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Entendendo os novos adolescentes urbanos da Grã-Bretanha

Consumo irrefreável, raves ilegais, inalantes e um niilismo hedonista são algumas características que compõe o retrato de uma geração que não é tão diferente assim do tempo dos seus pais.

(Foto por Adrian Choa).

A cultura jovem é uma coisa efêmera, nebulosa e meio inexplicável. Qualquer coisa pode ser parte disso desde que seja jovem, divertida e que o pessoal dos noticiários não entenda.

Em grande parte do século 20, a divisão geracional tornou mais fácil entender o que se tratava como cultura jovem, com os mais velhos olhando estupefatos os solos de guitarra e as roupas impraticáveis. Mas na era do aumento da expectativa de vida, avós do acid house e um senso geral que busca de continuar jovem diante de não saber realmente o que mais fazer, a juventude de verdade – ou seja, os adolescentes – estão se tornando cada vez mais negligenciados pela mídia e as marcas, por sua vez, parecem geralmente a favor dos afluentes jovens de 20 poucos anos que se agarram à juventude com unhas e dentes.

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Tudo que os millennials e a Geração X parece saber sobre os adolescentes é que eles são a geração da vaidade, definida por selfies e abdomens definidos, sexting e segways, vloggers e estrelas do Instagram. Eles são superficiais e condescendentes porque cresceram assistindo as Kardashians e preenchendo inscrições de faculdade enquanto assistiam Top of the Pops e tomavam remédios para emagrecer.

Alguém como o retrato e semelhança da youtuber Zoella, geralmente citada como um exemplo de quanto os padrões caíram. E sim, ela é perturbadoramente popular. Mas o Westlife era nos meus tempos de adolescente; assim como o Bros quando eles eram adolescentes. Sempre vão existir coisas banais e básicas que ganham popularidade, mas isso dificilmente diz alguma coisa sobre a verdadeira cultura jovem. Vá além do Snapchat e fandoms do Harry Potter e você vai encontrar os adolescentes de hoje em suas próprias cenas, estilos, sons e microeconomias, do mesmo jeito que acontecia nas gerações passadas.

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Há exemplos melhores do que a (relativamente) nova leva de adolescentes urbanos — a garota que está substituindo álcool por NOS, usando chapéu cata-ovo e trocando clubes noturnos por festas de sua própria criação: raves ilegais e festas em ocupações para pedir o direito de usar espaços abandonados.

Vejamos a identidade visual: esses adolescentes veneram o altar duplo da moda esportiva e da rua, Sports Direct e Supreme, forjando uma aliança entre a cultura do skate e o a chamada cultura scally , o que seria inimaginável quando eu era adolescente.

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Para todo mundo que passou por uma surra num ponto de ônibus por usar um moletom World Industries, ou levou ovada de um grupo de emos vingativos num Pegeot 206 por usar calça Adidas, a ideia de combinar roupas esportivas e de skate pode parecer bizarra. Mas na cultura jovem de hoje, essa é a norma. É como se as antigas tribos finalmente tivessem enxergado o melhor uma da outra, criando essa nova raça que não é limitada por preconceitos das gerações antigas.

Como em qualquer outra cena, certos visuais significam certas coisas. "Se você quer parecer legal — se você quer ser a pessoa que anda pela Brixton High Street e diz 'Fui para uma noite de grime ontem e aquele cara estava lá' – você provavelmente usa uma jaqueta North Face", diz Frank, um garoto de 18 anos do sul de Londres. Para as garotas, o visual é diferente, claro, mas continua na mesma vibe utilitária. "Tem esse look 'Leeds girl'", diz Katy, de 19 anos. "Garotas que frequentam [as universidades de] Leeds e Bristol, e têm exatamente o mesmo visual: crop top com Nike Air Forces e uma jaqueta puff".

O look parece ser uma mistura de Yung Lean e "um extra de Mentes Perigosas". Quer dizer, recebe influências de vários lugares, mas é algo absolutamente "urbano", na falta de uma palavra que me faça parecer menos um tiozão que apresenta o jornal da noite. Gente como Skepta, Virgil Abloh, Ian Connor e Sad Boys levaram a esse estilo inerentemente masculino e durável.

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Adolescentes Sad Boys (foto: Jason Bergman).

O jeito como essa tribo atinge esse visual também é específica dessa geração. Uma nova economia de moda online surgiu nos últimos anos, uma economia na qual raridade é a ordem do dia. Grupos do Facebook como o conhecido Wavey Garms, ou The Basement — que, segundo Katy, é "um pouco mais atual e underground que o Wavey Garms" — lidam principalmente com roupas e acessórios de segunda mão, que ganham mais valor quando mais difícil é consegui-los.

