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Música

"É Tipo um Terremoto Chegando": Uma Entrevista com Carl Craig

O padrinho do techno falou com a gente sobre a morte do Frankie Knuckles, raves em igrejas e guardar pedaços do passado.

O sol está prestes a nascer, mas Carl Craig parece não dar a mínima. Na sua frente estão muitas centenas de pessoas encharcadas de suor, pulsando ao ritmo das suas músicas. É muito tarde -- ou cedo, e vai chegando ao fim o festival Foundry em Toronto. Uma certa melancolia paira no ar -- parece aquela última noite das férias de fim de ano antes de voltar pra escola, a iminente quebra desse mês de euforia permeia a mente de todos. As pessoas estão com medo de parar de dançar.

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Craig finaliza o seu set com "Love Bizarre", o dueto de Sheila E com Prince, um dos seus ídolos. Craig tem muitos ídolos e, por isso, seu conhecimento musical é absurdamente enciclopédico. Aparentemente, ele possui esse poder místico de identificar faixas de três décadas atrás depois de ouvir apenas meio minuto da batida. É impressionante.

As luzes finalmente se acenderam, e é só aí que percebemos que o chão está imundo -- fatias de limão pisoteadas, capsulas de remédios vazias, garrafas d'água descartadas. Craig sai da cabine do DJ e atravessa a pista, nos sentamos juntos na sala verde e ele agora tem um ar de quem quer dormir mais do que qualquer outra coisa no mundo. Ele olha pra mim com os olhos mortiços, como que me desafiando a fazê-lo perder seu tempo. Eu engulo em seco, e meu corpo amortecido pelos energéticos começa a falar.

THUMP: Então, são cinco e meia da manhã. Esse tipo de programa madrugada adentro não é bem a sua onda.
Carl Craig: É, você faz o que é preciso fazer…

Você chegou a desenvolver algum tipo de procedimento pra ajudar seu corpo se adaptar?
Acho que você acaba desenvolvendo algum tipo de resistência. Essa resistência é… sabe –adaptação ao ambiente, adaptação ao som, às pessoas, porque, pelo fato de estar em Toronto, tenho certeza de que há um sistema de som específico de som em Toronto. Preciso me adaptar a ele. Mas vindo de Detroit, ou por estar na Europa o tempo todo ultimamente, é ótimo ver as pessoas ficando até o final da noite aqui.

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Não foi tão difícil. Então, sua residência "Somewhere In…" começa em abril em Nova York. Sei que arquitetura é um dos seus interesses -- o que faz um bom espaço de dança?
Estou em tantos lugares diferentes que às vezes é mais a movimentação das pessoas dançando que faz o espaço importante, mais do que o lugar em si. Por exemplo, imagine uma festa numa igreja católica versus uma festa numa igreja de rua em Detroit, versus uma festa numa igreja luterana circular esquisita ou coisa assim. Claro, esses ambientes são importantes num sentido, mas em cada um desses lugares, são as pessoas que, literalmente, fazem a festa acontecer. O ambiente faz as pessoas se sentirem confortáveis o suficiente, mas se as pessoas não estão prontas, ou se elas querem a música que você está oferecendo para elas, isso é o mais importante. Quero dizer, lugares singulares podem ser muito incríveis, mas circulo por tantos lugares todos os dias que é difícil ser específico sobre espaços físicos.

Por falar em espaço, você falou sobre a habilidade que a música tem de te "levar numa jornada", o que me lembra muito do Sun Ra, que tinha muitas ideias sobre espaço e as diferentes possibilidades que poderiam acontecer lá.
Faço aniversário no mesmo dia que Sun Ra, inclusive.

Você também mencionou a famosa frase do Parliament Funkadelic "free your mind and you ass will follow" (liberte sua mente e sua bunda vai seguir) como uma inspiração. Ambos George Clinton e Sun Ra eram afro-futuristas – sei que a música deles teve grande influência em você, mas você já chegou a se identificar com eles politicamente?
Eu talvez venha de origens mais conservadoras… Então George Clinton, claro, estava consumindo uma porrada de drogas na época em que ele falava essas coisas todas, mas essa não é minha origem, não sou assim. Não sei bem sobre o Sun Ra, não acho que ele usava drogas -- acho é que ele estava em outro plano, em outro nível. Mas os aspectos do futurismo pra mim, claro, vieram das influências da TV e dos filmes, talvez menos da música. Quer dizer, a música talvez tenha sido uma influência mais subliminar, porque cresci ouvindo Parliament e todas as coisas do George Clinton -- cresci na época do Novo Romantismo, new wave e punk e essas coisas todas. Não posso menosprezar a influência do Electrifying Mojo (um DJ muito influente do Michigan), mas tendo crescido em Detroit, a TV tinha uma certa preferência sobre a música em se tratando de imaginar possibilidades.

