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Música

O Red Bull Music Academy como Passaporte para o Mercado da Música

Perguntamos a produtores o que eles acham do RBMA, uma espécie de treinamento para entrar de vez para a indústria musical, e eles nos contam se vale a pena embarcar nessa.

"Você manja o Asterix e Obelix?" Essa é uma das mais de 50 questões que você deve responder para concorrer a uma vaga no Red Bull Music Academy, uma espécie de programa de treinamento para quem pretende se tornar um profissional da música. Saber um pouco sobre a cultura francesa - o que inclui os personagens dos quadrinhos de Albert Uderzo e René Goscinny - é uma das condições para ser selecionado para o RBMA que, neste ano, acontece em Paris entre os meses de outubro e novembro, e irá selecionar 60 músicos de todo mundo para uma imersão de duas semanas, com aulas práticas, palestras e shows.

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"Se você não sabe quem é o Asterix, que tipo de pessoa desinteressante você é?" A pergunta-provocação agora é do produtor carioca Chico Dub, o Mr. X do processo de inscrição para a Academia que diz estar atrás de gente multidisciplinar e que se interesse pelos mais variados temas. Jogue nas onze posições: fazendo música, escrevendo e sacando de vídeo, por exemplo. Chico explica que não adianta você ser do tipo ensimesmado, que não sai do quarto (o que é bem engraçado se pensarmos na quantidade de bedroom producers espalhados por aí). "Para ser chamado para academia, conta ponto que você tenha espírito colaborativo - e é importante também que o cara não seja bitolado."

O questionário com exatas 53 perguntas procura criar um raio-x da sua personalidade. Só pra você sentir o drama, os caras fazem você responder um Teste de Rorschach (aquele lance que pede para você olhar para um borrão e dizer o que enxerga). Chico Dub diz que seu papel nessa seleção está mais ligado a mostrar o caminho das pedras do que necessariamente apontar nomes em destaque na cena nacional. Ao candidato, diz o produtor, cabe vender o peixe direitinho nas respostas ao questionário, o que representa, nas palavras de Chico, 50% de caminho andado para seleção. A outra metade, claro, fica por conta do seu som.

Com um número cada vez menor de empresários e gravadoras, o produtor carioca lembra que passar pela Academia pode credenciar um músico a negociar a própria música - gravar disco com suporte de terceiros e integrar o lineup de importantes festivais são algumas possibilidades. Em busca de saber o que você, intrépido dos beats, pode fazer para chegar lá, Chico conta que "a academia ainda não viu um som eletrônico experimental brasileiro que trabalhe com funk e tecnobrega, por exemplo".

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O RBMA está à procura de jovens produtores - "Uma pessoa de 50 anos dificilmente vai entrar" -, e gente que produza um "som global". Serão selecionadas duas turmas, cada uma composta por 30 pessoas, e as inscrições se encerraram ontem. As atividades da Academia consistem em palestras, sessões de estúdio e, todos os dias à noite, ainda rola um festival com a curadoria da própria equipe da Academia. "Os alunos selecionados também se apresentam lá", diz Chico.

Em 2014, três brasileiros participaram do RBMA: o mineiro Pedro Zopelar e os cariocas Silva e Daniel Limaverde. Vale lembrar que somente Daniel Limaverde passou pela peneira sem a orientação de um Mr. X.

Silva.

Dos nomes famosos que já passaram pela Academia, estão o incensado norte-americano Flying Lotus, o tuga Branko, do Buraka Som Sistema, e o alemão Mathew Jonson. Para saber o que a Academia representa (ou pode representar) para um músico iniciante, falamos com o homem do Heavy Baile, Leo Justi, que já se inscreveu e não foi selecionado, além de Zopelar e Limaverde, que estiveram lá no ano passado e dão um resumo da experiência. Vai vendo:

Leo Justi

"Não acho que não valha a pena [se inscrever]… Só acho que dá muito trabalho o processo de seleção. Mas pode valer a pena se as pessoas que forem tentar não derem um GRANDE mole como o que eu dei nas duas vezes [em que me inscrevi]: não xerocar toda a ficha depois de pronta. A pior parada é você fazer a porra toda de novo sem poder nem olhar coisas que você já fez na inscrição do ano passado (porque requer reflexão, não são perguntas simples e rápidas, por exemplo). Como eu dei esse mole, não tenho saco pra tentar de novo. Sobre ser alavancado como produtor, acho muito difícil fazer esse julgamento. Acho que deve ser uma experiência foda e enriquecedora, mas tenho um pouco a impressão de que é meio como ganhar na loteria - e eu não tenho saco de ficar jogando na loteria. Acho muito válido o empenho pra se inscrever na real. Só façam o que eu disse: xeroca a porra toda antes de enviar!"