"O que as pessoas geralmente fazem é ir atrás do item mais cobiçado, no estilo que as pessoas mais querem, simplesmente para vender isso de novo", diz Katy. Parece que uma cultura de colecionador emergiu, uma versão mais cheia de swag do uma antiga geração que colecionava coisas como cartões Pokemon e Pogs. E isso atinge níveis obsessivos. "Alguns amigos estavam na fila na frente da Supreme [para o lançamento da última coleção], e um mendigo veio e sentou com eles, e ele não conseguia acreditar que as pessoas estavam fazendo fila para comprar um moletom de £128. As pessoas ficaram até 16 horas na fila, às vezes tomando ácido e coisas assim".

Essa busca pelo último look pode parecer um sintoma do ápice do capitalismo, mas é algo enraizado em quase todas as outras cenas que precederam essa. Os mods e wannabe mods adoravam roupas que só estavam disponíveis em uma ou duas lojas do país, assim como os skins e os soul boys. A coisa de acampar na frente da loja e o mercado online é só uma manifestação moderna de uma ideia antiga.

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Os lugares onde os adolescentes usam essas roupas também mudou dramaticamente. Nos últimos dez anos, as leis de licenciamento para baladas se tornaram bem mais pesadas na Inglaterra, transformando um país que era um paraíso dos clubes, um lugar onde uma conversa mole qualquer era capaz de te fazer entrar na maioria dos lugares, para um sistema quase americano, no qual leões de chácara pesadamente monitorados exigem o passaporte ou a carteira de motorista de todos que querem entrar em um clube. Em resposta a repressão, os adolescentes pensaram em seus próprios métodos de causar o caos: manter as coisas num nível local e ser criativo.

"É bem difícil antes de você fazer 18 — não tem muita coisa para fazer, especialmente numa cidade onde os clubes sofrem tanta pressão da polícia", diz Frank. "Alguns pubs racistas até eram amigáveis, mas sempre que um cara negro entrava, eles eram menos amigáveis".

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"Geralmente saímos em umas 15 pessoas, passamos na casa de todo mundo — bebendo. Ouvindo música. No verão ficamos por aí. Nem tentamos entrar nos clubes, mas alguns amigos ricos pagam para os seguranças e entram", disse Annie, de 16 anos.

A parte do "ser criativo" vem na forma de festas de ocupação ilegais (essencialmente raves) que surgem por todo o país. Se tem alguma coisa que cristaliza a vida social desses garotos, são essas festas. A mídia já está prestando alguma atenção nelas, mas apenas quando acontece algum problema, como nas infames festas Scumtek, que renderam cães, cassetetes e escudos. O foco do que realmente acontece nessas noites, e por que as pessoas frequentam essas baladas, parece irrelevante quando há notícia de algumas mortes possivelmente relacionadas a drogas e um cara que perdeu seu celular. Mas para entender as batalhas, você precisa entender as suas razões.

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Há um ar de segredo e notoriedade que permeia a discussão sobre essas festas. Frank as descreve apenas como "sinistras".

"Geralmente são noites bem loucas", diz Sam, outro adolescente de Londres. "Você costuma encontrar o pessoal [no lugar] onde vai ser a rave, ou na estação Victoria. Aí vocês tomam alguma coisa antes, se alguém que estiver lá for rico. Depois todo mundo bebe muito".

Ele me diz que a música que todo mundo ouve lá é jump-up, uma vertente barulhenta do drum and bass ridicularizada pelos puristas do breakbeat. "A maioria dos clubes não toca essa música", diz Sam, "então você vai para as rave ouvir essa coisa nova e selvagem".

Há um senso de migração em massa: se encontrar para achar a balada, fazer as coisas que você não pode fazer em outros lugares, ouvir a música que você não pode ouvir em outros lugares. "Você entra no trem e sabe quem está indo para a rave. Geralmente pelo glitter na cara e pela jaqueta shell", diz Frank.

Essas festas preenchem a mesma função que os clubes tiveram para as gerações anteriores de adolescentes, lugares míticos que podem surgir a qualquer momento. O apelo disso para pessoas constantemente proibidas de ter acesso a qualquer catarse é bem óbvia. "É a liberdade de usar as drogas que você quiser, não ter que se preocupar com nada – você tira aquele nível de medo", diz Sam. "É a possibilidade de realmente pirar".

Bombas de NOS e bexigas (foto por Chris Bethell).

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Como qualquer cena dos anos 50 em diante, o consumo de drogas é uma grande parte dessas festas, e pelo que ouvi, os adolescentes estão bem familiarizados com isso. "Isso só dá errado quando alucinógenos estão envolvidos", diz Frank. "Geralmente temos MDMA bastante puro no rolê, vindo da Holanda. Nunca vi problemas vindo disso".

Maconha, sem surpresa, é ainda mais comum. "Não conheço ninguém que não fume maconha", diz Annie. "Talvez uma ou duas pessoas".