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Parece que a história tem um papel importante pra você também. Você já mencionou que não se desfaz dos seus sintetizadores analógicos e nunca vende nada, é verdade?
Eu tento.

Você alguma vez pensa que preservar o analógico pode vir a ser muito difícil em algum momento?
Meu som não é baseado somente no analógico, porque eu cheguei num momento em que o digital estava explodindo. Comecei a produzir depois dos Fairlight CMI e dos Clavier, na época em que, claro, os 909 e os LinnDrums estavam acontecendo, e isso tudo levou a uma enorme proliferação dos samples. Os AKAI S-1000, essas coisas todas. Então rolava uma monte de síntese digital – meu primeiro sintetizador foi um Prophet, que era um teclado analógico, mas a maior parte do meu som era baseado no digital. E a realidade é que a maioria das músicas que conhecemos hoje em dia enquanto música moderna são digitais.

Então, eu me preocupo em preservar esses sintetizadores, até certo ponto. Gastei uma modesta quantia reformando meu Prophet 5, que é um belo sintetizador, meu Pro_one soa incrível depois que dei um tapa nele, meu 101, meu 106, Juno 2, todos esses são ótimos – o 808, tenho o 808 do Derrick May no meu estúdio, o 909 do Mortiz Von Oswald… essas são peças completas, mas o que é preciso pra fazer música hoje em dia não é só um 909. É sobre ter um software, a síntese digital que, por fim, se transformou nessa parada toda computadorizada.

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E eu acho que a síntese é mais importante pra mim do que ter uma enxurrada de sintetizadores analógicos, ou um arsenal de sintetizadores analógicos – o importante é que você consiga que a síntese digital soe agradável aos ouvidos.

Mas ainda assim, estamos chegando naquele ponto em que estamos ficando tão habituados à síntese digital que quando ouvimos a síntese analógica ficamos tipo "isso é incrível', que nem quando alguém coloca um vinil pra tocar. Eu não acho que tudo isso tenha a ver necessariamente com o vinil, principalmente nos clubes. É sobre o feedback que rola quando o sistema sobrecarrega o cartucho no toca-discos. Quando você ouve o feedback, que faz um barulho inconfundível, você fica tipo "ai caralho, isso sim é coisa boa". É como se um terremoto estivesse chegando. Você nunca vai chegar nesse ponto com o digital, mas você pode dar um brilho no analógico e também acho que fica incrível em comparação a, sei lá, tocar no vinil. É uma interação, essa sub-interação que às vezes nos escapa aos olhos.

Só mais uma coisa – perdemos Frankie Knuckles na semana passada, quer falar um pouco sobre isso?
Acontece -- é tudo parte da vida.

Estou curioso sobre a sua ideia de preservar as histórias da pessoas após a morte. Como você se sente em relação à memória de pessoas como Frankie Knucles?
Fiquei animado com o fato da Rolling Stone ter feito uma cobertura tão extensa sobre o Frankie Knuckles. O Brendan Gillen, acho, escreveu sobre as cinco mais importantes faixas de warehouse de Frankie Knuckles; digo extensivo porque eles cobriram o máximo que é possível cobrir em termos de reconhecimento, e eu acho que isso é muito importante. Rolling Stone, SPIN, todas as revistas norte-americanas que estavam se lixando pro Frankie Knuckles quando ele estava vivo. É ótimo que estejam fazendo isso agora. O Grammy provavelmente deveria fazer alguma coisa porque ele já ganhou um Grammy. Minha mãe sempre me disse, "nunca valha mais morto do que vivo", mas em se tratando de música, de arte, em muitos casos você vale mais quando está morto. E Frankie Knuckles definitivamente está recebendo mais reconhecimento do mainstream agora do que quando estava no auge da sua carreira, sabe? Acho que é ótimo que isso esteja acontecendo porque daqui dez anos muitas pessoas vão respeitar mais o Frankie Knuckles do que qualquer um que tenha aparecido nos últimos dez anos.

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Siga o Brendan no Twitter: @brendan_a

Bônus: Top 3 Carl Craig Pérolas das Pistas

Joe Smooth, "Promised Land"

Tom Trago, "Use Me Again and Again (Carl Craig Remix)"

Sheila E, "Love Bizarre"