — segue um grupo de adolescentes bonitos se pegando em meio a um apocalíptico surto destrutivo. O vídeo resume perfeitamente a sua marca visual: suja, divertida, sexy e incontrolável.

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Depois de ganhar um International Dance Music Award em 2012, na categoria "Melhor Artista Revelação", o trio tocou no palco principal de grandes festivais, como Ultra, Electric Daisy Carnival e Stereosonic. O seu disco de estreia, Get Wet, de 2013 — que misturava hardstyle, electro e dubstep com rock de arena e tinha nomes como Travis Barker, do Blink 182, e Patrick Stump, do Fall Out Boy, entre os músicos convidados — alcançou o primeiro lugar nas paradas dance da Billboard. Em uma época em que os palco principais eram dominados por Tiësto, Hardwell, Martin Garrix, Zedd, Avicii e Disclosure, as irmãs — que falam com orgulho sobre como cresceram em uma família muçulmana com um pai paquistanês — pareciam uma anomalia empolgante ao lado do batalhão de homens brancos de camisa preta em gola V. O Krewella também era um dos poucos grupos liderados por mulheres em uma cena dominada por homens — como o Nervo, mas mais cru.

Leia: "Como é ser pardo no mundo da dance music?"

A rápida ascensão do Krewella sofreu um abalo em março de 2014, quando Trindl perdeu um voo para o Electric Daisy Carnival, na Cidade do México, em que o grupo era uma das atrações principais. Segundo a defesa de Jahan e Yasmine ao processo movido por Trindl, esta foi a gota d'água que as levou a propor uma intervenção, em uma tentativa de frear um problema com álcool que ele teria desenvolvido paralelamente ao crescente sucesso da banda. Segundo documentos processuais obtidos pelo THUMP US, Trindl se recusou a entrar em um programa de tratamento e, em setembro de 2014, abriu um processo de US$ 5 milhões contra as irmãs, alegando ter sido injustamente removido da banda e destituído dos rendimentos equivalentes à sua parte no grupo. Na transcrição do processo, Trindl admite que bebia para lidar com a pressão do sucesso e acusa as irmãs de não apoiarem sua sobriedade após uma passagem anterior por uma clínica de reabilitação, em 2013, afirmando que elas "não gostavam do novo e sóbrio Kris" e "achavam que ele estava deprimido". Trindl também alegou que as garotas só queriam que ele se internasse em uma clínica para poder removê-lo do grupo, se estabelecer como uma dupla e lucrar mais sozinhas dali em diante.

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Leia: "Como o trabalho do DJ pode ser ruim para saúde mental?"

Em novembro de 2014, as irmãs apresentaram sua defesa, alegando que foi Trindl quem decidiu se demitir da banda. Elas também observaram que ele havia se recusado a aprender a discotecar para os shows, não estava cumprindo com suas funções de produtor, já que faltava às sessões de estúdio, e tinha se comportado de maneira agressiva nas turnês devido ao abuso de álcool. A briga logo ficou feia com o vazamento de documentos processuais, veiculados pelo Hollywood Reporter. A mídia começou a escrutinar obsessivamente cada desdobramento do caso, e o TMZ maliciosamente noticiou que Trindl havia sido "expulso" por "estar sóbrio demais". À certa altura, em 2014, o rompimento se tornou o trending topic no Facebook. O Deadmau5 se envolveu na história com um tweet sexista, aconselhando os aspirantes a trio como o Krewella a não demitir "o cara que realmente faz as coisas".

Em dezembro de 2014, Jahan escreveu uma carta aberta em resposta ao tweet, dizendo: "É quase como se, por você ser a mulher da banda, presumissem que você está ali apenas como um fantoche e totalmente desprovida de qualquer habilidade musical, criatividade ou visão… Estou pedindo a todos que pensem nas garotas que estão assistindo a esta reação pública e agora podem estar se sentindo desencorajadas a buscar um lugar autêntico em uma indústria dominada por homens".

