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Música

Não Há Lugar para o Ódio na Dance Music

Nosso editor-chefe conta por que a dance music ainda é para onde você pode correr quando o resto do mundo te virou as costas.
Juliana Bernstein

Este foi um mês esquisito para a dance music. Na semana passada, o DJ Tanner Ross foi criticado pelos tweets que enviou para o jornalista musical Andrew Ryce, da Resident Advisor, cujo teor beirava o assédio sexual, em resposta à uma crítica desfavorável ao novo disco do Jamie xx. Como resultado, Ross foi excluído do evento do Crew Love que rolou no último fim de semana em Barcelona, e há rumores de que ele pode ser afastado definitivamente da crew. Muitas figuras da indústria e da mídia compararam o seu comportamento ao do Ten Walls, que efetivamente acabou com a própria carreira depois de um chorume internético homofóbico.

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Isolado no Leste Europeu, afastado da indústria da dance music e da mídia especializada, ocidentais e anglófonas, o Ten Walls não teve muitos defensores. Mas Ross tem, e muitos deles manifestaram apoio ao amigo nas redes sociais declarando que ele não é homofóbico, mas estava simplesmente "falando merda", que "era uma piada" e que as pessoas deviam "esquecer". Fez lembrar a época em que Jodie Foster e Robert Downey Jr. defenderam Mel Gibson depois que ele foi flagrado por uma câmera fazendo chocantes comentários antissemitas, durante uma prisão por dirigir bêbado. Ninguém saiu dessa com a imagem intacta.

Não há defesa para as palavras de Ross, e nenhum pedido de desculpas, tão precocemente, poderá ser considerado verdadeiro. Como sabemos, para muitas figuras públicas, "sinto muito" é uma resposta automática e superficial, e não uma demonstração profunda de compreensão sobre como as suas ações ou palavras foram erradas. No mínimo, Ross estava fazendo bullying virtual, mas na verdade, ele estava expressando um discurso de ódio homofóbico. Aqueles que defenderam suas palavras como se elas fossem outra coisa que não isso são desinformados. Pegar elementos de uma identidade neste caso, sexo gay, uma característica definidora da homossexualidade e usá-la para degradar alguém é apoiar a noção de que há algo errado ou vergonhoso nessa identidade em primeiro lugar. É a própria definição de homofobia.

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O fato de que foi a crítica negativa de um disco que incitou Ross, em primeiro lugar, é digno de discussão. (Só para constar, Ryce não ficou profundamente encantado com o novo disco do Hudson Mohawke também, mas isso não o tornou alvo de ódio no Twitter até agora). Enquanto muitos categorizariam francamente a crítica em todas as suas formas como algo expresso por "haters", há uma diferença entre a opinião crítica e o discurso de ódio. A primeira é um componente essencial do diálogo contínuo sobre arte e cultura. O segundo é uma linguagem que promove a violência e a intimidação à uma minoria. Se o alvo individual das palavras de Ross é gay ou não, não importa. Se Ross é ou não homofóbico, também não. As palavras dele não eram só "insultos", como afirmaram alguns de seus defensores; eram discurso de ódio.

No Facebook do THUMP EUA, na semana passada, um leitor comentou: "você não pode espalhar o ódio aos gays na dance music". Na verdade, você não pode espalhar ódio nenhum na dance music. Isso não é quem somos e não é para isso que estamos aqui. Como os últimos acontecimentos envolvendo o Ten Walls e o Tanner Ross mostraram, embora nossa comunidade possa ser imperfeita, também é do tipo que não tolera a intolerância, não quando ela é expressa abertamente, pelo menos.

Há algumas semanas, depois do fiasco do Ten Walls, o escritor e estudioso de dance music Luis-Manuel Garcia constatou: "Não se satisfaçam somente com a punição social e profissional de um notório intolerante, em um mundo cheio de exclusões silenciosas e microagressões. Ainda há o sexismo, o racismo, a homofobia e o classismo que existem na cultura dance de maneiras mais sutis e indiretas. A merda está por toda parte, à nossa volta, inclusive dentro dos nossos clubes, nas nossas pistas, e até mesmo em nossos próprios corações".

