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Música

O MC Bin Laden só queria ir pros EUA

Depois de barrarem pela segunda vez a entrada do MC nos EUA, falamos mais sobre o funkeiro mais conhecido no Brasil e a importância da sua música — dentro e fora do país.
Photos by Caio Kenji

Fotos por Caio Kenji

Este perfil foi publicado originalmente no THUMP US por motivos de: o Bin Laden ia tocar no festival Warm Up, no MoMA e numa das festas mais legais de Nova York, a GHE20G0TH1K. Infelizmente, não deu (pela segunda vez). O intrépido repórter João Paulo Vicente nos conta mais sobre a trajetória de Jefferson Cristian dos Santos Lima e a importância de sua música para o mundo. Acompanhe em PT-BR:

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Boa sorte ao tentar encontrar o MC Bin Laden. Em junho, entre uma turnê europeia e preparativos para seu primeiro show nos EUA – que deveria rolar no Warm Up do PS1 do MoMA e na GHE20G0TH1K— o funkeiro mal conseguiu respirar, quanto mais conversar comigo. Quando finalmente nos encontramos, na última quarta-feira, 20 de junho, rolou o sorrisão que normalmente está presente em suas transmissões diárias no Facebook aos fãs. E caso você tivesse suas dúvidas de como alguém chamado Bin Laden poderia tocar em Nova York?, está certo, ele não vai. Seu visto foi negado, mais uma vez.

Com metade do cabelo pintado de louro e onipresença nas redes sociais, Bin Laden é a voz de um tipo de jovem brasileiro que a classe alta — e a mídia musical — muitas vezes escolhe ignorar, que luta não por mudanças políticas, mas pra diversão e zuera sem limites. Ainda assim, seus problemas recentes na obtenção do visto sugerem que há fronteiras que o público norte-americano, ou ao menos as autoridades (Brasil incluso), não estão dispostas a cruzar, não importando a forma humorística com que sejam apresentadas.

Leia: "O Bin Laden está no Brasil e agora é funkeiro"

Até terça-feira, 19 de junho, Bin Laden, o Jefferson Cristian dos Santos Lima, estava com tudo certo para ir aos EUA. Sua documentação havia sido despachada por um representante nos Estados Unidos, passagens compradas e malas prontas. Mas aos 45 do segundo tempo, o Consulado Americano em São Paulo ligou e pediu por um teste final: um exame de drogas, inédito para brasileiros de viagem marcada para os EUA. Já havia acontecido anteriormente com nomes como Kate Moss, Amy Winehouse, Nigella Laswon e Russel Brand — que admitiram ter usado drogas antes. Bin Laden, evangélico, insiste que está limpo, mas não houve tempo para realizar o exame antes da data de seu voo, não restando escolha além de cancelar seus shows em Nova York.

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"Em entrevista anterior com o consulado, eles ficaram me perguntando do clipe 'Bin Laden Não Morreu', o que eu queria dizer com ele. Disse que era só piada, coisa de início de carreira. Estou em outro momento. Mas acho que não sacaram", comentou o funkeiro.

É um gordinho que se deu bem. Não tem como não gostar. – Gustavo Gomes, do Marginal Men

Não é a 1ª vez que Bin Laden foi barrado de entrar nos EUA. Em 2015, após encontrar com Diplo em São Paulo no mês de março e gravar com o produtor português Branko em agosto, uma mini-turnê norte-americana estava em seus planos, que foram por sua terra quando sua trupe toda tentou tirar visto de turista. De acordo com o funkeiro, o consulado rejeitou o pedido sem explicar o motivo.

Leia: "Eu não sei se o Bin Laden não sabe quem eu sou", diz Diplo

Mas Bin Laden crê que na terceira tentativa tudo corra bem — sua equipe inclusive já está remarcando a apresentação no Warm Up. "É um sonho realizado, pra mim, ir a Nova York. Nunca achei que faria isso, agora tenho que ir. E vou gravar um clipe lá. Dá pra imaginar? Um clipe do Bin Laden em Nova York? Vai parar o mundo, mano", ele brinca ao passo em que apressa-se em deixar claro que não quer causar mal algum. "Só quero ver a Estátua da Liberdade e pedir a liberdade para alguns de meus amigos presos".

"As letras não têm pé nem cabeça, é como se estivessem zoando, daí alguém tem uma ideia e horas depois aquilo vira uma música", comentou Renato Barreiros, que dirigiu dois documentários sobre o funk ostentação em São Paulo. "Mas Bin Laden destaca os fonemas, de forma que se tornam universais, então você nem precisa entender português".

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Por mais que as letras de Bin Laden por vezes cheguem a ser ofensivas ("Tô comendo a famosinha do Instagram", em "Famosinha do Instagram"), o jovem funkeiro é um moleque humilde que abraçou a imagem de fodão pra bombar a carreira. Nascido em uma família pobre no bairro de Vila Progresso, na zona leste de São Paulo, ele começou a rimar em meados de sua adolescência, com o nome artístico MC Jeeh 2K.

Em fevereiro de 2014, ele lançou "Bin Laden Não Morreu" via KL Produtora, cujo dono, Emerson Martins, logo notou como a música bombava nos fluxos. Foi aí que Emerson sugeriu que ele mudasse seu nome artístico para "Bin Laden", pra ganhar em cima da fama daquele single.

Conhecido entre a galera como "A Firma", o estúdio e selo KL surgiu em 2013, época em que o funk ostentação comandava, com base no funk carioca do final dos anos 90 e começo dos 2000, gênero fortemente influenciado pelo Miami Bass e liderado por DJs como Marlboro. Mas enquanto o foco do funk carioca estava no DJ, no funk ostentação os holofotes estão no MC, popularizado por gente como MC Guimê.