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No entanto, com exceção do texto de Jahan e do seu primeiro single como dupla — não tão sutilmente intitulado "Say Goodbye" [algo como "diga adeus"], no qual cantam: "Leia meus lábios e cale a boca / Talvez seja você o culpado… A verdade vai aparecer" — as irmãs se abstiveram de comentar o rompimento. Na verdade, praticamente sumiram dos holofotes, dando um tempo nas suas contas (normalmente muito ativas) nas redes sociais. Elas recusaram pedidos de entrevistas da mídia, incluindo minhas próprias tentativas de descobrir o seu lado da história, explicando através do seu relações-públicas que haviam sido instruídas pelos seus advogados a não falar sobre o processo.

Em agosto de 2015, as duas partes chegaram a um acordo sigiloso. Enquanto isso, Trindl embarcou em carreira solo, lançando uma música com o rapper Sirah, vencedor do Grammy, por meio do selo Buygore, do Borgore, e saindo em seguida numa pequena turnê americana. As irmãs Yousaf também planejavam seu próprio retorno e, em maio, lançaram como dupla um EP chamado Ammunition, que foi recebido com festa pela crítica.

Em fins de abril, um relações-públicas da Sony Music me procurou, dizendo que as irmãs finalmente estavam prontas para contar a sua versão da história, na esperança de que isso ajudasse tanto elas mesmas quanto o público a seguir em frente. Marcamos uma entrevista por Skype direto da casa delas, em Los Angeles, e algumas semanas depois, quando as garotas estavam em Nova York em uma viagem de divulgação, nos encontramos pessoalmente para uma segunda conversa.

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E foi assim que me peguei caminhando pelo East Village com Jahan e Yasmine naquela tarde de maio. Mais cedo, debruçada sobre uma mesa de madeira durante um brunch de ovos mexidos e salada de beterraba com Nathan, seu empresário e relações-públicas da Sony Music, Jahan explicou por que havia demorado tanto para elas se abrirem: "Queria que parecesse que estávamos apenas nos divertindo, porque não queríamos decepcionar nossos fãs", ela disse. "Mas é como viver uma mentira, e quando o processo aconteceu, tudo ficou claro. Para os fãs, parecia algo novo, mas esta queda livre era algo com que lidávamos há anos."

Ela me olhou fixamente e continuou: "Vou ser direta: a verdade é muito feia. Não queremos pintar uma imagem ruim dele — quando uma pessoa está lidando com uma doença mental, você não quer colocá-la numa situação em que ela se sinta atacada — então vamos tentar explicar tudo da maneira mais gentil possível". Na entrevista a seguir, que combina nossa conversa via Skype e presencial e foi editada e condensada por razões de clareza, Jahan e Yasmine contam o que viveram nos bastidores durante o rompimento, como foi seu último encontro com Trindl e como estão reinventando seu som no seu retorno aos holofotes, desta vez nos seus próprios termos.

THUMP: Vamos começar pela tatuagem que vocês fizeram juntos, "6.8.10" — a data em que juraram dedicar suas vidas à banda. Vocês podem me contar um pouco mais sobre como foi esse início?

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Yasmine: 8 de junho de 2010 foi alguns dias depois de eu me formar no ensino médio. Kris já tinha largado a faculdade e Jahan tinha decidido não voltar para a faculdade. Nós quatro, incluindo [nosso empresário] Nathan, fizemos um juramento de largar tudo e trabalhar no Krewella em tempo integral. Se tornou o nosso "batismo".

Jahan: Acho que Kris foi em grande parte responsável pela nossa ética de trabalho. Quando começamos [e ensaiávamos] no porão da avó dele, ele nos mostrou como é ser batalhador e focar na sua arte. Ele dizia: "Olhem, Katy Perry compõe uma música por dia, vocês deviam fazer isso também". Yasmine era adolescente, e ele a ameaçava — não de um jeito maldoso — tipo: "Você não pode mais fazer parte desse grupo a menos que se esforce". Isso fez Yasmine se mexer. Ele estabeleceu um precedente que, se você não está fazendo a sua parte, não é justo com os outros membros.

O processo de Kris alegava que vocês contrariaram o que tinham combinado nesse juramento no que dizia respeito às finanças da banda. Constava nesse juramento que vocês dividiriam os lucros da banda igualmente entre os três?