Mas maconha e formas variadas de ecstasy estão aqui desde a época dos avós dessa geração. Uma substância que separa esses adolescentes do resto é o óxido nitroso, e a quase inescapável presença das "crackers" [bombas] nas festas, usadas para encher bexigas com gás hilariante. A presença de óxido nitroso, NOS ou bexigas é de praxe nas raves, visto da mesma maneira como a cerveja nas baladas legalizadas.

LEIA: O futuro das drogas

"É provavelmente a droga mais fácil de usar", diz Sam. "Até vendi isso por um tempo, porque é grana fácil. São 5 libras [cerca de R$ 30] por cracker, um pouco mais pela caixa de bexigas, depois é só sair entregando."

A música nessas festas pode ser predominantemente jump-up, com alguns toques de jungle, house, techno e dub. Mas o som que esses garotos realmente acham que define seu tempo é o grime. Particularmente a onda mais recente – Novelist, Elf Kid, Stormzy — em vez dos caras old school.

"Claro, grime é algo grande — todo mundo parece gostar de coisas como grime, jungle, garage e tudo mais", diz Sam. "Mesmo o jeito como as pessoas se vestem teve um grande impacto. É um jeito de se integrar socialmente. Todo mundo pode dizer que gosta de grime e ser feliz."

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Uma parte do quebra-cabeça da cultura jovem que parece estar faltando aqui é a raiva contra o establishment. Os jovens de hoje — ou, pelo menos, aqueles com quem falei e seus amigos — apresentam uma mistura incomum de obediência, pessimismo e niilismo hedonista. Perguntei a Sam como ele descreveria a atitude de seus amigos com relação ao futuro. "É algo bem 'viva rápido, morra jovem'", ele respondeu. "Acho que muitas desses pessoas não veem um futuro para si".

Frank concorda. "Está bastante evidente que as coisas não estão melhorando", ele me disse. "Mesmo as pessoas que não assistem as notícias sabem que não estão na escada de propriedade, ou que não vão se dar tão bem na vida".

Todo mundo com quem falei estava terminando ou continuando sua educação, cumprindo totalmente a ideia de si mesmo como filhos bastardos de Blair e de seu manifesto "educação, educação, educação".

Exemplos vivos de uma geração que ouviu que aquela ou essa universidade seria melhor para eles que trabalho, e que trabalhos na mídia são melhores que trabalhos manuais.

Mas seu otimismo com o sonho do diploma é limitado. "Acho que essa vibe de faculdade está morrendo um pouco", diz Sam. "Muita gente está percebendo que não quer sair com 30 mil de dívida e sem saber o que fazer. Acho que a principal razão para as pessoas continuarem cursando uma faculdade é para ter uma rede de segurança, então muita gente fica nessa e vai para a faculdade por pressão de não saber o que quer fazer".

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Frank, que começa a faculdade ano que vem, me disse: "Não sinto que é algo que realmente quero fazer, mais algo que tenho que fazer. É essa coisa do medo que eles pregam — tipo, quais são suas outras opções? Trabalhar num bar? Essas são as suas opções. É uma necessidade mais que qualquer outra coisa".

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A vida dos adolescentes britânicos de hoje parece estar sob ataque constante das gerações acima deles: sem poder sair, sem poder ficar, acusados de serem obcecados por redes sociais. Mas é impressionante o quanto eles conseguiram criar para si mesmos no mundo real, considerando quão pouco a sociedade está disposta a dar a eles. Esses garotos, que não podem ir ao pub, que não podem trabalhar, que nem sequer recebem uma bolsa de manutenção de £30 por semana, como a minha geração recebia, criaram algo próprio, e quase ninguém está aplaudindo eles por isso. Muitas pessoas preferem dizer que fizeram melhor que eles ou antes deles.

Alguém inevitavelmente vai dizer que tudo isso é fútil, que são apenas roupas, música, dança e drogas, mas a cultura jovem sempre foi isso. Claro, são as variações entre essas facetas permanentes que vão definir diferentes cenas, as pequenas mudanças nos cortes das calças, a velocidade das batidas ou o humor em que as drogas te colocam. Essas diferenças contam as histórias dos tempos modernos e refletem a política ao redor delas.

Esses clichês péssimos sobre cidra e nudes parecem cada vez mais redundantes, enquanto essa nova cultura de festas grátis, bexigas, chapéus cata-ovo e economia de internet ganham velocidade. Ainda assim, as mesmas ideias tribais de escapismo e exploração que vêm desde a ascensão da adolescência ainda estão no coração do que eles fazem.

A Inglaterra tem uma longa e incrível história de cultura jovem, e os adolescentes de hoje são tão parte disso quanto seus pais e avós. Mais importante, eles estão muito longe da tal Zoella.

Tradução: Marina Schnoor

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