Veja: "Nove clipes que mostram como era o funk paulista antes da ostentação"

"[A música do Guimê] deixou de ter efeito com seu público original, gente que morava em bairros mais pobres e favelas que não teriam como bancar aquilo", explica Barreiros. "E aí veio o Bin Laden". Enquanto outros MCs de ostentação estavam em carrões, Bin Laden seguia fiel às raízes. "Mesmo quando ele estourou com seu primeiro sucesso 'Bololo Haha' ainda postava fotos [nas redes sociais] andando de ônibus", disse Barreiros.

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QUOTE"Só quero ver a Estátua da Liberdade e pedir a liberdade para alguns de meus amigos presos." – MC Bin Laden

Bin Laden, ainda que evangélico, já falou de drogas e sexo em suas letras, o que lhe coloca no mesmo patamar de outro subgênero do funk: o proibidão, marcado por letras marginais sobre uma vida dureza. Por mais que os funkeiros e DJs envolvidos com o proibidão tenham sofrido com rumores de ligação com o crime organizado lá nos anos 90, a geração atual de artistas costuma tratar esta imagem de fodão como piada.

"Esta nova onda do Proibidão era caricata demais. Tinha o MC Kauan, que se apresentavam com o Coringa, e o Bin Laden, que esse pessoal vê como o pior violão do século", disse Barreiros. Por mais que seu nome pareça uma escolha de péssimo gosto, é também uma provocação.

Quando se leva em conta que Bin Laden cresceu em uma região extremamente pobre, em que você tinha que ser esperto com as palavras e agressivo o bastante para se defender, talvez não seja surpresa que ele tenha adotado uma personalidade tão chamativa, com dançarinos vestidos de terroristas e até mesmo um ator vestido de Bin Laden com barbona branca e tudo em clipes como "Bin Laden Não Morreu" e seus shows.

Seu nome é infeliz. Mas assim é que é: você escolhe um nome no começo da carreira e é isso – Branko

Mas fora essas jogadas, a música de Bin Laden não tem muito a ver com o terrorista de onde tirou seu nome. Seu maior hit é "Tá tranquilo, tá favoravel", mas o título não captura toda a emoção da faixa, aquela sensação de bem-estar na balada mesmo que a sua vida não esteja lá grandes coisas. Na faixa, Bin Laden pede para que as pessoas façam o sinal do Ronaldinho. "Aconteceu uma coisa engraçada quando tocamos 'Tá Tranquilo' em Lisboa no mês passado", disse Gustavo Gomes, metade do duo de DJs Marginal Men. "Algumas pessoas conheciam a música, mas alguns britânicos perdidos começaram a fazer o hang loose porque esperavam que fosse rolar 'Hotline Bling'".

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Em 2015, durante os preparativos do Boiler Room em São Paulo, Bin Laden e os caras do Marginal Men se encontraram no Estúdio Red Bull em São Paulo para gravar uma faixa chamada "Louca" para o novo disco de Branko pela Enchufada, Atlas. "Acho que foi a primeira vez dele num estúdio grande como aquele, mas isso não impediu o cara de comandar assim que entrou ali — zoando geral e então focando no trabalho quando chegou sua hora de cantar", relembra Gomes. Atlas, inclusive, foi lançado na edição do Boiler Room do qual Bin Laden fez parte em setembro de 2015. A energia de Bin Laden naquele show é uma boa maneira de se tentar explicar seu apelo. "Todas as boates em que toquei na Europa estavam lotadas. E a galera não parava de pular e cantar. Acho que não estão acostumados em ver um muleque doido feito eu", brinca Bin Laden.

"Pode parecer que ele não tem ideia do que está fazendo, mas isso não é verdade. Ele tem total ciência de como agir independente de onde está. Se ele tem que meter o louco, ele mete. E o amam por isso", explica Gomes. Para Branko, o fato de que Bin Laden é um dos primeiros funkeiros paulistas a bombar no além-mar é simples de se entender. "Ele é um entertainer, e dos bons. Sua voz é mais suave que a da maioria, ele tem uma pegada mais leve [comparado a outros MCs], sempre está disponível para os fãs e se encaixa no som bass global que tem rolado por aí", diz.

"Seu nome é infeliz, sim", comenta Branko. "Mas assim é que é: você escolhe um nome no começo da carreira e é isso". Dito isso, Branko mesmo mudou de J-Wow em 2013 por conta do Jwoww de Jersey Shore. Ao refletir um pouco, Branko crê que o mundo está pronto para alguém se apresentando com um nome tão controverso quanto MC Bin Laden. Gomes concorda: "É um gordinho que se deu bem. Não tem como não gostar".

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Sentado em um sofá no escritório da KL de chinelos e joias douradas que trouxe da Europa, a tristeza de Bin Laden em relação visto logo se dissipa. "Sabe, estou meio triste hoje, mas ao mesmo tempo feliz porque conheci umas minas que viajaram duas horas pra me ver. Sinto como se meus fãs fossem uma família e é tudo que preciso. Isso e fazer música", conta, enquanto pega seu celular para mostrar uma música nova que acabou de gravar em casa. Antes de dar play, pergunto a ele se trata desse lance todo com Nova York. Ele nega e abre um sorrisão. "Mas você me deu uma puta ideia".

Naquele dia mesmo, mais tarde, Bin Laden postou um vídeo em seu canal do YouTube com uma rima fuleiríssima: "Aiaiaiai aiaiaiaiai aiaiaiaiai a Estátua da Liberdade eu não vou conhecer mais".

Tradução: Thiago "Índio" Silva

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