Yasmine: Nunca fizemos um contrato ou qualquer tipo de acordo a respeito de dinheiro. Eu ainda estava no ensino médio — não estava focada no meu futuro de jeito nenhum.

Jahan: Depois [de Kris e eu] acabarmos, fomos obrigados a trabalhar juntos, morar no mesmo loft, fazer turnês juntos — então tínhamos que fazer isso funcionar. Passamos de estar apaixonados a melhores amigos. Quando você acha que alguém é seu irmão, não acha que vocês vão se sacanear. Meu dinheiro é da Yasmine e vice-versa.

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Vocês são conhecidas por ter essa atitude "nem aí", e muitas das suas músicas e dos seus clipes retratam um estilo de vida baladeiro, de rock star. Vocês badalavam muito quando começaram?

Jahan: Eu bebia muito quando começamos a sair em turnê. Só discotecávamos [em vez de cantar ao vivo], e eu tomava alguns shots durante os nossos sets. Foi como uma fase de lua de mel: clubes com serviço de garrafa e qualquer coisa que quiséssemos num estalar de dedos. Era muito empolgante, mas você podia facilmente se perder por esse caminho e ficar preso nesse estilo de vida. Até antes disso, eu saía o tempo todo e enchia a cara. Apagava direto. Mas acho que passei da fase. Tínhamos uma rotina muito rigorosa de turnês, e Yasmine e eu percebemos que, para darmos uma performance entusiasmada para os nossos fãs, tínhamos que nos cuidar, então paramos de beber. O sucesso do Krewella me deu um sacode e me fez pensar: "Não posso estragar tudo".

Yasmine: Não queremos ser exemplos de sobriedade. Assista a qualquer um dos nossos clipes antigos, parecemos bêbadas. É engraçado. Acho que descobrimos com o tempo que não podíamos beber [e continuar sendo profissionais]. E eu nunca usei drogas, então não sei como é.

Vocês nunca usaram drogas?

Yasmine: Não. Nunca vale a pena fazer uma performance ruim, subir no palco desse jeito. Sinto que sou mais genuína e autêntica quando estou sóbria. Consigo transmitir tudo que estou sentindo e de uma forma totalmente pura.

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Jahan: Quero ter uma vida longa e saudável. Quero excursionar por muitos anos, e não quero acabar esgotada. Respeitamos nossos corpos nesse sentido.

Yasmine: Por outro lado, depois que fomos acusadas de expulsar Kris da banda por estar sóbrio porque era entediante, não queria ser vista em público com uma bebida na mão. Até segurar uma cerveja parecia errado para mim. Durante uns seis meses, eu não saí, e se saía, não bebia. Definitivamente senti uma pressão para provar que estava sóbria, que não queria sair e nem que ele saísse. Agora definitivamente não me sinto mais assim — percebi que é uma estupidez deixar outras pessoas decidirem como você vai viver a sua vida. Sei o meu limite. Se alguém me vir bêbada, quem liga? Não posso ser perfeita.

Acho que Kris foi em grandeparte responsável pela nossa ética de trabalho. Quando começamos [eensaiávamos] no porão da avó dele, ele nos mostrou como é ser batalhador efocar na sua arte. Ele dizia: 'Olhem, Katy Perry compõe uma música por dia,vocês deviam fazer isso também'. — Jahan Yousaf

Como vocês descreveriam a série de eventos que levaram Kris à reabilitação em 2013?

Yasmine: Em agosto de 2013, Kris teve uma intoxicação por álcool e foi hospitalizado em um show em Phoenix. A irmã, a mãe dele e o [nosso empresário] Jake voaram até Phoenix para trazê-lo de volta para Los Angeles, e àquela altura decidiram que o problema dele havia se tornado muito sério e que ele precisava de ajuda. Infelizmente, esse momento coincidiu com a primeira turnê realmente grande do Krewella como atração principal, a turnê "Get Wet", de setembro de 2013. Tínhamos que achar um jeito de explicar por que Kris não estava na estrada conosco na primeira metade dessa turnê e apenas dissemos que ele estava doente.

