Os 20 anos da Alôca: De reduto techno à pista da diversidade
Clubealoca/Flickr

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Música

Os 20 anos da Alôca: De reduto techno à pista da diversidade

De portas abertas desde julho de 1995, o clube foi a casa onde Marky, Mau Mau e Renato Cohen começaram a tocar.

Manter qualquer empreendimento por 20 anos é uma atitude hercúlea. Ainda mais quando o empreendimento em questão é um clube. Puxe pela memória e liste quantas casas em São Paulo se dedicam à música e à diversão noturna por mais de duas décadas? Afora o mais famoso inferninho do país, a Love Story, na capital paulista apenas o Clube Alôca segue há tanto tempo de portas abertas para um público diverso em busca de música e curtição.

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Tida como uma espécie de pedra fundamental para o fortalecimento do cenário eletrônico underground em São Paulo, o espaço onde antes existia a Samantha Santa se tornou Alôca em julho de 1995, na Rua Frei Caneca, graças a empreitada do falecido Julio Baldermann ao lado do argentino Anibal Aguirre.

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"Na abertura da casa tivemos dois DJs ingleses e os residentes eram o Mau Mau e o Renato Lopes", diz Anibal, o atual proprietário da casa que no seu início foi um dos primeiros lugares a se tocar techno em São Paulo. "Mas não era só techno, Alôca foi a primeira residência paulistana do carioca Felipe Venâncio [nome conhecido da cena house brasileira]".

No entanto, o público parecia lotar Alôca em busca do novo gênero que, na época, era novidade nas pistas de São Paulo. "Um detalhe que me lembro do início da casa é que Mau Mau abria as noites da casa e logo notamos que não sobrava muita gente depois que ele ía embora, porque todos íam pro Hell's acompanhá-lo", rememora Aníbal.

REDUTO TECHNO

"Comecei tocando como convidado até surgir o convite para criar um after hours, já que o Hell´s Club, que agitava as manhãs de domingo no Columbia estava rolando", diz Ronald Pacheco, DJ que foi residente d'Alôca, e nome responsável por criar o Mellow after hours, que acontecia nas manhãs de domingo no clube no início dos anos 2000.

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"Antes do Mellow, resolvi fazer a festa Wicked, o primeiro after do clube dedicado ao techno e logo no começo [a festa] virou. No início éramos eu e o Daniel U.M; depois a Ana e o Davi entraram como residentes da casa, e foi aí que eles viraram Pet Duo", lembra Ronald sobre outros nomes do techno responsáveis por colocar o gênero no radar da noite da cidade.

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A levada techno, tão característica dos primeiros anos da Alôca, não seria a mesma sem a presença do Edinei Oliveira. Gerente da casa por 19 anos, Edinei também atuou como DJ residente do espaço nas noites de sexta e sábado. "O mais foda do clube é que sempre vinha uma porrada de DJ gringo, toda semana tinham dois ou três", conta ele. "A gente investia no som, tanto que o Cristian Varela já tocou em três toca-discos na Alôca, e nomes como Pascal Feos, Patrick Skoog, Ade Fenton e Chris Liberator, referências do techno, tocaram lá também".

Personagem importante para entender a história do clube, Edinei também mantinha uma loja de discos na Galeria Ouro Fino, e foi ele o responsável pela Alôca ter se tornado um reduto techno. Isso porque os anos 90 foi o início do movimento que buscava trazer ao Brasil DJs de selos e festas da Europa. Foi assim que os fãs do gênero ganharam mais uma pista, entre as duas ou três opções que existiam em São Paulo.

Essa época também, conta Aníbal, foi o momento áureo do espaço. "A música eletrônica estava em alta e tínhamos um after hours bastante movimentado", diz o proprietário.

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A DIVERSIDADE

Além das festas dedicadas ao techno, Alôca não demorou a se tornar um pico conhecido por acolher a todos sem preconceito. Já nos primeiros meses de funcionamento, a casa havia se tornado reduto de gays, drags e transexuais da capital paulista.

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Luiz Careca, um carioca radicado em São Paulo desde 1994, conta que a casa também era um lugar diferente por juntar tipos muito distintos entre si na sua pista. "Alôca trouxe a mistura de pessoas, travestis, bichas montadas, héteros, bichas boy e tudo mais que se possa imaginar", diz ele que frequenta a casa há 18 anos. "Tenho amigos italianos que me pedem para alugar apartamentos para eles uma vez por ano só para pisarem na Alôca, eles adoram".

A drag Marcelona, figura conhecida na noite paulistana, diz o que o melhor do clube é que na pista todo mundo sempre se sentiu igual. "Aqui não vira esse lance de 'o mais underground do pedaço, o mais gostosão ou a mais gostosona'", diz ela. "Se vier com frescura, pode vazar que entrou no lugar errado, aqui todo mundo é igual e é isso que importa".

