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Música

The Black Madonna: “Clubes São Perigosos para as Mulheres”

A DJ de Chicago que defende maior inclusão das mulheres no universo da dance music lembra que a falta igualdade existe inclusive na pista de dança.

The Black Madonna (ou Marea Stamper) jamais poderia ser considerada uma DJ monótona. Se você for a uma balada em que ela estiver tocando, espere ouvir de tudo desde new wave, acid e techno até filter house ininterruptamente. Nos últimos anos, a Stamper deixou o setor de distribuição de discos na Dust Traxx para tocar em clubes ao redor do mundo.

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Stamper, porém, não é conhecida apenas pela sua proeza na arte da discotecagem. Neste ano, a DJBroadcast fez uma compilação de músicas em nome de seu manifesto, na qual ela pediu maior inclusão feminina no universo da dance music. E foi na esteira dessa batalha que a DJ fez uma lista com as 20 mulheres que moldaram a música e a cultura de baladas nas três últimas décadas. Quando o assunto é The Black Madonna, inclusive, há algo a mais do que "apenas" discotecar — existe uma mensagem na sua arte.

Recentemente nossos chapas do THUMP Holanda conversaram com a Stamper em Chicago. Abaixo o que rolou do papo.

THUMP: Você é conhecida por sua abordagem de gênero musical na discotecagem. Você considera isso algo muito americano?
The Black Madonna: Sem dúvida. Essa transição do hard para o soft, disco para techno e acid para soulful house é um lance bastante "American Midwest in 1995". Acho que tenho uma pegada mais agressiva em relação a contraste [entre os gêneros] do que outros DJs americanos, isso porque muitas pessoas nos Estados Unidos são extremamente influenciadas pelos DJs europeus, enquanto no meu caso, cresci admirando pessoas como o Paul Johnson ou Derrick Carter, que sempre brincaram com a questão do gênero. House, disco e techno, todos entraram nessa onda e eu ainda tenho essa ambição.

Como é a cena em Chicago hoje em dia?
Chicago tem muitas tribos. Existe o legado da cultura house com pessoas que vêm fazendo música há 30 anos ou mais, e é uma comunidade muito unida. É incrível. Tem também um grupo de pessoas (eu inclusa) com um background mais voltado para uma mistura de house e punk. Por outro lado, há um grupo de jovens formado principalmente por comunidades hispânicas como a Pilsen, que organiza pequenas festas underground na quais você ouve de tudo, desde techno até noise e ballroom. E parte dessa galera ainda não tem nem idade para estar bebendo! O que rola em Chicago é muito único. Ainda é algo super novo e cru, e me pergunto constantemente para onde as coisas estão indo. Fico ligada no que está rolando e tento aprender com o que está acontecendo ao meu redor.

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Você defende o feminismo e não tem medo de falar sobre os problemas com os quais as mulheres precisam lidar no universo da dance music. Por quê?
As pessoas que acreditam em igualdade nem sempre se identificam como feministas, e sim humanistas. É claro, o feminismo pode ser um aspecto do humanismo, mas é importante focar nas questões enfrentadas pelas mulheres — até mesmo na cultura dance — e reconhecer de que formas a desigualdade é um desafio para as mulheres que estão nesse meio. Há questões específicas que apenas as mulheres trans estão lidando. As negras, pobres e deficientes enfrentam outras questões. Todos nós lidamos com salários desiguais e ambientes de trabalho perigosos. Precisamos atentar para esses fatos e ouvir suas experiências diretamente. Se as ignoramos e dizemos, "Ah, deveríamos viver numa sociedade igualitária e todo mundo deveria ser feliz", então nenhuma dessas questões específicas podem ser resolvidas.

As pessoas amam acreditar que clubes são lugares seguros onde todos são livres e iguais.

As pessoas amam acreditar que clubes são lugares seguros onde todos são livres e iguais. Essa é uma ilusão deliciosa que nos deparamos o tempo todo na dance music. Mas é justamente isso: não passa de uma ilusão.

Os clubes são perigosos para as mulheres. A quantidade de agressões sexuais que envolvem drogas e bares é bem aterrorizante. Não vamos esquecer como essas questões impactam especificamente sobre as mulheres trans em espaços públicos e também os profissionais do sexo nos clubes. E poderíamos continuar listando todos esses fatores, um atrás do outro. São os aspectos da vida noturna. Não faz sentido se perguntar se o feminismo é uma necessidade na dance music ou em qualquer outro lugar. Já passamos dessa fase. Agora precisamos falar sobre isso.