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Jahan: Apesar de que você possa ter lido na internet sobre como tentamos expulsá-lo do Krewella, na verdade foi muito traumatizante para nós sair em turnê sem ele. Achávamos que era muito importante ter o membro masculino do grupo lá, que os fãs achavam que era o produtor. Lembro de não querer que os fãs pensassem que tudo girava em torno de nós duas.

O processo de Kris alegava que, quando ele saiu da reabilitação, você e Yasmine "não gostaram" do fato de ele estar sóbrio e acharam que ele estava "deprimido". O TMZ chegou até a sugerir que vocês o estavam forçando a sair porque ele estava sóbrio.

Jahan: A parte mais dolorosa daquela manchete foi que ela dizia que o expulsamos porque ele não era mais divertido — porque ele estava sóbrio e nós queríamos curtir.

Yasmine: O engraçado é que ficamos sóbrias muito antes de ele ir para a reabilitação. Sempre admirei Kris como um irmão mais velho que não podia errar, então foi muito difícil para mim aceitar o fato de que ele tinha um problema. Não achava que ele fosse um alcóolatra até o dia em que ele entrou na reabilitação.

Jahan: Respeitamos a sobriedade dele, mas estávamos meio que em negação — não queríamos pensar que o nosso irmão era alcoólatra — então, quando o víamos bebendo, quase tínhamos que rir disso, tipo: "Haha, você está bêbado de novo". Porque era muito deprimente saber que nada do que fazíamos funcionava. Lembro de esperarmos muitas vezes no carro, às cinco da manhã, porque não sabíamos onde ele estava.

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Ele simplesmente desaparecia depois dos shows?

Yasmine: Sim, muitas vezes eles desaparecia. Nos sentíamos como a mãe dele na estrada: preocupadas com ele, colocando-o na cama, carregando-o até o seu quarto de hotel.

Além da manchete do TMZ, vocês acham que há outras concepções erradas circulando por aí sobre a banda?

Jahan: Acho que a suposição que mais me irritou foi a que [Yasmine e eu] não trabalhávamos. [Kris] estava levando todo o crédito. Isso tinha tudo a ver com o fato de sermos mulheres. Pouco antes de decidir abandonar o Krewella, o próprio Kris me disse: "Eu nunca devia ter confiado em duas garotas bonitas".

Te surpreendeu que ele tenha dito isso?

Jahan: Me magoou porque ele pensou que a gente estava sacaneando ele. Não importava o que disséssemos, não conseguíamos fazê-lo entender que não era justo que Yasmine e eu estivéssemos trabalhando tanto e nos esgotando na estrada — e que ele precisava se esforçar.

Como era a estrutura dos shows quando vocês começaram?

Yasmine: Quando começamos a fazer shows e a discotecar, ele não queria subir no palco conosco. Mas vimos que os fãs ligavam muito para a produção, então ficamos tipo: "Você precisa estar lá em cima tocando. Os fãs querem ver todos nós".

Jahan: A cena [de música eletrônica] valoriza muito os produtores — não é como no mundo da música pop. É por isso que o encorajamos a ser um rosto do grupo. Em todos os ensaios fotográficos e videoclipes, estávamos sempre dizendo a ele para ficar na frente. Era muito importante para nós combater a ideia de que as garotas recebem toda a atenção em função do seu apelo sexual.

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Vocês sentiram como se o tiro tivesse saído pela culatra quando mais tarde as acusaram de não ter nada a ver com a composição das músicas?

Yasmine: Acho que vão dizer isso pelo resto da nossa carreira. Nos envolvemos profundamente com tudo que fazemos, da música aos shows, passando pelos clipes. É horrível ter sua credibilidade arrancada de você, mas isso é o ego falando.

Kris começou sendo o principal produtor do grupo — quando isso mudou?

Yasmine: Eu diria que ele produziu uma boa parte do nosso disco Get Wet. Mas isso era quando ele não estava bebendo muito pesadamente e deixando de trabalhar, então tivemos que chamar produtores de fora. Lembro de algumas faixas do disco que quase não entraram porque Kris não trabalhava nelas, então não conseguíamos finalizá-las. Depois de Get Wet, ele já não era mais o produtor principal.

