Sexo

Larguei meu emprego num banco para ser trabalhadora sexual

Trabalho sexual consensual e tráfico sexual são coisas inerentemente diferentes.
trabalhadora sexual

Semana passada, um político canadense rejeitou a ideia de que alguém pode querer se tornar um trabalhador sexual.

Falando com a parlamentar do NDP Laurel Collins depois que ela pediu que o parlamento canadense considerasse descriminalizar o trabalho sexual, o parlamentar conservador Arnold Viersen disse: “Acho que nenhuma mulher deste país já escolheu esse trabalho. Isso é algo em que elas são traficadas para fazer”.

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E sim, existem muitas vítimas de tráfico sexual. A questão é extremamente séria e merece tempo, atenção e os fundos exigidos para ajudar a erradicá-la.

Mas o que Viersen e muitos outros não percebem é que trabalho sexual consensual e tráfico sexual são coisas inerentemente diferentes.

Quase quatro anos atrás, larguei uma carreira corporativa confortável em horário comercial pela oportunidade de ser trabalhadora sexual.

Na época, eu trabalhava há seis anos na indústria financeira, atuando como gerente bancária.

Tinha elementos que eu adorava, particularmente os relacionamentos de negócio com meus clientes. Tive sorte de trabalhar em empresas que valorizavam os serviços de atendimento ao consumidor, então acabei ficando muito próxima da minha clientela.

Mas tinha algo faltando. Enquanto eu desejava estabilidade e segurança financeira, eu também queria ter mais espaço para crescimento pessoal, criatividade e expressão, e cuidado pessoal. Como uma mulher de 20 poucos anos no começo da carreira, as duas coisas pareciam se excluir mutualmente.

Se queria avançar na minha carreira, eu não devia contar com espaço para uma vida pessoal satisfatória.

Eu não podia planejar viajar, fazer uma aula de espanhol, melhorar minha saúde e fitness, e finalmente me tornar mestra no mercado de ações. Caramba, eu quase nem achava tempo pra lavar roupa.

Muitos dias no escritório, eu me pegava fantasiando sobre como seria ter uma tarde de terça-feira aleatória livre. Como seria fazer um almoço demorado, ou passear com meus cachorros sem pressa.

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Esse estilo de vida atribulado dominava minha semana, e como muitos colegas, me vi frequentemente ficando até mais tarde, assumindo mais projetos do que conseguia lidar, tudo na corrida pela próxima promoção.

Topei com o serviço de acompanhante por acaso. Assisti o filme Sugar Babies uma noite. É a história fictícia das aventuras de uma universitária no mundo do sugar dating. Apesar de o filme apresentar isso sob uma luz negativa estereotipada, achei o conceito fascinante e decidi pesquisar um pouco mais na internet. Disso eu descobri o mundo das sugar babies e acompanhantes. Parecia excitante e ousado. Eu não fazia a menor ideia que essa indústria existia bem aqui em Toronto.

Decidi tentar, e inicialmente experimentei com sugar dating. Sugar dating, ou sugaring, é um estilo de trabalho sexual onde a sugar baby e o sugar daddy se encontram regularmente. Os dois lados se conhecem através de sites, bem parecido com namoro online, e negociam um acordo por um período de tempo e um preço.

O problema com essa forma de trabalho sexual é que não há triagem e bem poucos limites. Decidi passar para acompanhante, onde eu tinha o benefício de ter horários definidos e um valor mais claro do meu tempo.

Depois de apenas quatro semanas me introduzindo na indústria do trabalho sexual, larguei meu emprego. Eu estava rapidamente me apaixonando pela nova carreira, e não conseguia nem pensar em passar outro dia sob luzes fluorescentes, imaginando como seria ter mais controle do meu tempo.

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Descobri que o modelo de construção de relacionamentos que eu gostava tanto no meu emprego financeiro é o cerne do trabalho sexual, mas num nível muito mais profundo.

Trabalhadores sexuais são camaleões do trabalho emocional. É nosso trabalho pegar indivíduos nervosos, vulneráveis e estressados e os deixar confortáveis e relaxados. Oferecemos amizade, apoio e amor numa sociedade que é tão obviamente estressada e necessita de carinho.

Trabalhadores sexuais também são empreendedores. Muitas das habilidades que aprendi estudando administração e meu papel o mundo das finanças foram transferidos para o trabalho sexual.

Muitas de nós criam uma marca, identificam um nicho de mercado, criam e dirigem nossa própria criação de conteúdo, mantemos presença nas redes sociais, respondemos nossos e-mails e customizamos as experiências que fornecemos para atender as necessidades de nossos clientes. Além disso, muitos de nós fazem seu próprio design de site e monitoram as análises de mercado.

O trabalho sexual não só me permitiu expandir minhas habilidades administrativas de um jeito que meu trabalho financeiro nãos deixava, mas isso me ensinou como realmente me conectar com outra pessoa num nível emocional, espiritual e físico. Isso me transformou numa parceira e amiga melhor, e como é mais lucrativo, me deu flexibilidade e liberdade para passar mais tempo comigo mesma.

Claro, todo trabalho tem um lado ruim, e não posso deixar de mencionar isso. Assim como muitas outras carreiras com trabalho emocional (terapeutas, psicólogos, etc.) esse tipo de trabalho, às vezes, pode te drenar mentalmente. Ainda estou trabalhando no equilíbrio entre fornecer cuidado emocional e físico para meus clientes, e recarregar minhas próprias baterias. Todo o trabalho administrativo também pode ser um desafio, e como muitos empreendimentos, gerenciamento de tempo é a chave.

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Acho que coletivamente, muitos de nós acreditam que a pior parte é o estigma. O público geral ainda tem uma opinião muito equivocada sobre trabalho sexual, o que obriga muitos trabalhadores a atuar em segredo. Muitos trabalhadores sexuais sofrem com isolamento, solidão e uma vida com medo de sofrer doxxing ou ser “exposto” para a família e amigos, por causa das reações fortes que cercam essa linha de trabalho.

Pra mim, o lado positivo supera o negativo. Então sim, por quase quatro anos agora, abracei de total vontade própria o trabalho sexual. Independente do que certos políticos dizem por aí.

Mas nossas leis precisam acompanhar a realidade que os trabalhadores sexuais encaram.

No Canadá, é ilegal comprar serviços sexuais. O problema com esse modelo atual é que clientes temem ser criminalizados, e não estão dispostos a fornecer informação pessoal que possa ser usada para triagem. Isso deixa muitos trabalhadores sexuais sem detalhes críticos que podem ser vitais para sua segurança. Sem essas informações de triagem, alguns trabalhadores sexuais são obrigados a aceitar sem saber encontros com clientes problemáticos e/ou perigosos. Duas trabalhadoras sexuais foram mortas recentemente no Quebec no mesmo dia, incluindo Marylène Levesque, 22 anos, que foi assassinada por um assassino condenado em liberdade condicional.

Trabalhadores sexuais têm habitação negada e são despejados, têm suas contas bancárias fechadas, a entrada proibida em fronteiras internacionais, são expulsos de aplicativos de encontro e impedidos de hospedar seu conteúdo em plataformas de propaganda.

Desafiar essas noções buscando descriminalização total é algo por que sou incrivelmente apaixonada. Vou continuar usando minha plataforma abertamente, para defender trabalhadores sexuais e reduzir o estigma porque, francamente, somos foda.

Espero que um dia, os trabalhadores sexuais recebam o respeito que merecem.

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