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No seu manifesto, você deixa claro que não está satisfeita com o estado atual das coisas, mas o seu lema é "Nós ainda temos fé". Você não espera uma mudança?
Claro que espero uma mudança. Sem dúvida. Quando comecei a produzir, mal conhecia produtoras mulheres. Grandes progressos têm acontecido, mas em certos setores mais do que em outros. Estou ciente de que sou uma mulher branca e por isso tenho certos privilégios. Então é importante esclarecer que ao mesmo tempo que aproveito as coisas boas que podem surgir, isso não significa que fico tomando champanhe em hotéis caros e esqueço de todas as pessoas que estão sofrendo no universo da dance music. De certa forma estou dizendo: "Nós ainda acreditamos, mas não estamos desistindo". Quero ver uma comunidade melhor para todos.

"Uma pessoa não nasce — e sim torna-se — uma mulher" é uma das declarações feministas mais importantes da história. Você acha que a Simone de Beauvoir estava certa em afirmar isso?
Pessoalmente falando, sempre me senti bastante ambivalente quanto ao meu próprio gênero enquanto conceito. Me sinto bem no meu corpo, mas sei das grandes contradições quando o assunto é identidade de gênero. A minha expressão de gênero é, mais ou menos, líquida.

Me identifico muito com o conceito da Virgina Woolf de "mente andrógina". Internamente, não mesinto particularmente do sexo feminino ou masculino.

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Sou casada com um homem, tenho todos os privilégios de uma vida heterossexual e por fora aparento ser o que a maioria das pessoas imaginaria ser uma mulher, mas me identifico muito com o conceito da Virginia Woolf de "mente andrógina". Internamente, não me sinto particularmente do sexo feminino ou masculino. Quando era mais nova, achava a ambivalência sobre gênero algo muito confuso e me sentia muito isolada. Me perguntava o que significava aquilo e como poderia afetar meus relacionamentos. Felizmente, não me sinto confusa agora. Sei quem eu sou.

Você imaginava que teria uma carreira tão bem-sucedida em uma área tão dominada por homens?
Quinze anos atrás, jamais pensaria que um dia ganharia a vida sendo DJ. Sempre me senti diferente dos outros, tinha ideias muito bem estabelecidas mas me sentia um pouco isolada e alienada, até mesmo em Chicago, perto de pessoas próximas. No Smart Bar, encontrei uma espécie de família, encontrei conexão. Todos nós fugimos um pouco do padrão.

Você toca muito na Europa hoje em dia, e por conta disso tem um novo papel no Smart Bar, certo?
Sim, mas eu não saberia te dizer por que, do nada, estou tocando tanto na Europa. Talvez a galera europeia me curta porque fujo um pouco da normalidade? De qualquer forma, não posso mais estar presente no Smart Bar todos os dias, então tenho um papel de consultoria agora. Isso era mais do que necessário. Até tive alguns problemas de saúde de tanto ficar sentada no escritório com jet lag! Agora foco em shows maiores, no programa de residência, na label e em projetos de expansão da marca que acontecem fora do clube, como festivais, por exemplo. Estou mais equilibrada.

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Como você se sente sendo tão conhecida?
Eu acho meio estranho falar sobre isso, na verdade. É bem surreal. Dois anos atrás, lembro de tentar engatilhar conversas com certas pessoas em baladas e ser completamente rejeitada. Estava completamente fora do círculo.

Tem sido uma transição bastante confusa, sair do privado e ir para o público em um curto período de tempo.

Tem sido uma transição bastante confusa, sair do privado e ir para o público em um curto período de tempo. Recentemente, fiz um set num festival e, logo depois disso, meu empresário e eu estávamos andando por aí e uma galera bem grande começou a nos aplaudir espontaneamente quando passamos. Foi uma experiência muito, muito estranha. Olhei pra trás para ver se eles estavam aplaudindo outra pessoa. Ainda estou me adaptando a esse novo papel social.

Se te chamassem para tocar na Europa com uma frequência ainda maior, você acha que consideraria uma mudança permanente?
Tenho um lar e uma família aqui em Chicago, mas a minha sogra também está planejando comprar uma casa de férias em Berlim, Amsterdam, ou em algum lugar da Croácia, o que seria ótimo para mim quando estou trabalhando. É uma pena que tenho menos tempo disponível para o Smart Bar, e ter que falar para o dono que eu precisava de um tempinho foi uma das coisas mais difíceis que já precisei fazer, mas ele foi incrível. Espero ser uma boa embaixadora para o clube, no entanto. Tudo que faço é consequência do meu ambiente e sem o clube e a liberdade criativa que eles deram a mim e diversos outros artistas, eu não teria sido capaz de me tornar a pessoa que sou hoje.

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Tradução: Stefania Cannone