Jahan: Escrevemos todas as músicas. Mas nunca alegamos ser engenheiras [de som]. As pessoas dizem: "Ah, elas têm um produtor-fantasma", mas quase todo artista tem uma produção por trás — se você der uma olhada nos créditos [dos discos], [lá vai estar]: "bateria por fulano, guitarra por ciclano". Você quase poderia nos classificar como produtoras executivas, no sentido que supervisionamos todo o processo e estamos presentes no estúdio com os produtores, transmitindo nossa visão a eles.

Vocês podem falar um pouco mais sobre as acusações que fizeram no processo de que Kris "fingia discotecar" enquanto vocês estavam em turnê?

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Jahan: O problema é o seguinte: ele não conseguiu se manter sóbrio depois da reabilitação e continuou sendo destrutivo no palco quando estava em turnê conosco, o que comprometia os nossos shows. Yasmine tinha que literalmente programar um controller para ele que não fazia nada, para parecer que ele estava fazendo alguma coisa. Mas não víamos problema nisso. Dissemos: "Você pode focar na produção, nós cuidamos dos shows".

Ele não disse que ficou em casa para produzir música enquanto vocês saíam em turnê?

Jahan: O produto que ele entregava não mostrava que ele estivesse trabalhando e fazendo a parte dele.

Nathan: Nós estávamos fazendo reuniões semanais para manter todo mundo atualizado e responsável porque eles estavam morando separados. Era muito diferente do primeiro EP, quando estávamos todos no mesmo loft e eles trocavam ideias constantemente. Chegou ao ponto em que ele não estava fazendo progresso e nem se encontrar com seus colegas de banda queria mais. Durante várias semanas, não sabíamos mesmo o que estava acontecendo. Acho que ele estava igualmente frustrado com a pressão, e foi difícil porque ele tinha se isolado no quarto. Ele estava morando com Jake em uma casa com mais oito pessoas e ninguém nunca o via.

Não é irônico que ele tenha dado a vocês a sua ética de trabalho, mas, no fim, vocês estejam dizendo que ele teve que sair da banda porque não estava trabalhando duro o suficiente?

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Jahan: Sim, e o sonho dele era fazer sucesso — ele queria que o Krewella fosse a maior banda do mundo. Então conseguimos um contrato com uma gravadora e todas essas coisas maravilhosas aconteceram conosco. Não sou terapeuta, então não sei o que estava passando pela cabeça dele para não aproveitar essa oportunidade e ser incrivelmente grato por ela.

Yasmine: Olhando em retrospectiva, acho que o sucesso meio que o enlouqueceu, mas não porque o sucesso fosse o que ele temia. Deixa eu explicar: tinha Jahan, eu, Jake, Nathan e ele. Esperávamos demais um do outro — não porque quiséssemos nos levar ao limite de uma maneira ruim, mas porque acreditávamos uns nos outros. Acho que a pressão de outras pessoas trabalhando tão duro ao redor dele o fez ter medo de que talvez não fosse bom o suficiente. Teve várias vezes em que ele ficou tipo: "Talvez eu não tenha sido feito para isso".

Foda-se: não existem regraspara nós agora. Não pertencemos a una cena. Vamos criar a nossa própria cena. —Jahan Yousaf

Foi na casa do Jake onde vocês confrontaram o Kris e fizeram uma intervenção superdramática em 2014, certo?

Jahan: Sim. A casa funcionava como escritório para a empresa do Jake, TH3RD BRAIN. [No dia da intervenção], convidamos os membros mais chegados da equipe, incluindo nosso advogado, nosso agente de booking e nosso agente de turnê. Havia umas dez pessoas na sala. Todos nós escrevemos cartas para Kris, fizemos uma roda [e as lemos para ele]. Foi muito emocionante para nós, mas quanto ao Kris, ele não esboçou muita reação — mesmo com [Yasmine] chorando e lendo essa carta sobre como ela costumava admirá-lo como um irmão mais velho e se sentia triste vendo alguém com quem ela se importava não se importar consigo mesmo.

