FYI.

This story is over 5 years old.

Música

O DJ Praticamente Cego que É Uma Inspiração Para Todos Nós

Conheça a história de Lance Blaise que hoje, aos 37 anos e com o pouco que lhe resta da visão, conta que usa a memória de toque para reinventar sua capacidade de tocar.

Lance Blaise é um DJ e produtor de 37 anos de idade que mora em New Jersey. No papel, ele tem muita coisa a seu favor, incluindo faixas em várias coletâneas do Carl Cox ("Il Salto Fuori" se tornou um dos hinos de Ibiza em 2008), uma participação no Ultra Music Festival de 2012 e shows em Oslo, Londres, Porto Rico e Miami. Sua paixão por música eletrônica deu a ele um canal para se expressar e melhorou muito sua qualidade de vida - vida essa que ele vive quase completamente no escuro. Entenda: Lance Blaise é quase completamente cego dos dois olhos.

Publicidade

Porém, durante sua juventude, Lance (que também aparece sob as alcunhas de Monix, Tatoo Detectives e Tacopimp) ainda não tinha sido afetado pelo problema que eventualmente tirou sua visão. Crescido na Filadélfia, ele era um atleta talentoso, jogou hóquei na faculdade e chegou a competir durante um ano como profissional júnior. Lance foi apresentado a um par de turntables por um colega de fraternidade na faculdade. Inspirado por heróis locais como Josh Wink e por viagens de fim de semana a Nova York para ver pioneiros do techno como Danny Tenaglia, Lance logo pegou a febre do DJ e começou a girar seus próprios sets de vinil.

Durante esse período já lhe afligiam alguns problemas de saúde - especificamente um caso de diabetes. Isso requeria tratamento e medidas preventivas, mas Blaise admite que ele não compreendia totalmente a extensão de sua doença durante seus anos de juventude.

Lá pra 2001, Lance começou a notar problemas com sua visão. "Eu comecei a ter dificuldades em ler sinais na rua e certas áreas dos meus olhos começaram a ficar bloqueadas. Eu sabia que não era o tipo de problema que afeta as pessoas que precisam de óculos", ele conta. O que Lance logo descobriria é que sua visão estava começando a ser afetada por algo chamado Edema Macular Diabético - causado por uma perda de fluxo sanguíneo nos olhos. Esse é um resultado comum da baixa circulação devido ao diabetes.

Enquanto lidava com os efeitos colaterais de sua visão que piorava cada vez mais, Lance começou a dar saltos maiores no desenvolvimento de suas habilidades como DJ, eventualmente fazendo a transição do vinil para o digital, e unindo forças com outro DJ/produtor aspirante chamado Gabriel Ben. Depois de alguns lançamentos os caras alcançaram uma das honras mais desejadas no mundo da dance music - eles foram descobertos pelo Carl Cox, e acabaram lançando músicas pelo selo dele. "Carl tocou em uma festa de aniversário do Josh Wink em Philly, em um clube pequeno chamado Fluid, e nós esperamos até o fim da noite para entregar a ele uma das nossas faixas. Ele disse 'obrigado' e nós achamos que ele nunca iria ouvir… alguns meses depois recebemos uma ligação da Inglaterra dizendo que ele queria lançar algumas das músicas - foi surreal", lembra ele.

Publicidade

Durante esses primeiros anos, a visão de Lance ainda não tinha se deteriorado tanto a ponto dele se auto educar na produção com ajuda de softwares. "Eu tive sorte de na época conseguir ver claramente e assim pude aprender mesmo a mexer nos programas. Agora eu tenho que sentar a cerca de uma polegada de distância do computador pra conseguir enxergar as coisas", diz Lance. "Houve muitas mudanças nos softwares. Sorte que eu tinha a maior parte da visão naquela época, porque agora seria quase impossível aprender".

Hoje Lance tem cerca de 5% da visão de seu olho esquerdo e 15% do direito. Ele não ficou completamente cego graças a uma vitrectomia - um procedimento no qual o médico tira o gel de trás da retina e o substitui por uma solução de óleo gasoso - algo que age como uma proteção contra o contato do sangue com o olho.

Pergunto ao Lance se ele temeu por sua promissora carreira de DJ quando essas cirurgias começaram a se tornar frequentes. Ele responde: "Quando o Carl Cox começou a lançar as  músicas minhas e do Gabe, e eu passei a viajar para fazer shows, percebi que se eu não tentasse salvar a minha visão isso poderia resultar no fim da minha carreira".

Além das cirurgias que o ajudaram a manter parte de sua visão, Lance, que tem agora 37 anos e administra o selo de techno Teggno, utilizou avanços tecnológicos para seguir desenvolvendo suas habilidades. Enquanto alguns zombam da conveniência que vem junto com a discotecagem digital, equipamentos da Traktor como o NI Kontrol X1 e o Midifighter Twister permitiram que o Blaise seguisse fazendo aquilo que ama. "Eu uso controladores agora. Na época em que eu tocava principalmente com CD's e vinis, rolavam engasgadas porque eu não conseguia ver metade do que estava fazendo. Agora a memória de toque me ajudou a reinventar a minha capacidade de tocar", ele diz.

Publicidade

Embora hoje em dia Lance fale abertamente sobre sua doença, nem sempre foi assim. "Em 2008 a coisa começou a chegar ao ponto em que eu precisava de ajuda para andar pelos clubes - as luzes negras e estrobos dificultam as coisas - mas eu era mais esquivo sobre o porquê de eu não conseguir enxergar no escuro", Lance conta. Mais ou menos em 2010 ele resolveu abrir o jogo com Carl Cox sobre sua crescente enfermidade. Cox foi imediatamente receptivo, dizendo a ele: "Cara, você poderia ter me dito antes". Lance afirma que foi Cox que o convenceu de que não há motivos para se envergonhar da sua condição, e que se ele deixar todos saberem ele pode inclusive inspirar outros. "Foi quando eu realmente comecei a contar às pessoas sobre isso", diz Lance.

Com um bebê a caminho e um novo EP em produção, Lance tem dado um tempo das turnês. Mas ele diz que o fato de conseguir sentar em sua escrivaninha, sentir todo o equipamento, e usá-lo para criar algo que as pessoas gostem, ajuda ele a seguir em frente.

Ainda assim, ele se esforça para não deixar a sua cegueira se tornar um artifício. "Não quero que as pessoas fiquem naquelas de 'Lá vem o DJ cego' ou 'Ele não consegue tocar de verdade mas ele é cego então deixa ele tocar'. Quero que as pessoas olhem pra mim e digam 'ele é realmente um produtor e dj incrível que por acaso enfrenta uma dificuldade com a qual tem que lidar diariamente", ele diz. Ele também espera servir como inspiração para outros DJs que enfrentam problemas similares. "Eu fui procurado uma vez por outro DJ cego que queria aprender sobre como eu toco usando equipamentos da Traktor e que controles eu uso", ele se lembra afetuosamente, e acrescenta: "Eu quero que as pessoas me procurem".

Conecte-se com o Lance Blaise  
soundcloud.com/lanceblaise
facebook.com/lanceblaise
lanceblaise.com/podcasts/

Ouça músicas do Lance no Beatport

Siga: @DLGarber

Tradução: Stan Molina