Leia Bastos, frequentadora das antigas, é performer e hostess da Alôca há 17 anos. "O mais legal aqui é poder ver de tudo e achar normal", diz a transexual famosa por suas apresentações na casa. "Alôca deixa todo mundo à vontade para ser quem você é, além de tudo, todo mundo que vai lá se respeita".

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Não à toa Alôca se tornou referência como pista da diversidade em São Paulo. "Não esqueço das Paradas [Gay] que Alôca participou com um carro que era a sensação do público", conta Aníbal. "O sucesso foi tanto em São Paulo que fomos tocar numa Parada [Gay[ no Rio de Janeiro, e é claro que foi uma locura".

Assim a Alôca se consolidou como um lugar no qual os mais diferentes gêneros tínham o mesmo espaço na pista, e não foi por acaso que celebridades não só pisaram, como algumas não saiam de lá, entre elas: Luciana Gimenez, Otávio Mesquita, Ana Paula Arósio, Marina Lima, Tônia Carrero e até a ex-prefeita Marta Suplicy e João Suplicy conheceram o lugar.

NOVOS GÊNEROS

Um dos principais habitués do clube na década de 90, Nagel Noronha frequentava tanto a noite da Alôca que acabou virando auxiliar administrativo da casa em 1997 — Nagel trampa no clube até hoje. "Vi muita coisa boa aqui, como o fortalecimento da música eletrônica", conta ele ao dizer que foi testemunha do crescimento de DJs brasileiros que começaram a tocar na casa, como o Marky, Mau Mau e o Renato Cohen.

O lado ruim, conta ele, é que Nagel também viu o declínio da própria eletrônica na pista da Alôca. "O público já não era mais o mesmo e com o passar dos anos os projetos precisaram ser repensados", diz ele.

As noites, com ou sem DJs internacionais, não estavam mais virando, o techno sofreu uma enorme queda depois de 2007, com a chegada de novos sons como o deep house e outrôs gêneros semelhantes por aqui.

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Com isso, Alôca já não investia mais na conexão das constantes idas e vindas da gringaiada toda, a maioria dos DJs de techno começou a atacar em outras linhas e os afters foram repensados, afinal o público de antes já não ia mais tanto no espaço, e novas caras começaram a encher as outras noites do clube.

André Pomba no comando da Grind, festa que rola até hoje aos domingos.

No fim dos anos 1990, enquanto surgiam outras pistas voltadas para o público GLS na cidade — a maioria delas dedicadas as diversas vertentes da música eletrônica —, Alôca apostou em outros projetos, ainda sem abrir mão do techno, até então carro chefe do lugar. Foi aí que nasceu a Grind, uma noite de domingo capitaneada pelo DJ André Pomba que colocava para rolar rock alternativo, indie e pop 80's.

A Grind, que perdura até hoje na programação semanal da casa, começou a pegar cada vez mais, e não demorou para que o horário se estendesse até as manhãs da segunda-feira. "Logo de cara achei que seria uma boa chegar com uma nova opção para além das batidas eletrônicas", diz André. "Desde o início, a festa rolou legal e teve um momento que nunca vou me esquecer nesses 17 anos de festa: no aniversário de cinco anos da Grind, convidamos a Gretchen, Maria Alcina, Rosana e Lady Lu, e me lembro que, na época, a Gretchen estava às vésperas de ter um filho, e chegaram a dizer que ela teria o filho dentro da Alôca", relembra o DJ.

ALÔCA VIVE

Em 2015, depois de vinte anos de funcionamento, Alôca segue viva como poderoso reduto gay, onde se vai certo de que em algum momento da noite irá tocar Madonna. As noites dedicadas ao techno já não existem mais. O gênero só ganha espaço na casa em festas temáticas, como a que aconteceu na comemoração dos 20 anos do clube no último dia 9 de julho.

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Nas 12 horas de festa em pleno feriadão, o fervo serviu para trazer de volta os antigos projetos que fizeram a fama da Alôca, como o Wicked After Hours, afters que agitavam as manhãs de sábado ao som dos residentes Ronald e Daniel U.M, que sempre recebiam um convidado.

Outros embalaram a noite, como o DJ França, nome responsável pelo System Techno Night, festa das sextas que existia no início dos anos 2000. Julião, figura conhecida quando o assunto é after hours, foi outro que mostrou suas habilidades nos toca-discos ao lado do parceiro de longa data Mr. Gil, com o projeto Trackheadz.

Claro que no aniversário de 20 anos da casa, Mau Mau, um dos grandes nomes do techno nacional — que já executou sets históricos na pista da Alôca — encerrou a festa ao lado da Paula Chalup, no projeto 2Attack.

Mesmo sem comparecer à festa de aniversário do seu clube, Anibal diz que Alôca não está em busca de sucessos instântaneos. "O clube é um point da noite de São Paulo que tenta resistir e conta com a fidelidade e amizade dos clientes, que vão virando amigos e nos tornamos uma grande família".

Alôca segue de portas abertas no número 916 da Rua Frei Caneca com programação de terça a domingo.

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*Colaborou Carla Castellotti