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Ele diz que vocês o expulsaram, enquanto vocês dizem que ele pediu demissão. É difícil conciliar duas histórias tão diferentes.

Yasmine: Nós fizemos uma intervenção e ele entendeu isso como se estivéssemos tentando expulsá-lo do grupo. Nunca quisemos que ele fosse embora. Queríamos que ele ficasse saudável. Isso aconteceu no pior momento do mundo, porque estávamos prestes a tocar no Ultra, no Coachella, no Lollapalooza da América do Sul, e depois sair em uma grande turnê americana. Lembra que perdemos a primeira metade da turnê de "Get Wet"? Foi tipo, essa merda de novo, não. Não queríamos sair em turnê sem ele, mas tivemos que fazer isso, obviamente.

Qual foi o último contato que teve com ele?

Yasmine: A última vez que nos vimos cara a cara foi na mediação. Estávamos chorando nos braços um do outro, abraçados, então o advogado dele veio e o levou embora.

Por que vocês estavam abraçados?

Yasmine: Porque amo o cara, sabe? É esquisito passar de uma situação em que você vê alguém todos os dias e de repente vocês estão brigando por causa dessa coisa horrível e você não sabe que diabos aconteceu. Quando saímos, chamei ele num canto e disse: "Eu sinto muito". Comecei a chorar e ele só me deu um abraço e ficamos abraçados. Foi isso.

Então ele estava sofrendo enquanto isso acontecia?

Yasmine: [chora] Ele estava sofrendo, certamente. Não quero nunca tirar isso dele — o fato de que isso foi muito duro para ele.

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Se posso ser completamente sincera, parece que isso ainda machuca vocês.

Yasmine: É só a lembrança. É uma coisa difícil de lembrar. Difícil de falar.

Jahan: Eu ainda não superei totalmente. Ainda me sinto tentada a mandar um e-mail para ele. Depois da música mais recente dele, quis mandar um e-mail e dizer: "Parabéns". Às vezes finjo que ainda somos amigos, criei essa fantasia estranha na minha cabeça em que fico tipo: "Vou chamá-lo para comer tacos!" Porque da última vez que falamos por telefone, ele disse: "Só quero ser seu amigo de novo e sair para comer tacos com você e Nathan". Na minha cabeça, ainda acho que isso pode acontecer.

Vocês acham que poderiam voltar a ser amigos?

Yasmine: Acho que se um dia ele voltasse atrás e quisesse fazer as pazes e ser meu amigo, obviamente o nível de confiança que tínhamos um no outro jamais seria o mesmo, mas nunca fecharia as portas para ele na minha vida. Nunca. Passamos por muita coisa juntos. Nunca ignoraria os telefonemas ou e-mails dele se ele quisesse nos encontrar ou precisasse de ajuda com alguma coisa.

Jahan: Sim, eu falaria tipo: "E aí, cara, como vai a vida?"

Nunca fecharia as portas paraele na minha vida. Nunca. Passamos por muita coisa juntos. — Yasmine Yousaf

JJahan, o que te levou a escrever uma carta aberta para o Deadmau5?

Jahan: Fico feliz que você tenha mencionado isso, porque acho que o Deadmau5 a interpretou errado, como se eu tivesse dito que ele era sexista. Eu não disse que ele era sexista, disse que ele estava promovendo a ideia sexista do homem fazendo todo o trabalho. Quando ele tuitou: "Se vocês são um trio, não expulsem o cara que faz todo o trabalho", ele estava negando completamente o fato de que Yasmine e eu estávamos fazendo a maior parte do trabalho.

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Yasmine: Oito meses depois, ele tuitou que [as nossas CDJs] estavam desplugadas no Ultra. E isso só comprova que ele pensa que somos apenas testas-de-ferro.

Jahan: Se você tem uma quantidade imensa de poder e influência, acho que é importante ter certeza de que sabe do que está falando. Você pode arruinar reputações. Ele ganhou mais atenção do que a matéria do TMZ, então acho que ele foi a principal figura a espalhar essa mentira sobre nós.

Yasmine: Ele também disse que você estava choramingando, quando você estava fazendo uma observação que era super-relevante.

