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Música

Como um comentário de uma DJ foi o bastante pra tirar os machistas da jaula

DJ e apresentadora do ‘She DJ’, Larissa Dot fez uma piada e, de volta, recebeu uma horda de comentários sexistas a chamando de “vadia” a pior.
Uma das tantas postagens ofensivas ao trabalho das garotas do She DJ. Foto: reprodução/Facebook

Foi feito um update nesta matéria às 14h30 do dia 26/07

A internet desperta o pior do ser humano. Essa triste realidade vem se tornando cada vez mais evidente conforme as pessoas acham mais e mais formas e veículos pra destilar ódio e preconceito sem sofrer consequência alguma. O Boiler Room, por exemplo, teve de tomar a decisão de derrubar os comentários misóginos, racistas e transfóbicos de suas transmissões — porque, assim que uma mulher pisava diante do equipo, os machos-alfa interneteiros se viam no direito de (desrespeitosamente) questionar a habilidade e técnica dela nos comentários. No último domingo (17), os mesmos machos-alfa — só que em sua versão brasileira — decidiram causar um bocado por aqui.

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A patota começou com um comentário da DJ Dot Larissa no She DJ, programa que vai ao ar todos os domingos, das 20h às 22h, na rádio 97 FM, apresentado por ela, DJ Tricy, Sabrina Tomé e Dai Aldebrand. Durante uma conversa sobre a programação do Warung, festival clube em Santa Catarina, Dot fez o seguinte comentário: "Acho muito interessante aparecer novos DJs. No Warung, antes, se voltava muito pro DJ da pista principal. Mas os DJs da pista secundária estão se tornando superimportantes. Tá vindo uma galera nova muito legal. Porque antes ficava aquela coisa dos Matusalém lá: 'Eu toco há 30 anos! Caindo a dentura e o Corega voando no equipamento!'."

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Comentário pesado? Estava mais para uma piada. Ainda assim, não é de hoje que rola um certo conflito entre os DJs mais antigos e os DJs da nova geração, então era certo que a fala de Dot — que foi ao vivo para o ar — causasse certo atrito (na turma que vestiu a carapuça, né). Mas beleza, se for pra causar uma discussão saudável, que role, né? Vida que segue. Mas não foi bem isso que aconteceu.

Um áudio da "brincadeira" de Dot foi parar nas mãos do DJ Alex Hunt, que, segundo Tricy, encaminhou para algumas outras dezenas de DJs, e começou um bafafá na internet. "O Hunt tem 30 anos de trabalho, e me falaram que tem 30 anos de confusão com todo mundo", conta a DJ. A discussão partiu de Hunt e do DJ Anthony Garcia, e começou rapidamente a tomar proporções bem grandes — e igualmente sexistas.

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Os comentários foram de puro desdém pelo trabalho das DJs do She DJ à misoginia pura e xingamentos de "vadia" a pior. Em um vídeo publicado em seu mural, o DJ Alex Hunt pede respeito a Dot, enquanto a chama de "imbecil" e, depois, publica um vídeo seu — antigo, de acordo com Tricy — errando na mixagem de um set. "O único que eles acharam que tinha um erro eles expuseram", conta Tricy. O vídeo teve 500 curtidas e quase 70 compartilhamentos, que não pararam mesmo depois da retratação de Dot, que pediu desculpas num vídeo publicado em sua página no Facebook. Sobrou até pro DJ Memê, que tentou entrar na dança e equilibrar os lados, mandando um "deixa disso" no seu Facebook, e levou um textão do Alex Hunt, além de alguns comentários apelativos como "deve estar comendo a menina".