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Pedro Zopelar
"O primeiro contato que tive com o application da RBMA foi em 2012. Naquele ano, tentei fazer a inscrição por recomendações de uma ex participante, a DJ Ana Flávia. Lembro que nem cheguei a preencher muitas questões, acabei me esquecendo e perdi a data da inscrição. Em 2013 eu nem cogitei a possibilidade de enfrentar de novo, mas em 2014 o Chico Dub entrou em contato comigo me passando mais informações sobre tudo e insistiu muito pra que eu fizesse. Insistiu até os últimos dias, que foi quando realmente resolvi terminar [o questionário] e entregar (no último dia) o formulário preenchido mais o CD demo no escritório da Red Bull em São Paulo. Eu digo que só terminei mesmo o application por causa da insistência do Chico Dub - e não puxa-saquismo, porque eu nem o conhecia pessoalmente antes. É que sou um nível dureza de preguiça pra responder a mão e fazer esse tipo de coisa, mas bastam algumas horas de dedicação e no fim você acaba achando até divertindo. As questões que mais odiei são as de listar seus 10 álbuns preferidos, 10 músicas, 10 tracks que você tocaria em "tal" ocasião… Nas questões meio malucas do final eu já não sabia responder e fui bem seco mesmo, sem inventar muita coisa pra encher linguiça. Basta ser quem você é mesmo, por mais clichê que seja dizer isso. Mesmo introspectivo nas respostas, com inglês mais pra menos que para mais, letras de forma escritas a lápis, rasuradas e borradas, com listas meio nada, acabei sendo escolhido. Acho que o CD com as demos também é bem definitivo na escolha. Eu, Daniel e o Silva fomos sortudos de sermos selecionados justamente em Tóquio, que foi um show à parte… Todo o staff da RBMA é muito especial e o que sinto é que todos que trabalham todo ano pra isso, junto com todos os alunos de todos os anos e todo o staff de cada canto do mundo, se tornam membros de uma mesma família. É muito legal isso. Enfim, são muitas experiências profundas e acredito que essa experiência bate de uma forma diferente pra cada participante. Pra mim ajudou muito a enxergar também a importância dos aspectos 'extra musicais' que compõem a carreira de um músico."

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Daniel Limaverde

"Acho que o dia 18 de março de 2014 foi um dia em que tive uma experiência comparável ao que C. G. Jung chamaria de 'sincronicidade'. Eu tinha 22 anos e estava empregado desde do início do ano em um estúdio. Foi a primeira vez que de fato comecei a ser remunerado por música, depois de passar dois anos no meu quarto aprendendo a produzir sozinho. Esse trabalho tinha como tarefas compor jingles e trilhas para comerciais e até edições de chamadas publicitárias. O trabalho foi se provando crescentemente frustrante, pois eu me sentia como se estivesse sofrendo uma deflação criativa. Mas estava recebendo um bom salário, então fui engolindo, ainda que as poucos percebesse que estava começando a seguir um caminho contrário ao motivo que me fez querer criar música.

Daí que no tal dia 18 de março de 2014 as inscrições pro Red Bull Music Academy em Tóquio se encerravam, e eu, que comecei a preencher o questionário em cima da hora, tive que avisar ao chefe que ia chegar ao estúdio atrasado para conseguir terminar as perguntas e ir ao correio. Ele perguntou se eu não podia chegar mais cedo do que planejava. Eu poderia ter abdicado naquele momento de enviar minha inscrição para conseguir fazer o que ele pedia, mas não o fiz.

Enviei o pacote uma hora antes de o correio fechar, e fui direto para o estúdio, chegando lá por volta das 17h. Estavam fazendo os ajustes finais em uma música que eu havia começado para um comercial, e assim que foi terminado, ele pediu para eu ir à sala de para conversar, onde ele me explicou que eu estava sendo demitido. Justificativa: 'Não temos nenhuma crítica à qualidade do seu trabalho, mas você não tem o perfil para trabalhar conosco. Você é novo, tenho certeza que será um grande artista.'

Nesse meio tempo, produzi pouquíssimo ou nada, pois flanava por outros trabalhos não relacionados à música para tentar conseguir algum dinheiro, e cada vez mais eu estava chegando no fundo do poço da frustração. Esse período durou cerca de quatro meses, começando no dia que fiz minha inscrição e fui demitido. Terminou no dia em que recebi o email dizendo que fui selecionado para Tóquio.

Contei essa experiência pessoal porque acho que o impacto do RBMA não dura somente as duas semanas que se passam na capital. Ser produtor musical no Rio de Janeiro - e no Brasil - não é fácil. Existe a necessidade de se sustentar, a ausência de uma cena local (verdadeira), a vontade de receber feedback de mentes similares à sua etc. É muito comum sacrificar a genuinidade e seguir o caminho mais fácil, mais percorrido.

Receber um 'aceno' de um grupo que está no topo da indústria musical compensa tudo isso. Em Tóquio, foi a primeira vez que estive próximo de tantas pessoas que falavam a mesma língua. Tive um gosto de algo que perseguirei viver cada vez mais vezes na minha vida, como uma seta apontando o caminho."