Acho que tem a ver com a maneira como a sociedade valoriza diferentes tipos de trabalho. Um determinado tipo de trabalho técnico é tido como masculino e ganha uma importância quase exagerada, enquanto todo esse trabalho criativo — como os vocais — não é tão valorizado.

Jahan: Você me fez perceber uma coisa agora. Não importa quantas horas você dedique ao trabalho, [as pessoas vão pensar] que a produção é mais importante.

Yasmine: O motivo por que somos tão famosas é porque tínhamos uma música no rádio. Como você acha que uma música entra no rádio? Ela tem vocais. Quem disse que um tipo de trabalho é mais importante?

Jahan: Não acho que isso precisa ser sobre quem é tecnicamente mais competente. Na cena EDM, muitos produtores e vocalistas sequer são creditados nas músicas. Então por que não vemos a mesma indignação com os cantores-fantasma? [Na nossa música], a produção tinha o mesmo peso das letras e da emoção da música. O fato de que as pessoas colocam tanta ênfase na produção, como se esse fosse o único valor, meio que descreditava nosso trabalho como vocalistas.

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Que equipamentos vocês estavam usando? Por que o Deadmau5 diria que vocês estavam desplugadas no Ultra?

Yasmine: Porque a maneira como plugamos nosso equipamento é através de um modo totalmente diferente de provavelmente tudo que ele já usou. Estávamos usando CDJs e um mixer como todo mundo, mas o modo que usamos se chama HID. É algo que cada vez mais pessoas estão usando. Meu namorado usa quando discoteca, e ninguém nunca o critica.

Como funciona o modo HID?

Yasmine: Ele elimina [a necessidade de uma] placa de som, então fica só o computador plugado diretamente no mixer. Você só precisa ter um certo driver no seu computador para fazer o software funcionar. Sem o intermediário, você não precisa mais de um milhão de cabos. É menos complicado e mais fácil de montar, com um som melhor. Mas se você olhar o equipamento dos outros DJs, é um monte de cabos saindo de tudo quanto é canto, e tínhamos só três cabinhos plugados. As pessoas olham isso e pensam: "Ah, não tem nada plugado".

Um cara incrível fez esse vídeo no YouTube depois do Ultra. Ele não nosso é fã — na verdade, ele odeia a nossa música. Mas ele fez esse vídeo descreditando o que o Deadmau5 disse, explicando: "Sim, elas estavam plugadas; deixa eu mostrar como". E é engraçado, porque dá para notar o quanto ele nos despreza, mas ainda assim, não suporta que tenham dito que estávamos desplugadas, porque sabe que não estávamos.

Na sua carta aberta, Jahan, você se manifesta contra o assédio na internet e o efeito negativo que ele tem sobre a cultura das mídias sociais. Vocês duas eram muito ativas no Twitter — por que decidiram dar um tempo? E agora que saíram da hibernação, tem sido diferente usar as redes sociais?

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Yasmine: Entre [o nosso último lançamento] e "Beggars", lançada no mês passado, passamos um ano sem [lançar] música, então parecia estranho aparecer na internet, as pessoas perguntavam "Então, quando é que saem as músicas novas?", e eu respondia "Logo!", mas não tinha nada para sustentar o que estava dizendo. Agora que temos todo esse material saindo, acho que há mais motivo para se engajar.

Jahan: Ainda recebemos mensagens ofensivas, mas tudo que aconteceu nos últimos dois anos, com o processo e muitos fãs escolhendo um lado, meio que filtrou as pessoas. Então as que ficaram são o nosso núcleo central, [que é] muito dedicado e apaixonado. São os melhores fãs que você pode querer.

Me falem sobre "Ammunition", a faixa-título do seu novo EP. De onde veio esse nome?

Yasmine: A música em si, "Ammunition", é o que gostamos de chamar de "uma canção de amor para ouvidos surdos". Mas significa muito mais do que isso. Fala sobre tudo que passamos nos últimos dois anos. Todas as coisas incríveis, ruins, feias — tudo isso serviu de munição para fazer o que estamos fazendo agora e superar qualquer coisa que nos segurasse. Esperamos que "Ammunition" dê às pessoas a força para saber que quando qualquer coisa ruim que acontece com você, você pode virar a mesa, tirar proveito disso e continuar sendo forte.