Para Larissa, a reação desmedida dos caras foi desproporcional à sua piada. "Ninguém ali é jornalista. A gente não tá ali pra fazer uma descrição da cena, é um programa sobre as nossas vivências, a gente conta coisa pessoal. Então, o programa é sempre mais descontraído e humorístico, pra ficar mais leve", conta. Além disso, ela reforça a crítica que quis fazer com seu comentário: "Há 10 anos, existia muito patota, de você só conseguir tocar se tivesse tantos anos de carreira. Isso não funciona mais. Mas eu não disse que todo DJ que é velho é Matusalém, nem que todo DJ que é velho usa Corega, nem falei dos DJs oldschool. Isso tudo foi o que a galera falou do que eu disse", diz. A DJ conta, ainda, que entrou em contato com Alex Hunt por telefone, pedindo pra que ele tirasse do ar os vídeos em que a expôs, mas só recebeu os mesmos xingamentos como resposta.

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Na opinião de Anthony Garcia, um dos DJs "das antigas" ofendido com o comentário de Dot, o preconceito que Larissa sofreu foi consequência do que ela mesma teve ao fazer a piada ao vivo. "Eu vivenciei o que [os DJs da geração passada] fizeram no passado e o preconceito que eles sofriam em relação ao mercado atual. Eu não fiz comentários simplesmente porque estava na internet e queria destilar minha raiva, é porque eu vivenciei e convivi com pessoas que tiveram esse tipo de preconceito. Do mesmo jeito que eu acho errado preconceito machista ou de estilos musicais, eu também achei errado ela generalizar e chacotar", conta.

"Uma pequena parte de alguns comentários que vi passaram do limite, quando vai pro lado sexual da coisa. Aí, eu acho que houve um exagero e que a galera perdeu a noção", diz Anthony, que chamou Dot de "vaca" e disse que esperava que "sua carreira durasse mais que seu silicone". Quando o perguntei se havia feito algum comentário machista, porém, Anthony negou. "Falei que as vozes [das apresentadoras] eram meio parecidas, todas tinham voz de Panicat porque elas tomavam bomba. Não foi nem machista, porque homem toma mais bomba do que mulher. Essa foi a única coisa mais exagerada que eu disse", diz.

Para Tricy, DJ e colaboradora do THUMP, os comentários serviram como um aprendizado de que o que as DJs falam no programa pode repercutir muito mais do que elas esperam — as ofensas machistas, porém, não são nada de novo. "Tudo o que acontece, a mulher é puta na vida. Aconteça o que acontecer, vista o que vestir, sempre vão pôr um defeito", conta. "Os nossos vídeos sempre ficam mais cheios que os dos caras, e tenho certeza que não é porque os caras amam a gente. É porque eles ficam lá tentando achar defeito. Muitos comentam que a gente monta o set e grava em casa, e lá é só encenação. Até parece!" Larissa concorda: "Pra nós [mulheres] tocarmos, a gente tem que colocar um saco de pão na cabeça, se não vão dizer que está ali porque é bonita. Música não tem gênero. As coisas não vem escrito 'uso só para mulheres'. A sociedade que decide isso, o que é coisa de mulher e o que é de homem. A [situação] só ficou séria porque a gente é mulher." As duas DJs afirmam que, se o comentário tivesse sido proferido por um homem, a repercussão não teria sido tão grande.

Esse é o ponto-chave da questão. Quando eu era criança, ficava cutucando meu irmão só pra irritá-lo e, boa parte do tempo, levava uns tapas de volta. Mas assim que ele levantava a mão pra mim, minha mãe dizia que ele havia perdido a razão na causa. Em nenhum momento — não nos comentários dos posts de Alex Hunt ou Anthony Garcia, ou nas próprias manifestações desses DJs — a discussão sobre velha geração de DJs versus a nova foi fomentada de um jeito saudável. Se eles tivessem, quem sabe, respondido aos cutuques de Dot incitando o debate, ao invés de levantarem os comentários machistas e infelizes, eles teriam recebido um pedido de desculpas e saído dessa de cabeça erguida. Mas o jeito vai ser deixar todo mundo de castigo.

*Alex Hunt foi procurado pela repórter, mas, até o momento da atualização da matéria, não se manifestou.

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