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Isso é algo que precisamos reconhecer. Não são apenas os gays que são maltratados na cultura dance, e o preconceito nem sempre é recriminado quando acontece. Desde que a dance music saiu do Loft do David Mancuso para se tornar um movimento mundial, ela se expandiu para incluir mais pessoas do que nunca. Esse crescimento teve como consequência o fato de que, agora, a comunidade dance reflete a sociedade em geral, fobias, ismos e tudo mais. Assim como exilar o Ten Walls não solucionou a homofobia, repreender Tanner Ross tampouco vai fazê-lo. Isso não é para desculpar o comportamento deles ou dizer que aqueles que têm privilégios ou poder deveriam entrar no clube de cabeça baixa todas as noites, envergonhados. Em vez disso, essas questões devem nos motivar a permanecer unidos, de olhos bem abertos.

Palestrando no painel dos artistas no EDMBiz, que rolou em Las Vegas, na semana passada, a Jahan Yousaf, do Krewella, salientou a grande influência que os DJs têm hoje sobre os seus jovens públicos, e quanto é importante para eles conscientemente demonstrar positividade em vez de arrogância. "A gentileza precisa ser compartilhada", ela disse. "Esquecemos dela nesta cena."

É um conceito simples, mas de difícil discussão. Sem dúvida, a positividade na dance music pode parecer uma caricatura de si mesma. É fácil revirar os olhos diante da noção insossamente simplista de Paz, Amor, Unidade e Respeito, ou rir de qualquer um que faça um coração com as mãos na cabine. Embora esses símbolos possam ter significado para algumas pessoas, dificilmente são elementos definidores da nossa cultura.

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Quando falamos sobre as origens da dance music nas comunidades negras, hispânicas e gays das cidades americanas, fazemos isso para demonstrar como é incrível que pessoas que eram excluídas em outros lugares da sociedade tenham criado um espaço onde pudessem ser incluídas e fazer algo bonito acontecer. Mesmo hoje, a comunidade dance busca ser um refúgio das asperezas de um mundo cruel. Nos seus melhores momentos, ela é um lar para todo mundo para os malucos e os esquisitos, os sonhadores e os excluídos. Para quem se sente rejeitado em qualquer outro lugar, tem uma festa, um clube ou um festival onde um grupo de pessoas está à sua espera para dar as boas-vindas na pista. Tem um fórum online onde você pode criar conexões, a partir do seu amor pelos seus artistas favoritos, com pessoas de todo o planeta. A maioria das outras cenas musicais não tem isso, mas nós temos. No seu melhor, a dance music é para onde você pode correr quando o resto do mundo te virou as costas.

Ainda assim, fazer parte desta comunidade é assinar um pacto de inclusividade. Quando esse pacto é violado, a comunidade vai reagir te mostrando a porta da rua. Não fazemos isso para ser punitivos ou para retaliar, mas para nos proteger daquilo que nos fez buscar refúgio aqui.

Artistas como Ross e Ten Walls deviam saber disso. Dificilmente alguém que transformou a sua paixão pela dance music em uma carreira não experimentou a beleza da comunidade dance. Ela é muitas coisas para muita gente, mas acima de tudo, é definida por amor amor pelas outras pessoas, amor por um mundo que desejamos que seja mais perfeito, e, é claro, amor pela música. Em vez de pensar sobre o que nos divide, seja identidade de gênero ou gênero musical, idade ou gosto, orientação sexual ou BPM preferido, precisamos nos focar naquilo que temos em comum.

No próximo fim de semana, esteja você saudando o amanhecer no Panorama Bar, em Berlim, assistindo ao pôr do sol no EDC, em Las Vegas, ou pulando na sua cama com os seus fones de ouvindo, fazendo uma festinha particular, lembre-se apenas do que o levou até ali em primeiro lugar. O ódio pode ser uma emoção poderosa. Na comunidade dance, o amor é mais forte.

Zel McCarthy é editor-chefe do THUMP. Ele está no Twitter.

Fotos: cortesia de Juliana Bernstein.

Tradução: Fernanda Botta