Jahan: Ainda me sinto como uma garota de 16 anos , às vezes, mas amadurecemos — aprendemos a ser artistas felizes enquanto sentíamos que nossa carreira estava indo por água abaixo, enquanto as pessoas nos diziam que éramos irrelevantes. Às vezes nós nos sentíamos irrelevantes. Mas a sua vida vai ser uma montanha-russa se a sua autoestima se basear no que milhares de pessoas pensam de você.

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Vocês acham que o seu som mudou sem Kris? "Beggars", do novo EP, não me parece tão diferente das músicas que vocês lançaram no começo da carreira.

Yasmine: Obrigada por dizer isso. Muita gente está dizendo tipo: "O velho Krewella era melhor!" Eu diria que [o nosso som] evoluiu em vez de mudar. Porque, no fim das contas, nós duas compondo sempre foi o fio condutor. Ainda adoramos músicas contundentes. Somos garotas sentimentais. Cantamos e compomos com o coração.

Jahan: A saída de Kris meio que nos forçou a focar nos vocais e na narrativa. Então, se alguém diz "vocês soam diferente", bem, sim: agora o foco está mais na letra e na música. O que é empolgante, porque isso nos empodera também.

Yasmine: Se você escutar outras faixas do EP, como "Marching On" e "Ammunition", ele definitivamente não tem um som muito dubstep. Nós o estamos rotulando de "dance music alternativa". "Ammunition" quase não é uma música dance — o som principal naquele drop é uma guitarra e um vocal. Apesar das letras de "Say Goodbye", "Somewhere to Run", "Beggars" e "Broken Record" falarem às vezes sobre Kris, consigo ver todas essas quatro músicas sendo lançada enquanto ele ainda estava no grupo. Era exatamente a trajetória musical que estávamos trilhando.

Jahan: O nosso som evoluiu no sentido que trabalhamos com produtores para incorporar elementos reais, como guitarra e tambores tribais [no novo EP]. Mas esse [som] "rock and rave" era algo que estávamos tentando alcançar mesmo quando Kris ainda estava no grupo.

Uma grande parte do EP foi inspirada por todas as coisas que aconteceram. É quase como se vocês estivessem tentando mandar um recado pelas ondas de rádio.

Jahan: É estranho. Não queremos falar mal, porque as coisas estão feias, mas descobrimos que a arte é um jeito de dizer as coisas que você não pode dizer na vida real. Porque nos sentimos rejeitadas com os rumores, meio que parecia que não pertencíamos a lugar nenhum, e foi quase como uma bênção disfarçada. Tipo, foda-se: não existem regras para nós agora, e vamos fazer o que bem entendermos porque não pertencemos a una cena. Vamos criar a nossa própria cena.

Yasmine: O nosso EP é um monte de coisas que nunca pudemos dizer, então colocamos na música.

Vocês ainda querem tocar nos grandes festivais de EDM, certo?

Yasmine: Queremos — eventualmente. Mas não acho que a gente precise depender do EDM. Por mais que eu ame o EDC, se nunca mais tocarmos lá, não vai ser o fim do mundo. Se o Lollapalooza ou o Coachella se tornarem algo central para nós, não acho que seja errado dizer que esse é um caminho que podemos seguir.

Jahan: Sou uma pessoa otimista. Acho que vamos voltar aos palcos dos festivais. Talvez só demore um pouco.

O que vem depois de Ammunition?

Yasmine: Temos outra música saindo. Odeio dizer que é um "foda-se", mas meio que é. Nós só a escrevemos num fluxo de consciência e a produzimos com o nosso amigo Chaz.

Jahan: Michelle, sempre vai ter outro projeto. Yasmine e eu nunca vamos parar de trabalhar. A ética de trabalho que Kris estabeleceu para nós ainda está nos nossos ossos — é como se estivesse no nosso DNA musical.

Ammunition foi lançado pela Columbia Records

Michelle Lhooq é editora de reportagem do THUMP. Siga-a no Twitter.

Tradução: Fernanda Botta

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